Dedicado a Hércules Toledo, meu amigo mineiro.

É um fenômeno que
já foi descrito na literatura da área. Para saber um pouquinho mais, leia Poema
em Prosa, de Fernando Paixão (2012). No texto, Paixão observa o poema
em prosa, um gênero criado por Baudelaire em
meados do século XIX e o nomeia "uma terceira via da modernidade
literária, a ponto de suscitar uma trajetória e tradição próprias desde
então".
Em um interessante
ensaio, o pesquisador procura posicionar o impasse desse tipo de escrita,
"ante o exaurimento das vanguardas ocorrido após o fim da Segunda
Guerra". Esse tema, envolvente e necessário, merece nosso olhar
atento. Aqui, umas pinceladas, para aquecer o diálogo que
virá posteriormente.
Quais as relações entre gêneros/tipos
literários e hibridismo?
Uma das estudiosas
que se dedica ao tema é Bastazin (2006), para quem “refletir sobre os gêneros
literários, tal como sobre a maioria das questões de literatura, assemelha-se à
tentativa de mapear uma região em constante mutabilidade”. A pesquisadora
argumenta que “o tratamento que se dedica à literatura ou às artes em geral,
resulta em atribuir, por aqueles que sobre elas se debruçam, variados conceitos
e funções, sempre atrelados às condições históricas e sociais de cada tempo e
lugar”. Assim, “quer pela natureza, quer pelas características
composicionais intrínsecas da obra literária, a apreensão e formulação de um
conceito nunca foi, e provavelmente nunca será, tarefa pacífica”. E
conclui: “pelo vínculo que a obra estabelece com seu criador – alguém genética,
histórica e socialmente mutável e, em permanente estado de vir-a-ser”, é tarefa
quase que impossível.
Discurso literário: registro poético e registro
narrativo
Quando a intenção é
conhecer, descrever, categorizar o discurso literário - a forma de
escrever dos autores e até mesmo os formatos de apresentação de seus discursos
em impressos - a busca é por definir o escrito. Perguntas como
"É poesia?" "É narrativa?" são pertinentes neste caso. No
entanto, nem sempre se consegue responder tão simploriamente as
questões formuladas.
Em resumo: nem sempre isso é tarefa fácil.
Para Paiva e Cosson
(2014) quase sempre se utiliza de uma distinção genérica: texto em prosa e
texto em verso, para "supostamente", "recobrir os gêneros do
registro poético e os gêneros do registro narrativo do discurso
literário", ou, ainda, a divisão entre poesia e ficção. Para os
pesquisadores, "os termos são tão genéricos que pouco
discriminam, daí que se recorra a uma exemplificação".
Para exemplificar, compreendem-se Gêneros
Literários como produções literárias escritas em registro poético (poemas,
adivinhas, trava-línguas, parlendas, cantigas, acalantos) e em registro
narrativo (conto, crônica, novela, teatro, texto da tradição
popular; romance; memória, diário, biografia, livros de imagens e
HQ).
Luis Camargo argumenta que “ainda
hoje, a escola é a grande responsável pela circulação da literatura infantil e,
no contexto brasileiro, a mediação familiar ainda é pouco significativa”. Para
ele, esse fato, sem dúvida, “traz várias condicionantes à literatura, como, por
exemplo, a confusão da literatura propriamente dita com obras que se utilizam
da ficção e da poesia com finalidade educativa, seja de caráter informativo,
seja para divulgar comportamentos e valores”.
Texto em prosa ou em verso?
Os dez sacizinhos, de Tatiana Belinky (2010).
Conheces Os dez
sacizinhos, de Tatiana Belinky? Ainda não? É uma obra
imperdível.
Tendo como personagens a referência a um dos mais conhecidos do
folclore brasileiro – o Saci Pererê – a obra Os dez sacizinhos mescla
narrativa com a estrutura poética (estrofes com quatro versos e rima). O
gênero, nesta obra, pode ser nomeado de híbrido, pois a autora
lança mão da estrutura narrativa em prosa – Eram dez os sacizinhos
– em cada entrada de estrofe, cumulativamente e em alusão ao "Era
uma vez..." dos contos de fadas tradicionais. E lança mão, também, do
registro poético, representado por estrofes em que há quatro versos e rima
(Eram sete os sacizinhos/Um foi de charrete/A charrete emborcou/E sobraram sete).

Intencional, uma
escolha, um direito do autor.
Lembre: a escrita
literária de Tatiana Belinky tem ampla aceitação e credibilidade. Assim, não é
necessário nem importante definir a que gênero pertence Os dez sacizinhos...
Mais importante é
ler e se deleitar com ela.
Para saber bem
mais, leia as referências:
BASTAZIN, Vera.
José Saramago: hibridismo e transformação dos gêneros literários. In: Revista
eletrônica de crítica e teoria de literaturas. Dossiê: Saramago
PPG-LET-UFRGS – Porto Alegre – Vol. 02 N. 02 – jul/dez 2006.
BELINKY,
Tatiana. Os dez sacizinhos. São Paulo: Editora Paulinas, 2010.
CAMARGO,
Luis. A Poesia Infantil no Brasil. Palestra apresentada no LAIS – Instituto Latino-americano –, da
Universidade de Estocolmo, e no Instituto Sueco do Livro Infantil. Estocolmo,
Suécia, em outubro de 1999.
PAIVA, A. e COSSON,
R. O PNBE, a literatura e o endereçamento escolar. In: Revista Remate
de Males. Campinas-SP, (34.2): pp. 477-499, Jul./Dez. 2014
PAIXAO, Fernando.
Poema em prosa: poética da pequena reflexão. In: Estudos Avançados. vol.26 no.76 São
Paulo Sept./Dec. 2012.
Um comentário:
O texto ficou excelente! Delicioso de ler... e eu fiquei emocionado com a homenagem!!!! Muito grato!!!
Tem um artigo do Fernando Paixão na Revista Brasileira, da ABL, n. 75, que também pode te interessar!!! 😊😊😊
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