Uma leitora chamada Graça...
Cristina Maria Rosa
Inspirada na leitura
de “MINHA VIDA NO MUNDO DA ESCRITA”, de Graça Paulino, texto que integra um
livreto organizado por Hilda Lontra na UNB, em 2004, decidi organizar alguns excertos
para indicar como Graça observou – e registrou – sua inscrição “no universo da
língua escrita”. O texto chegou a minhas mãos pela generosidade de Micheline que, hoje, trabalha como professora universitária em Goiás. Agradecida, amiga!
De um “modo bem
particular” e com suas “experiências, medos, projetos, lembranças, paixões, e
tudo o mais”, Graça nomeou cada um dos passos que a fizeram migrar de um mundo
de matutos para a cidade, construída de jornais, revistas, livros, folhetos,
cartazes, placas, cartas, bulas, receitas, rótulos, anúncios.
Exemplo
Considerando-se “melhor
exemplo das estranhezas que das experiências comuns”, Graça revela em palavras imperdíveis,
sua “história pessoal de leitora”. Leia:
# Nasci numa família de camponeses e operários analfabetos, que
migrou do interior de Minas para a capital, Belo Horizonte, em 1949;
# Na roça, só o rádio garantia algumas notícias do mundo;
# Quando eu tinha quatro anos, minha mãe me arranjou o padrasto
ideal: além de ser bonito e doce, o Quim tinha estudado até o quarto ano de
grupo. Sua letra era linda, e ainda gostava também de desenhar. Lembro-me tão
bem como se fosse hoje: uma vez pedi a ele que lesse para mim o que escrevera
numa foto sua que minha mãe guardava. Ele leu;
# Na cidade grande, viver sem saber ler era muito mais difícil;
# Quando entrei na escola, aos sete anos, carregava uma
responsabilidade enorme, que era a de introduzir oficialmente meu grupo de
parentesco no mundo letrado;
# Confesso que, quando cheguei à escola pela primeira vez, já sabia
desenhar meu nome completo. Ensinara-me isso minha madrinha, que tinha
trabalhado como professora de escola rural, onde deve ter sido essa a sua
função;
# Eu me orgulhava muito do bordado a lápis, embora não fizesse sentido algum;
# Queria era saber ler e escrever de verdade, o que me ensinou
Dona Julieta, no primeiro ano do que na época se chamava curso primário;
# Minha mãe foi quem se empenhou no meu sucesso no mundo da escrita de modo mais insistente: queria que eu tivesse todas as condições favoráveis para participar desse mundo novo, no qual ela mesma nem assumia tentar entrar;
# Hoje, doutora em Letras, sinto como se fosse em boa parte de minha mãe o título.
ü
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