quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Estofo: mais metáforas...

 


Estofo: outros modos de pensar...

Cristina Maria Rosa

 

Cacife, condição e/ou discernimento de realizar determinada tarefa em determinada circunstância é sinônimo de “estofo”. Neste caso, é quase uma metáfora para a habilidade ou faculdade cognitiva e emocional exclusiva da espécie humana de planejar, desenvolver e avaliar uma ação.

Na imagem contida neste texto, a bebê Clarissa, aos oitro meses, recebendo, da família, parte do que vai ser considerado seu "estofo" literário. Bebês, desde logo, podem receber e processar informações, pois são “sujeitos que se constituem na linguagem e que, por meio dela, se subjetivam e compartilham experiências”, de acordo com Cristiene Galvão (2016).

Estofo também pode ser o arcabouço de saberes necessários para defesa de um parecer, uma tese, uma posição cultural, educacional e/ou política. No campo da alfabetização, por exemplo, Bruna Carvalho (2019) escreveu que “são escassas as produções teóricas e proposições para este campo do conhecimento que tenham como estofo teórico a pedagogia histórico-crítica e a psicologia histórico-cultural”. Neste caso, a doutoranda escolheu o tema como objeto de pesquisa de sua tese, a partir da hipótese de que “a organização lógica dos conteúdos da língua escrita é variável interveniente no processo de alfabetização, promovendo o desenvolvimento da capacidade de generalização e abstração necessária à aprendizagem da língua escrita e, a partir dela, o domínio de conteúdos e conceitos de outras áreas do conhecimento”

Ao estabelecer como objetivo geral de sua pesquisa a formulação de “orientações de encaminhamentos didáticos para o ensino da língua escrita no 1º ano do ensino fundamental tendo como base a psicologia histórico-cultural e a pedagogia histórico-crítica”, a autora pretendeu ofertar aos leitores, condições de conhecer e atuar a partir de saberes “sobre o ensino da língua escrita elaboradas sob os fundamentos da pedagogia histórico-crítica e da psicologia histórico-cultural”.

Ela intencionou compor "um estofo" para a área.

Será que Bruna conseguiu?

Bônus:

Tu podes saber lendo ENSINO DA LÍNGUA ESCRITA NO 1º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL: orientações didáticas à luz da Psicologia Histórico-Cultural e da Pedagogia Histórico-Crítica. O texto está disponível em: http://bdtd.ibict.br/vufind/Record/UNSP_4f2d6bdff06da192e38b525bdbc10d5e


Estofo literário: o que é isso?

Estofo Literário: pequeno glossário

Cristina Maria Rosa

 

Ontem, quarta-feira, dia 28 de outubro, depois da Live “Bebês podem ler?”, que participei, a convite da Vanguarda Livraria, recebi uma mensagem de uma querida ex-aluna, que estava online entre as 19 e as 20 horas. Ela escreveu:

 

Professora. Fiquei com muita vontade perguntar e te ouvir falar sobre o que é ter “estofo literário”.

 

Vou escrever aqui, o que é, para mim, “estofo literário”, uma expressão corriqueira que uso quando quero indicar a consistência necessária a um professor no trato das questões que envolvem a alfabetização literária. Respondendo à Pedagoga Pâmela, uma instigante interlocutora que tenho tido nesses tempo de estudos e diálogos “remotos”, escrevi:

 

Ter estofo literário é ter o que eu tenho: muita leitura literária, coragem e saberes para abordar temas considerados polêmicos, noção de infância como uma idade geracional, de criança como um “exemplar da espécie” e um “sujeito que é produto e produtor de cultura” (GALVÃO, 2016), conhecimento prévio de livros, autores e gêneros, experiência com diferenciados públicos, emoção ao compor o saber no campo e formação consistente na área da leitura literária. Estofo é isso. Ou é mais ou menos isso...

E...

Lembrei, depois, que estofo se adquire com as diversas trocas entre leitores que tive a oportunidade de conhecer. Primeiro, meu pai e mãe. Depois, alguns na escola e na Universidade. A maior delas, Graça Paulino, minha orientadora de Pós-Doutorado.

Mas...

A conversa com Pâmela continuou:

“Essa coragem seria uma abertura para que se produza qualquer tipo de conversa com um livro que fale de morte ou racismo, por exemplo? Ou precisa conhecimentos aprofundados sobre cada tema polêmico? Podes me indicar alguma leitura sobre o conceito de criança que tens? Isso seria ter ou desenvolver sensibilidade para perceber o que seria mais adequado para o público a quem leio? Sensibilidade para tratar os temas e entender os diversos pontos de vista que surgem da conversa sobre um livro?”

 Em breve, respondo...


quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Graça, Tardif e a formação de professores...


Formação literária e os saberes docentes

Cristina Maria Rosa

 

Tardif esqueceu, mas Graça, não.

Nem poderia.

É Graça Paulino, uma das maiores intelectuais brasileiras no campo da leitura literária.

Não, não é uma das...

É a maior!

Sabia, na essência, o valor da formação literária como desencadeador das habilidades e talentos de um professor, com qualquer público e em qualquer situação pedagógica.

Foi a primeira professora que eu tive, na vida, que valorizou cada pequeno saber meu no campo pedagógico como aliado a seus imensos saberes literários e docentes.

Obrigada, Graça!

E...

Para que tu não fiques no ar, imaginando o que teria Graça escrito, recomendo a leitura de Saberes literários como saberes docentes, elaborado por ela  publicado na Presença Pedagógica (v.10 n.59 • set./out. 2004).

Leia o primeiro parágrafo:

 

A partir de algumas ideias do filósofo e sociólogo canadense Maurice Tardif, divulgadas no livro Saberes docentes e formação profissional (2002), proponho-me neste artigo tentar demonstrar que o saber literário compõe o conjunto de saberes docentes ligados ao trabalho cotidiano em sala de aula, mesmo quando esse trabalho não está diretamente ligado ao ensino de língua e literatura (PAULINO, 2004, p. 04).

 

Leia também:

ARISTÓTELES. Poética. Porto Alegre: Globo, 1966.

PAULINO, Graça. Para que serve a literatura infantil. Presença Pedagógica, Belo Horizonte, v. 5, n. 25, jan/fev 1999, p. 51-58.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Saberes de Graça...


Os saberes que Graça tem...

Cristina Maria Rosa

 

Lendo Saberes literários como saberes docentes, publicado por Graça em outubro de 2004 na Presença Pedagógica, encontrei uma pérola. No excerto a seguir, contemple.

Leia e se delicie... 

 

A literatura nos ensina que os espaços são múltiplos, que a par do geográfico existem o cultural, o mítico, o psíquico. A literatura nos ensina a lidar com o tempo do desejo movendo as páginas e a história para além do tempo do relógio. A literatura nos ensina a conviver com seres insólitos, complexos, intangíveis, em suas relações sofridas, conflituosas, tensas. A literatura nos ensina a captar e interpretar diferentes vozes sociais. A literatura nos ensina a conviver com medos, com clímax e desfechos surpreendentes. É claro que não só a literatura ensina isso e não o faz necessariamente com todos os leitores. Mas, desde Aristóteles, o saber literário é considerado isso mesmo: apenas uma possibilidade. Se, por enquanto, podemos ainda ver a literatura como uma mercadoria de luxo bem embalada para poucos, tentemos concretizar o dia em que ela possa chegar, em sua opulenta diversidade de gêneros, de formas de representação e de mundos construídos, para os professores em formação que a quiserem mais forte e conscientemente atuando em seu trabalho na sala de aula. (PAULINO, Graça, outubro de 2004).

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Sapos e Bodes no apartamento...


Primeiríssima infância: o idílico e o poético garantido?

Cristina Maria Rosa

Hoje assisti a defesa de Projeto de Tese de Cristiene Galvão. Ela está se tornando uma muito importante pesquisadora no campo da literatura que é produzida para bebês no país, sob om olhar atento e cuidadoso de suas orientadoras.

Mestrado

Já no mestrado, Cristiene brilhou. No texto Existe uma literatura para bebês?, disponível no Repositório da UFMG, encontra-se parte significativa dos caminhos que ela percorreu para definir o que é uma “experiência literária". Lei a o resumo:


Esta dissertação insere-se na linha de pesquisa Linguagem e Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da UFMG e tem por objetivo principal investigar o teor literário em livros de literatura destinados a crianças de 0 a 2 anos. Para tal, busca aproximações com o universo infantil, considerando os bebês como sujeitos que são produtos e produtores de cultura e que, na troca de experiências como os outros e com o meio, constroem suas singularidades. Analisar as publicações literárias para bebês apresenta-se como um grande desafio, uma vez que as crianças dessa faixa etária estão dando os primeiros passos rumo à ordenação do mundo. A abstração tão necessária para que as crianças possam criar outros mundos em outros tempos e espaços, característica do texto ficcional, ainda não está garantida em obras para esta faixa etária e isso acarreta diferenças singulares nas publicações para esse público. Podem esses livros receber o selo de literários? Podem os bebês produzir sentidos em contato com narrativas ficcionais? Para responder tais perguntas é preciso o apoio de lentes teóricas que consideram a infância como um acontecimento e os bebês como sujeitos que se constituem na linguagem e que por meio dela subjetivam e compartilham suas experiências. A opção de conhecer e analisar os livros de literatura infantil destinados aos bebês objetivou categorizá-los segundo suas propostas interlocutórias e entrelaçá-los com as perspectivas vigostskiana, wallonianas e golseanas de ampliar as experiências afetivas e cognitivas das crianças, levando em conta as particularidades dessa faixa etária. Bernardo, Compagnon, Eagleton, Jouve são, também, importantes interlocutores dessa pesquisa uma vez que redimensionam o conceito stricto sensu dado à literatura, atitude tão necessária para a apreensão da pluralidade de produções existentes na atualidade. Na esteira da ampliação desse conceito, autores com Hunt e Sosa auxiliam a configurar as especificidades dos textos literários destinados às crianças. O corpus de análise foi selecionado a partir de acervo particular e intentou abranger a diversidade de produções para essa faixa etária. Foram levantadas as seguintes categorias: materialidade, temática, gêneros, número de palavras, conceito da obra. Os resultados indicam que, dentro de um conceito mais abrangente de literatura, é possível classificar livros destinados a bebês como literários desde o instante em que a ruptura com a realidade se materialize, não como uma transcrição, mas como uma (re) apresentação do real. Ainda que muitos livros infantis destinados a bebês não apresentem uma estrutura narrativa, já se observa a fratura com o real e um exercício ficcional capaz de criar tensões das mais variadas cores e tons.

 

Algum diálogo sobre a criança...

O infante de nossa espécie é sujeito ativo, pensante, razão em potencia? Como definir infância?

Para Ana Maria Machado, é fundamental que apresentemos às crianças uma variedade de impressos que informem sobre a presença, na cultura escrita, de múltiplos livros, linguagens, temas, vozes, ilustrações. O intuito seria propor o desenvolvimento da capacidade crítica. Esta proposição contraria uma anterior, clássica, defendida por Cecília Meireles. Para a poeta que também foi professora, apenas livros de qualidade deveriam ser ofertados aos pequenos, argumento que se encontra em Problemas da Literatura Infantil, publicado em 1951, pela Secretaria de Estado da Educação de Belo Horizonte.

Cristiene, em seus estudos que se orientaram pela análise contrastiva, indica que, dentro de um conceito mais abrangente de literatura, é possível classificar livros destinados a bebês como literários desde o instante em que a ruptura com a realidade se materialize, não como uma transcrição, mas como uma (re) apresentação do real.

E...

Foi assim que Lembrei de Graça Paulino e de um de seus artigos: Sapos e bodes no apartamento.

Impossível não lembrar...

 

Por fim...

Crianças merecem literatura...

Pois...

Literatura subverte!

Inclusive o insondável!

Inclusive o insondável!!!

Subverte o real! Transforma o real. E...

O que é o real?

 

Bônus

A dissertação está aqui: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/BUOS-ARRJJ5

Alfabeteando...

Um "Alfabeto à parte" foi criado em setembro de 2008 e tem como objetivo discutir a leitura e a literatura na escola. Nele disponibilizo o que penso, estudos sobre documentos raros e meus contos, além de uma lista do que gosto de ler. Alguns momentos importantes estão aqui. 2013 – Publicação dos estudos sobre o Abecedário Ilustrado Meu ABC, de Erico Verissimo, publicado pelas Oficinas Gráficas da Livraria do Globo em 1936; 2015 – Inauguração da Sala de Leitura Erico Verissimo, na FaE/UFPel; 2016 – Restauro e ambientação da Biblioteca na Escola Fernando Treptow, inaugurada em 25 de novembro; 2017 – Escrita da Biografia literária de João Bez Batti, a partir de relatos pessoais. Bilíngue – português e italiano – tornou-se um E-Book; 2018 – Feira do Livro com Anna Claudia Ramos (http://annaclaudiaramos.com.br/). 2019 – Produção de Íris e a Beterraba, um livro digital ilustrado por crianças; 2020 – Produção de Uma quarentena de Receitas, um livro criado para comemorar a vida; 2021 – Ruas Rosas e Um abraço e um chá, duas produções com a UNAPI; 2022 – Inicio de Pesquisa de Pós-Doutorado em acervos universitários. Foco: Há livros literários para crianças que abordem o ECA? 2023 – Tragicamente obsoletos: Publicação de um catálogo com livros para a infância.

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