quinta-feira, 21 de julho de 2016

Paradidáticos: isso é literatura?

Um teimozo

Esse Juca é levado da carepa!
Debalde sempre se lhe recomendava:
- Não brinque com fósforos!
- Não metas cacos de vidro no bolso!
- Não ponhas botões na boca!
Qual! Era o mesmo que nada: lá aparecia ele com cara chamuscada por cauza dos fósforos, com um dedo cortado pingando sangue, engasgado com um caroço ou um botão e até um dia o teimozo quazi que enguliu um alfinete. Agora o Juca teimou em fazer equilíbrio sobre uma cadeira de embalo.
Sobre uma cadeira de embalo! Sim, senhor. Vêja!
Como tive necessidade de sair de casa não sei o que teria acontecido, pois de volta, achei-o na cama, muito pálido, e chorando, das dores que sentia.
-Oh! rapaz, o que é isso? Choramingar não é responder?
Diga-me você o que foi que sucedeu ao teimoso Juca.
Desta vez tomará juízo?
Pode ser, pode ser!
(JSLN, Artinha de Leitura, 1907, p.53-54).


O que são textos ou obras paradidáticas?
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, os livros paradidáticos têm a função de desenvolver valores como bondade, amizade, respeito, honestidade, ecologia, meio ambiente, poluição, dentre outros. Assim, os “valores humanos” como convivência e educação, responsabilidade e solidariedade, respeito e mentira e desprezo são temas recorrentes nestes casos. Para Menezes (2001), paradidáticos são “livros e materiais que, sem serem propriamente didáticos, são utilizados para este fim” e são importantes pois utilizam “aspectos mais lúdicos que os didáticos”, buscando maior eficiência “do ponto de vista pedagógico”.
De onde vem essa nomenclatura?
Os livros, textos ou materiais paradidáticos recebem esse nome porque “são adotados de forma paralela aos materiais convencionais”, como livros, cartilhas, textos didáticos utilizados na escola. Estes não os substituem, mas abordam temas que, nem sempre, os didáticos contempla.
Para Rangel, ao que tudo indica que “o termo paradidáticos surgiu como adjetivo, qualificando um tipo de publicação que, a partir da década de 1970, começou a proliferar na produção editorial brasileira voltada para o uso escolar”.
O intuito foi “distinguir esses produtos dos livros didáticos tradicionais, sempre associados a disciplinas, organizados em coleções seriadas e pensados para uso cotidiano”
Principal diferença
A principal diferença entre paradidáticos e demais livros em uso na escola consiste na abrangência, ou seja, os paradidáticos “não pretenderem cobrir a matéria de uma série nem, muito menos, de todo um segmento do ensino” e fixavam-se, antes, “em um único tópico de interesse curricular, tratado de forma mais especializada e/ou aprofundada”, de acordo com Rangel (2014). Paradidáticos é uma expressão que, desde então, “passou a designar esse tipo de produção editorial; e vem sendo empregada, desde então, como substantivo”.
É um gênero?
Pesquisadores do livro e da leitura, de acordo com Rangel (2014) “têm se perguntado se os paradidáticos constituiriam um gênero discursivo, a exemplo do que outros investigadores postularam para os livros didáticos”. Como a “variabilidade desses materiais é bastante ampla” acredita o pesquisador que este aspecto tem “dificultando a definição de características que lhes seriam exclusivas”, constituindo assim um gênero. E completa afimando que “seus muitos usos escolares – sempre complementares e/ou alternativos aos tradicionalmente associados aos livros didáticos – é que têm sido decisivos para que certas produções editoriais sejam consideradas paradidáticas”.
A LDB e os paradidáticos
A partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que estabeleceu os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e orientou para a abordagem de temas transversais relacionados ao desenvolvimento da cidadania, livros paradidáticos pulularam nas editoras brasileiras. Dessa forma, de acordo com Menezes (2001), “abriu-se espaço para o aumento da produção de obras para serem utilizados em sala de aula, abordando temas como Ética, Pluralidade Cultural, Trabalho e Consumo, Saúde e Sexualidade”. Outro incremento para a utilização destes livros na escola foi o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) e  o PNBE.
Literatura?
Se o intuito é desenvolver valores éticos e morais nos alunos, trazendo discussões acerca de fatos que acontecem no cotidiano e oportunizando que pensem em atitudes com os colegas, professores e família, o que há de literários neles? A Literatura infantil, desde a origem, ofereceu diversão e/ou aprendizado às crianças. Paço (2009) afirma que se buscava um conteúdo “adequado ao nível da compreensão e interesse desse peculiar destinatário”. Adulto em miniatura, os primeiros textos infantis “resultaram de adaptações ou da minimização de textos escritos para os adultos” e, neste processo, foram “expurgadas as dificuldades de linguagem, as digressões ou reflexões” que estariam além da compreensão infantil. Além disso, “ações ou peripécias de caráter aventuroso ou exemplar” buscavam atingir o pequeno leitor/ouvinte para “participar das diferentes experiências que a vida pode proporcionar ao nível do real ou do maravilhoso”. Assim, um texto paradidático, por anos, foi pensado, escrito e utilizado como se literatura fosse. Em seu âmago, ensinamentos, lições morais, exemplares, especialmente no trato com o outro: o colega, a família, a professora, os mais velhos, os que merecem respeito e admiração.
O exemplo inicial: um conto de João Simões Lopes Neto.
Na IV Parte do Livro “Artinha de Leitura” de JSLN, às páginas 50 até a 60 há a escrita de quatro contos morais. Dois deles abordam a teimosia e a curiosidade e os outros dois, pecados capitais (a gula e a preguiça). Em toda a cartilha composta por 83 páginas, essas dez são as únicas que trazem narrativas. Ilustradas com figurinhas que apresentam cenas com início, meio e fim, não há nenhuma inscrição original ou do autor sobre elas. Os textos que as acompanham– pequenas historietas criadas por Lopes Neto – aparentemente foram escritos a partir da colagem das figuras em um caderno, base material de seu livro, e não há indicação de onde foram retiradas. A primeira das historietas é sobre a teimosia e o personagem central é um menino – Juca – que é “levado da carépa”. Para quem não sabe, carepa é uma espécie de caspa, ranhuras da madeira, pó sobre frutas secas ou mesmo penugem de alguns frutos (Houaiss, 2004). Mantida com a grafia encontrada no original, podemos perceber o uso da linguagem de um século atrás.
Referências:
MENEZES, Ebenezer; SANTOS, Thais. Verbete Paradidáticos. Dicionário Interativo da Educação Brasileira. São Paulo: Midiamix, 2001. Disponível em: http://www.educabrasil.com.br/paradidaticos
PACO, Gláucia. O encanto da literatura infantil no CEMEI Carmem Montes. TCC/Lato Senso. SP/Mesquita,2009.
RANGEL, Egon. Paradidáticos. Glossário CEALE. Belo Horizonte: UFMG/CEALE, 2014.
ROSA, Cristina. Pecados Capitais em JSLN. Disponível em: http://crisalfabetoaparte.blogspot.com.br/2008/11/pecados-capitais-em-jsln.html

Gêneros literários infantis: o Hibridismo


Dedicado a Hércules Toledo, meu amigo mineiro.

hibridismo – uma das características presentes em escritas literárias destinadas à infância atualmente – é observável quando um texto tem aspecto de um gênero mas foi construído em outro.
É um fenômeno que já foi descrito na literatura da área. Para saber um pouquinho mais, leia Poema em Prosa, de Fernando Paixão (2012). No texto, Paixão observa o poema em prosa, um gênero criado por Baudelaire em meados do século XIX e o nomeia "uma terceira via da modernidade literária, a ponto de suscitar uma trajetória e tradição próprias desde então".
Em um interessante ensaio, o pesquisador procura posicionar o impasse desse tipo de escrita, "ante o exaurimento das vanguardas ocorrido após o fim da Segunda Guerra". Esse tema, envolvente e necessário, merece nosso olhar atento. Aqui, umas pinceladas, para aquecer o diálogo que virá posteriormente.

Quais as relações entre gêneros/tipos literários e hibridismo?

Uma das estudiosas que se dedica ao tema é Bastazin (2006), para quem “refletir sobre os gêneros literários, tal como sobre a maioria das questões de literatura, assemelha-se à tentativa de mapear uma região em constante mutabilidade”. A pesquisadora argumenta que “o tratamento que se dedica à literatura ou às artes em geral, resulta em atribuir, por aqueles que sobre elas se debruçam, variados conceitos e funções, sempre atrelados às condições históricas e sociais de cada tempo e lugar”. Assim, “quer pela natureza, quer pelas características composicionais intrínsecas da obra literária, a apreensão e formulação de um conceito nunca foi, e provavelmente nunca será, tarefa pacífica”. E conclui: “pelo vínculo que a obra estabelece com seu criador – alguém genética, histórica e socialmente mutável e, em permanente estado de vir-a-ser”, é tarefa quase que impossível.

Discurso literário: registro poético e registro narrativo

Quando a intenção é conhecer, descrever, categorizar o discurso literário - a forma de escrever dos autores e até mesmo os formatos de apresentação de seus discursos em impressos - a busca é por definir o escrito. Perguntas como "É poesia?" "É narrativa?" são pertinentes neste caso. No entanto, nem sempre se consegue responder tão simploriamente as questões formuladas.
Em resumo: nem sempre isso é tarefa fácil.
Para Paiva e Cosson (2014) quase sempre se utiliza de uma distinção genérica: texto em prosa e texto em verso, para "supostamente", "recobrir os gêneros do registro poético e os gêneros do registro narrativo do discurso literário", ou, ainda, a divisão entre poesia e ficção. Para os pesquisadores, "os termos são tão genéricos que pouco discriminam, daí que se recorra a uma exemplificação".
Para exemplificar, compreendem-se Gêneros Literários como produções literárias escritas em registro poético (poemas, adivinhas, trava-línguas, parlendas, cantigas, acalantos) e em registro narrativo (conto, crônica, novela, teatro, texto da tradição popular; romance; memória, diário, biografia, livros de imagens e HQ).
Luis Camargo argumenta que “ainda hoje, a escola é a grande responsável pela circulação da literatura infantil e, no contexto brasileiro, a mediação familiar ainda é pouco significativa”. Para ele, esse fato, sem dúvida, “traz várias condicionantes à literatura, como, por exemplo, a confusão da literatura propriamente dita com obras que se utilizam da ficção e da poesia com finalidade educativa, seja de caráter informativo, seja para divulgar comportamentos e valores”.
Texto em prosa ou em verso?
Os dez sacizinhos, de Tatiana Belinky (2010). 
Conheces Os dez sacizinhos, de Tatiana Belinky? Ainda não? É uma obra imperdível.
Tendo como personagens a referência a um dos mais conhecidos do folclore brasileiro – o Saci Pererê – a obra Os dez sacizinhos mescla narrativa com a estrutura poética (estrofes com quatro versos e rima). O gênero, nesta obra, pode ser nomeado de híbrido, pois a autora lança mão da estrutura narrativa em prosa – Eram dez os sacizinhos – em cada entrada de estrofe, cumulativamente e em alusão ao "Era uma vez..." dos contos de fadas tradicionais. E lança mão, também, do registro poético, representado por estrofes em que há quatro versos e rima (Eram sete os sacizinhos/Um foi de charrete/A charrete emborcou/E sobraram sete).
Os dez sacizinhos pode ser considerada uma obra paradidática, pela proposição de raciocínios matemáticos simples como a subtração, por exemplo, e mais complexos, como as noções de ordem, comutatividade e a relação maior/menor. Neste caso, depende do uso que dele for feito pelo mediador, que poderá evidenciar um ou mais aspectos quando da leitura para as crianças.

Em Os dez sacizinhos há um encontro entre formatos de registro (o narrativo e o poético) e configura-se como representante do que se está nomeando gênero híbrido. A obra se encontra em uma inter-relação de gêneros, neste caso, uma invenção da autora.
Intencional, uma escolha, um direito do autor.
Lembre: a escrita literária de Tatiana Belinky tem ampla aceitação e credibilidade. Assim, não é necessário nem importante definir a que gênero pertence Os dez sacizinhos...
Mais importante é ler e se deleitar com ela.

Para saber bem mais, leia as referências:
BASTAZIN, Vera. José Saramago: hibridismo e transformação dos gêneros literários. In: Revista eletrônica de crítica e teoria de literaturas. Dossiê: Saramago PPG-LET-UFRGS – Porto Alegre – Vol. 02 N. 02 – jul/dez 2006.

BELINKY, Tatiana. Os dez sacizinhos.  São Paulo: Editora Paulinas, 2010.

CAMARGO, Luis. A Poesia Infantil no BrasilPalestra apresentada no LAIS – Instituto Latino-americano –, da Universidade de Estocolmo, e no Instituto Sueco do Livro Infantil. Estocolmo, Suécia, em outubro de 1999. 
PAIVA, A. e COSSON, R. O PNBE, a literatura e o endereçamento escolar. In: Revista Remate de Males. Campinas-SP, (34.2): pp. 477-499, Jul./Dez. 2014
PAIXAO, Fernando. Poema em prosa: poética da pequena reflexão. In: Estudos Avançados. vol.26 no.76 São Paulo Sept./Dec. 2012.

domingo, 10 de julho de 2016

Recursos próprios da Poesia: Métrica, Ritmo e Rima


Recursos próprios da Poesia: Métrica, Ritmo e Rima

O que é o fazer poético? Ou melhor, o que consideramos poesia? O que a define como um dos gêneros textuais? Para Duarte[1] os versos de Carlos Drummond de Andrade são adornados de rara beleza, e, por isso, revelam a arte do fazer poético. Um dos exemplos que utiliza para sua argumentação é Procura da Poesia:

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou dor no escuro
são indiferentes.
Não me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem de equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.

Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

Para a estudiosa, a última estrofe representa com intensidade a linguagem poética, aquela em que o artista, lançando mão da matéria-prima que constitui seu labor, cria, reconstrói uma realidade, por meio de um trabalho especial com a própria palavra. E lança mão de palavras de Cassiano Ricardo, para quem “a poesia é uma ilha cercada de palavras por todos os lados”. Discorda Drummond, que alarga a reflexão ao afirmar que “se ermas de melodia e conceito elas se refugiam na noite, rolam num rio difícil”, ou seja, palavras são pontes para os sentimentos e reflexões e não representam a sim mesmas, não podem ser esvaziadas de sentido.
Mas, como fazer poesia? E é trabalho, a poesia? Esse “trabalho especial com a linguagem”, de acordo com Duarte, “se dá por meio de uma criteriosa seleção e combinação de sons, de ritmo, de melodia”, os recursos próprios da poesia. E sons, ritmo e melodia são aspectos poéticos “que se manifestam, sobretudo, pelo uso de alguns recursos considerados formais, dada a presença também de outros, de ordem estilística”.

Métrica: o que é isso?
Métrica é a quantidade de sílabas poéticas que um verso apresenta. Diz-se “escandir um verso” quando se intenciona “medi-lo de acordo com o número de sílabas poéticas que apresenta”. Mas lembre: sílabas poéticas não necessariamente se assemelham com sílabas gramaticais, visto que na escansão o verso é considerado como um todo, como se fosse uma única palavra. Ao observar este aspecto, “as sílabas são separadas de acordo com a intensidade com que são pronunciadas, sendo que a contagem se encerra sempre na última sílaba tônica”, pois quando há encontro de duas vogais átonas, “ocorrerá uma espécie de ditongo dentro do verso – o que permite que elas pertençam a uma única sílaba”.
Não é muito importante, mas de acordo com o número de sílabas que apresentam, os versos recebem distintas classificações como: monossílabos, dissílabos, trissílabos, tetrassílabos, pentassílabos (ou redondilha menor), hexassílabos (heroico quebrado), heptassílabos (redondilha maior), octossílabos, eneassílabos, decassílabos (medida nova), hendecassílabos e dodecassílabos (ou alexandrinos).
Ritmo
Explorada a métrica, podemos observar mais um dos recursos próprios da poesia: o Ritmo. E, neste caso, há um consenso: não se pode prescindir de ritmo quando se trata de poesia. Sobre este aspecto, Duarte afirma que:
“Contextualizando-nos à época modernista, verificamos que muitas das criações ali presentes são destituídas de métrica (versos livres), bem como de rimas (verso bancos). Mas não há como negar: um poema pode perfeitamente ser constituído de tais aspectos, a depender da época em que foi construído, mas o que ele não pode deixar de ter chama-se ritmo – a grande marca desta modalidade textual”.

Conceitualmente, o ritmo de um poema é determinado pela “alternação uniforme de sílabas tônicas (fortes) e não tônicas (fracas), dispostas em cada verso de uma composição poética, bem como pelos recursos utilizados pelo poeta e pela forma como ele os organiza dentro de seu texto”. Lembrar que todo poeta pretende produzir efeito no leitor ajuda a compreender o sentido de burilamento, de busca de palavras, de ritmo, de métrica, de rima.
Poemas possuem “ritmos próprios” uma vez que evidenciam as intenções do poeta. Um exemplo é Canção do vento e da minha vida, de Manuel Bandeira, no qual ele utiliza-se da aliteração para, através da repetição do fonema /v/, marcar, evidenciar, revelar o “som decorrente do ato de varrer”:

O vento varria as folhas,
O vento varria os frutos,
O vento varria as flores…
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De frutos, de flores, de folhas.
O vento varria as luzes,
O vento varria as músicas,
O vento varria os aromas…
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De aromas, de estrelas, de cânticos.
[...]

Para concluir, a Rima:
É a rima que, em muito, “demarca o ritmo do poema”, conferindo a musicalidade e a melodia necessárias ao que se considera poesia. Talvez a rima seja o recurso próprio da Poesia que mais seja identificado com o fazer poético, com o resultado de uma produção. Se há rima, é poesia, diz o senso comum.
Mas, o que é rima? Para Duarte, a rimase caracteriza pela semelhança sonora das palavras, podendo ser retratada no final ou no interior dos versos e em posições variadas” Um exemplo do uso de rima (alternada) em um escrito poético se encontra em Lembrança de morrer, de Álvares de Azevedo:

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei!... que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!

Em Soneto de fidelidade, do Vinícius de Moraes, há rima Interpoladas ou cruzadas:

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento
[...]

E há ainda rimas denominadas “emparelhadas” e “mistas”, que apresentam outros tipos de combinações como nos versos de Ferreira Gular:


Vagueio campos noturnos
Muros soturnos
Paredes de solidão
Sufocam minha canção.



Leia Poesia.
Leia os poetas brasileiros.
Eles têm muito a nos dizer sobre rima, ritmos, métrica.
E sobre emoções, sentimentos, humanidade...



sábado, 9 de julho de 2016

Dos poemas que mais gosto

Dos poemas que mais gosto, um é especial. É o Poeminho do Contra, escrito pelo Mário Quintana. Considero-o a síntese de uma filosofia de vida. Muitas vezes, na minha própria, fui animada por ele. Ouça:

"Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!"

Mas há outros em minha curta vida de leitora. Um deles, O apanhador de desperdícios, de Manuel de Barros, meu dizedor predileto:

"Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios".

O mail lindo?
Talvez Tratado geral das grandezas do ínfimo.

A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogios.

Laia os poetas brasileiros. Leia Manoel de Barros e Mario Quintana. Eu leio!

O que é poesia?

Poesia é insatisfação, é síntese, é a busca da forma, a dosagem das palavras, é a luta amorosa com as palavras, de acordo com Mario Quintana. A matéria-prima do poeta é a emoção e suas ferramentas são as palavras. Como um escultor que extrai de um bloco a forma sonhada, o poeta pode transgredir as normas: da gramática, do léxico.
A poesia é uma incógnita até mesmo para o poeta que, ao sentir, se expressa. E de forma tão inusitada, que até ele, não raro, se surpreende com o resultado. Para o poeta, escrever – fazer poesia – é sinônimo de expressar-se. E a escrita tem apenas um compromisso: fazer sentido para ele, poeta, primeiro. Não há, na escrita poética, preocupação em escrever para os outros, em representar os demais humanos.
O poeta torna-se completo quando escreve. O leitor, no entanto, o reconhece como “poeta” quando sente tão profundamente o lido como “suas palavras”. Ou melhor: “seus sentimentos”. Não raro, o leitor apresenta o poeta a outros leitores com frases como: “Era isso que eu queria dizer, é isso que eu sinto, essa forma de escrita me emociona, ele me representa...”..
Para encerrar, deixo uma das criações de nosso poeta insuperável: Mário Quintana. Este, Os Poemas, foi publicado em “Mario Quintana — Poesia Completa”, pela Editora Nova Aguilar. 

Os Poemas
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.

Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem. E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti…

Alfabeteando...

Um "Alfabeto à parte" foi criado em setembro de 2008 e tem como objetivo discutir a leitura e a literatura na escola. Nele disponibilizo o que penso, estudos sobre documentos raros e meus contos, além de uma lista do que gosto de ler. Alguns momentos importantes estão aqui. 2013 – Publicação dos estudos sobre o Abecedário Ilustrado Meu ABC, de Erico Verissimo, publicado pelas Oficinas Gráficas da Livraria do Globo em 1936; 2015 – Inauguração da Sala de Leitura Erico Verissimo, na FaE/UFPel; 2016 – Restauro e ambientação da Biblioteca na Escola Fernando Treptow, inaugurada em 25 de novembro; 2017 – Escrita da Biografia literária de João Bez Batti, a partir de relatos pessoais. Bilíngue – português e italiano – tornou-se um E-Book; 2018 – Feira do Livro com Anna Claudia Ramos (http://annaclaudiaramos.com.br/). 2019 – Produção de Íris e a Beterraba, um livro digital ilustrado por crianças; 2020 – Produção de Uma quarentena de Receitas, um livro criado para comemorar a vida; 2021 – Ruas Rosas e Um abraço e um chá, duas produções com a UNAPI; 2022 – Inicio de Pesquisa de Pós-Doutorado em acervos universitários. Foco: Há livros literários para crianças que abordem o ECA? 2023 – Tragicamente obsoletos: Publicação de um catálogo com livros para a infância.

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