segunda-feira, 9 de julho de 2018

Eu recomendo: Ynari, de Ondjaki

Ynari, de Ondjaki

Cristina Maria Rosa
09/07/2018

Ynari, a menina das cinco tranças, de Ondjaki, foi a leitura que recomendei aos ouvintes do programa Tons e Letras em julho. Esse conto longo, publicado no Brasil pela Companhia das Letrinhas, é um encantamento só. A protagonista, uma menina de tranças lindas, é curiosa e pensamenteira. Leia um trechinho:

Era uma vez uma menina que tinha cinco tranças lindas e se chamava Ynari. Ela gostava muito de passear perto da sua aldeia, ver o campo, ouvir os passarinhos, e sentar-se junto à margem do rio. Certa tarde, já o Sol se punha, Ynari ouviu um barulho. Não eram os peixes que saltavam na água, não era o cágado que às vezes lhe fazia companhia, nem era um passarinho verde. Do capim alto saiu um homem muito pequenino com um sorriso muito grande. E, embora ele não fosse do tamanho dos homens da aldeia de Ynari, ela não se assustou. O homem muito pequenino andava devagarinho e devagarinho se aproximou.
– Olá! – cumprimentou.
– Olá – respondeu Ynari, receando que estivesse a falar alto de mais para o tamanho do ouvido
do homem muito pequenino. – Desculpa, mas não sei o teu nome...
– Eu também não sei o meu nome... – desculpou-se o homem muito pequenino. – Mas chamam-me homem pequenino.
– Ah, está bem... – sorriu Ynari, enquanto se deitava na relva para ficar mais perto dele. – Eu tenho um nome só, quer dizer, uma só palavra: chamo-me Ynari.
– Ynari é um nome muito bonito – o homem pequenino sentou-se, ficando, assim, ainda menor.
– Posso fazer uma pergunta, homem muito pequenino?
– Podes fazer muitas perguntas.
– De onde vens?
– Venho da minha aldeia, que fica mais para cima, junto à nascente do rio.
– E lá, na tua aldeia, são todos pequeninos?
– Sim, somos todos menores que vocês, quer dizer, depende daquilo que entendemos por “pequeno”. Não achas?
– Nunca tinha pensado nisso. Sempre pensei que uma coisa menor fosse uma coisa pequena...
– Pode não ser assim... Conheces a palavra “coração”?
– Conheço! – sorriu Ynari. – E não é só uma palavra, é isto que bate dentro de nós – e mostrou no seu peito onde o coração batia.
– Claro, e... O coração é pequeno para ti?
– É... e não é! Cabe tanta coisa lá dentro, o amor, os nossos amigos, a nossa família...
– Vês? – disse o homem mais pequeno que ela. – Às vezes uma coisa pequenina pode ser tão grande...


Quem é Ondjaki?
Sociólogo, poeta, roteirista e escritor, Ndalu de Almeida, autor de Ynari, é conhecido como Ondjaki. Nasceu na cidade de Luanda, metrópole e capital de Angola, em 1977. Integra a primeira geração de angolanos que cresceu em um país independente, embora em guerra. Sua trajetória artística é repleta de atributos: poeta e escritor, atua também no teatro, cinema e em documentários e, como pintor, já participou de mostras em artes plásticas. Sua literatura é um diálogo entre memórias e questões sócio-políticas ou “uma história na voz de uma criança repleta de recordações” de acordo com o José Domingos de Brito em http://www.tirodeletra.com.br/biografia/Ondjaki.htm.

Créditos do Programa Tons e Letras 
Ouça o programa Tons e Letras. Ele vai ao ar às 7 horas dos sábados, na FM Cultura de Porto Alegre.
Ficha técnica:
Tons & Letras
Locução: Egon Bueno
Produção: Luís Dill
Horário: Sábados, às 07h
Twitter: @fm_cultura
Facebook: fmcultura107.7
Contato: programacao@fmcultura.com.br

Alfabeteando...

Um "Alfabeto à parte" foi criado em setembro de 2008 e tem como objetivo discutir a leitura e a literatura na escola. Nele disponibilizo o que penso, estudos sobre documentos raros e meus contos, além de uma lista do que gosto de ler. Alguns momentos importantes estão aqui. 2013 – Publicação dos estudos sobre o Abecedário Ilustrado Meu ABC, de Erico Verissimo, publicado pelas Oficinas Gráficas da Livraria do Globo em 1936; 2015 – Inauguração da Sala de Leitura Erico Verissimo, na FaE/UFPel; 2016 – Restauro e ambientação da Biblioteca na Escola Fernando Treptow, inaugurada em 25 de novembro; 2017 – Escrita da Biografia literária de João Bez Batti, a partir de relatos pessoais. Bilíngue – português e italiano – tornou-se um E-Book; 2018 – Feira do Livro com Anna Claudia Ramos (http://annaclaudiaramos.com.br/). 2019 – Produção de Íris e a Beterraba, um livro digital ilustrado por crianças; 2020 – Produção de Uma quarentena de Receitas, um livro criado para comemorar a vida; 2021 – Ruas Rosas e Um abraço e um chá, duas produções com a UNAPI; 2022 – Inicio de Pesquisa de Pós-Doutorado em acervos universitários. Foco: Há livros literários para crianças que abordem o ECA? 2023 – Tragicamente obsoletos: Publicação de um catálogo com livros para a infância.

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