sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Escritas, leitores e história da leitura

A obra "Escritas, Leitores e História da Leitura" lançado na 40ª Feira do Livro de Pelotas foi tema do programa Diálogos na Casa de Simões na terça, 11/12/2012.
O prefácio foi elaborado pela Drª Letícia Fonseca Richthofen de Freitas do Centro de Letras e Comunicação (UFPel) e pode ser conhecido abaixo:


A obra “Escritas, leitores e história da leitura” estava, para mim, até bem pouco, guardada muda, no nascedouro das palavras, esperando que a leitura a fizesse despertar. Felizmente, cada vez que um leitor desbravar as páginas deste livro, despertará palavras plurais, porém convergentes, em relação a um tema que a nós, professores, pesquisadores, estudantes é tão caro: a leitura e a escrita.

O livro reúne dez ensaios de professores e de pesquisadores de diversas áreas e de diversos pontos do país preocupados com o tema da leitura e da escrita, tema esse bastante recorrente em várias publicações, mas cada vez mais importante, premente e atual. Os textos, cada um a sua maneira, dialogam com todos aqueles que também se inquietam com as questões educacionais do nosso país e com a formação de leitores. Por tudo isso, esta é uma iniciativa acadêmica que indico com entusiasmo e prazer intelectual.

A partir de sua memória pessoal de leitora, Aparecida Paiva, no capítulo 1, discute a importância da biblioteca escolar para a formação de leitores. De acordo com o que é levantado pela autora, existem três aspectos cruciais que devem ser levados em conta para o bom funcionamento da biblioteca escolar e, consequentemente, para que ela possa promover o encontro do leitor com o livro nesse ambiente: em primeiro lugar, há a questão do ambiente físico, que não pode ser tomado, como na maioria dos casos, como um depósito de livros, mas sim como um espaço de vivência de leituras. Em segundo lugar, há que se considerar o acervo da biblioteca, que além de bem selecionado, deve ser acessível ao leitor. Por fim, Aparecida Paiva ressalta o papel do mediador, figura decisiva para a formação do leitor literário.

No capítulo 2, Cristina Rosa questiona qual o papel dos formadores de professores com base em uma pesquisa desenvolvida com professoras alfabetizadoras do município de Pelotas (RS), com o objetivo de conhecer se havia momentos de leitura e de que tipo era a leitura realizada por elas em sala de aula. O interessante estudo conseguiu mapear não só se as professoras liam, mas também o que era lido, quais os autores e títulos mais lidos, com que frequência e como elas descrevem os eventos de leitura. Os resultados da pesquisa apontam para o fato de as professoras entrevistadas não serem protagonistas da leitura literária na escola. Isso fica explícito ao serem confrontadas as respostas colhidas: apesar de a totalidade das entrevistadas ter afirmado ler diariamente, a leitura não era de textos literários. Também foi constatado que as professoras não diferenciam a leitura literária das demais leituras. Em vista disso, pertinentemente a autora provoca o leitor ao questionar o papel dos pesquisadores e dos formadores de professores, já que, para se formar leitores na escola, é necessário antes formar professores leitores.

Em consonância com o capítulo 2, Elaine Maria da Cunha Morais também trata, no capítulo 3, da questão da formação de professores leitores. A autora corrobora a ideia de que a maior parte do professorado do Brasil não é leitora e apresenta um projeto de extensão desenvolvido pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que busca interferir no letramento literário dos professores, a fim de melhorar a sua atuação como mediadores de leitura. Tal projeto parte da seleção de textos disponíveis no Portal Domínio Público, sendo elaborados, a partir dos textos escolhidos, livros que também abordam a vida e a obra de cada autor selecionado – como Lima Barreto e Júlia Lopes de Almeida, por exemplo. Depois da confecção dos livros, eles são distribuídos no primeiro ciclo do Ensino Fundamental de escolas públicas da região metropolitana de Belo Horizonte, no curso de Pedagogia e na Licenciatura em Educação no campo da UFMG. O ensaio trata ainda de um interessante estudo de recepção de tal material entre os alunos do curso de Pedagogia da UFMG, que mostra a abrangência e a importância de tal iniciativa, a qual, na minha opinião, merece ser levada a outras cidades do país.

Em “O Amor na Literatura Infantil: Uma Questão de Gênero?”, que compõe o capítulo 4, Jane Felipe e Suyan Ferreira analisam, de maneira perspicaz, como as relações amorosas são apresentadas ao público infantil. Com base na obra “Como mamãe e papai se apaixonaram” e sob a perspectiva teórica dos Estudos Culturais e das Relações de Gênero, as autoras examinam quais são e de que maneira certas identidades são legitimadas e reforçadas. As análises efetuadas no capítulo integram um estudo maior e apontam, a partir das imagens e do texto escrito, alguns eixos recorrentes que tratam da idealização do amor romântico, que se configuraria como um estado de plenitude, capaz de superar problemas e dificuldades. Além disso, o casamento também aparece como sendo o ápice de uma relação de amor. Por outro lado, são abordados também temas como a finitude das relações amorosas e a possibilidade de se estar feliz solteiro/sozinho.

No capítulo 4, em um instigante artigo, Graça Paulino discute o papel do intelectual e a sua relação, atualmente, na sociedade brasileira, com a formação de leitores. A partir de tal discussão, a autora questiona a desvalorização dos cursos de licenciatura e o abandono da docência na Graduação por parte daqueles intelectuais mais qualificados que atuam nas Universidades, uma vez que eles, geralmente, por várias razões, privilegiam as aulas e o trabalho na Pós-Graduação. De maneira lúcida e corajosa, Graça Paulino defende que os professores em formação dos cursos de Graduação merecem “aulas brilhantes”, assim como as oferecidas em cursos de Pós-Graduação. Ainda segundo a autora, a função social dos professores universitários é se deslocar para fora dos muros acadêmicos, pois somente com investimento - tanto financeiro quanto intelectual – seremos capazes de formar mediadores de leitura qualificados e consequentemente leitores críticos.

Mais um ponto alto do livro organizado por Cristina Rosa é a presença de dois textos – capítulos 6 e 10 – que, na convergência da preocupação com a leitura, com a escrita e com a formação de leitores, versam sobre a obra de um determinado autor. Sendo assim, em um esmerado ensaio a respeito de quatro livros de Bartolomeu Campos de Queirós, Hércules Toledo Corrêa discute, no capítulo 6, os traços autobiográficos presentes nas referidas obras. Com base em teóricos como Lejeune e Maingueneau, o autor ressalta a ausência de limites entre a escrita ficcional e a da memória e entre a poesia e a prosa, sublinhando o fato de a escrita autobiográfica “procurar uma articulação em que o vivido participa da criação”. Além disso, Hércules Toledo Corrêa destaca que o escritor em questão tinha uma preocupação com a educação e com a leitura e que, embora não escrevesse propriamente livros de Literatura Infantil, registrava “o infantil na Literatura”.

Seguindo a ordem de cada capítulo do livro, Maria Zélia Versiani Machado nos oferece, no capítulo 7, uma criteriosa análise de mediações escolares de poemas em propostas de leitura presentes em materiais didáticos das décadas de 1950, 1960 e 1980. De acordo com a pesquisadora, o conjunto de poemas e as propostas de leitura foram feitas a partir de um recorte diacrônico, a fim de “recuperar o movimento de formação de leitores que se imprime nos exemplos de cada época selecionada”, que abrange desde as primeiras antologias escolares até os livros didáticos. Nos primeiros materiais analisados, da década de 1950, a autora aponta para o fato de as atividades apresentadas não se sobreporem ao texto literário. Entretanto, a pesquisa mostra uma ruptura, na década de 1960, já havendo, nesse período, uma preocupação didática na maneira de abordar os poemas, com orientações para os professores. Uma outra mudança que vai aos poucos se configurando em relação às mediações de leitura diz respeito ao espaço que as antologias vão perdendo para os livros didáticos. Nesses últimos, o poema se mistura a outros gêneros literários e, nessa relação com outros textos, as propostas didáticas de leitura desconsideram suas especificidades. Com essa didatização, a leitura poética que se fazia anteriormente na escola vai se perdendo. Por fim, Maria Zélia Versiani Machado ressalta que, atualmente, o contato com poemas não se faz somente por meio do livro didático e considera que é essencial se pensar naquilo que se oferece às crianças, já que, como tão bem afirma a autora, “o cuidado nessa oferta pode ser o toque fundamental para se ter algum êxito nas mediações”.

Norma Sandra de Almeida Ferreira apresenta, no capítulo 8, um primoroso estudo sobre as interpretações e os sentidos da obra “Páginas Infantis”, de Presciliana Duarte de Almeida, uma das precursoras, no Brasil, de livros infantis voltados para crianças. Com base em paratextos – informações contidas na capa de uma das edições do livro, na página de rosto, no índice apresentado nas páginas finais – e sem desmerecer o livro, a autora mostra uma rede discursiva que vai conferindo legitimidade e importância à obra de Presciliana Duarte de Almeida. Além de sua importância como escritora, os paratextos analisados – como as cartas-honrosas escritas por educadores da época – permitem ainda que sejam percebidas certas estratégias editoriais no sentido de também reconhecer seu valor no campo educacional, legitimando a obra a fim de ela poder estar presente no ambiente escolar. De maneira perspicaz e interessante, Norma Sandra de Almeida Ferreira demonstra, a partir do material analisado, que tal legitimidade também é construída por meio de certas características pessoais atribuídas à escritora, como o fato de ela ser mulher, mãe e esposa, e que, mesmo tendo conquistado espaço em um mundo masculino, não se descuidava dos afazeres domésticos. Por fim, com base nesses diversos elementos apontados no artigo, o livro “Páginas Infantis” também é considerado adequado para crianças por sua temática, por seu conteúdo e por sua forma linguística.

Baseada na sua experiência como leitora de Clarice Lispector, Sílvia Oberg propõe, no capítulo 9, uma reformulação de práticas e de mediações literárias a favor de uma educação estética. A autora discute a questão da assim chamada “gratuidade” – entendida aqui como uma coisa que não possui uma finalidade imediata – da fruição literária como um modo específico de produção e de construção de sentidos. Conforme argumenta Sílvia Oberg, à medida que as crianças avançam na escola, cada vez mais sua relação coma literatura vai perdendo esse caráter de gratuidade, sendo substituída por uma relação permeada de “níveis de formalização calcados na instrumentalização da leitura”. Dessa forma, a educação literária passa a ser feita em detrimento da fruição e da gratuidade. A reformulação dessas práticas e das mediações literárias deve ser feita, segundo a autora, considerando “a leitura literária como um ato que se justifica nele mesmo”.

Por fim, encerrando a excelente coletânea de ensaios e de artigos, Vera Lopes também nos fala, no capítulo 10, de maneira sutil e competente, da fruição literária e da experiência estética. O eixo central do ensaio diz respeito ao fato de o leitor poder revisitar uma obra, e a autora nos deleita com sua experiência com Guimarães Rosa. Para Vera Lopes, ler é uma ato de contemplação, que exige do leitor justamente esse movimento de retomar, de reler, de revisitar uma obra. Ao fazer isso é que se decifra um texto – “quanto maior o contato, maior o deciframento” -, e esse é um ato solitário do qual o leitor é peça chave.

Tenho certeza de que “Escritas, leitores e história da leitura” suscitará nos leitores muitas releituras e uma experiência singular de fruição.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Obra literária: o que é isso?

O que é uma obra literária? O que caracteriza uma obra literária e a torna diferente de um outro impresso?
Essa foi uma das questões que, durante o CIC/UFPel, recebemos durante a apresentação de nosso trabalho "Leitura Literária na Escola".
Motivação encontrada, vamos à resposta.

Literatura é arte. Doce e útil, a literatura tem o compromisso de encantar o leitor e, ao mesmo tempo, torná-lo mais culto, mais perspicaz, mais inteligente, mais curioso...
Obra literária é um livro de narrativas ou de poesia cujo função primordial é apresentar ao leitor uma visão estética da palavra e da forma como essa palavra se organiza em um texto.
Para a infância, a obra literária é, primordialmente o conto de fadas, os recontos, as narrativas modernas, as fábulas e lendas. Letras de música e canções de roda bem como adivinhas e travalínguas podem ser consideradas obras literárias pelo seu caráter lúdico e poético.

Exemplos, bons exemplos...
Bons exemplos de contos de fadas ou de encantamento são os textos de Charles Perrault, dos Irmãos Grimm e de Hans Christian Andersen. No Brasil temos uma profusão de bons autores, quase todos do século XX, a começar por Monteiro Lobato. Depois dele, bem mais modernamente, temos Ana Maria Machado, Eva Furnari, Ruth Rocha, Fernanda Lopes de Almeida e Bartolomeu Campos Queiroz entre tantos outros bons. Na poesia, Cecília Meireles, Mário Quintana, Tatiana Belinky, Vinícius de Moraes e José Paulo Paes são deliciosos.

Características de um texto literário
Entre muitas das características que definem ou mesmo organizam um texto para que ele seja considerado como pertencente ao campo da arte literária estão a imaginação, a ancestralidade, a presença de um elemento mágico, a lingagem metafórica/poética e a ludicidade.
Assim, textos literários são:
1. Texos que estabelecem uma conexão imediata com a imaginação, com o mundo que existe como desejo, possibilidade. O texto literário nos remete a situações inusitadas e podemos, através dele, transgredir (a ordem, as leis, as regras, as idades) ou mesmo só pensar que se faz isso. Através dele podemos brincar de ser outro, mais novo, mais velho, com poder, sem nenhum, com muito ouro, com quase nada...
2. Textos que apresentam vínculo com a ancestralidade, com nossa condiçao de humanos em sociedade. O texto literário nos faz pertencer e nos ensina que, um dia, em torno do fogo, ouvíamos e contávamos e, desse modo, inventávamos a linguagem...
3. Textos que prevêem a existência de elementos mágicos, fantásticos, inverossímeis que, na trama, são absolutamente possíveis de existir, como a pó de pirlimpimpim...
4. Texos caracterizados pela presença de linguagem metafórica e em alguns casos, de palavras ou expressões inventadas, que produzem tamanho efeito no leitor que ele acaba acreditando nelas.
Ex: "NO REINO DA BESTOLÂNDIA, HAVIA UM JOVEM PRÍNCIPE CHAMADO PANDOLFO. PANDOLFO NADA ENTENDIA DE AMOR OU AMIZADE...". Pronto, já entrei no reino, visulaizei Pandolfo, ele é jovem, não entende nada de amor ou amizade, o reino existe e quero saber o que será dito na próxima página. É Eva Furnari e sua invencionices. Literatura pura, da mais alta qualidade!
5. Um texcto literário é um brinquedo inventado por nós, através de um mecanismo incrível, o nosso cérebro e nossa imaginação. Não há máquina que imite, é criação pura, invencionice, bobices e gostosuras, como diz Fanny Abramovich.

Leitura literária 
Ler literatura é um direito que aporta em cada um de nós, leitores, prazer, encantamento, reflexão, possibilidade de pensar o mundo para além de nós mesmos, para além de nossas cotidianas tramas.
Ler literatura, no entanto, não tem sido uma prática frequente entre os brasileiros.
Nesta semana li para meus alunos A Alegoria da Caverna, em A República, de PLatão. Gostei mais da versão da Marilena Chauí. Preocupada que está em ser entendida, a linguagem é moderna e sedutora em seu livro, um convite ao filosofar. No livro "original", (Biblioteca do ICH 184 P716r)  o diálogo acontece no livro VII, à página 267. Vale a pena ler, é encantador. Utilizei essa leitura como mote para discutir a origem da linguagem. Escolhi a alegoria da caverna por ser literatura: dulce e utile.

Diferença entre literatura e realidade
Literatura e literário vem de littera (letra), e poderia ser entendido como tudo que é escrito com arte ou mesmo a "arte da escrita criativa". O texto literário (em prosa ou verso) é uma representação da realidade. Como representação, pode e tem laços com a realidade, mas não é a realidade, não se compromete com o real, só com a emoção, seja de que origem for...

O poeta e o ficcionista, através de seus textos, recriam a realidade.
E escolhem fazer isso por vários motivos: para autorizar-se a pensar o mundo, para suavizar a amargura do real, para inventar uma realidade sem amargura, para questionar a realidade, para subvertê-la.
Poetas e ficcionistas recriam, através de seu trabalho cotidiano com a palavra, o maravilhoso. Nessa recriação é que está a arte - a arte do texto literário.

Quem define o que é arte?
Acredito que é a nossa sensibilidade, essa habilidade humana para se tornar mais humano.
No entanto, a nossa sensibilidade educada, em conjunto, define, em alguns casos, o que é arte de um povo, em um tempo. A arte brasileira, por exemplo. E é por isso que temos escritores respeitados, admirados, elogiados. Uns apenas em sua casa, outros em sua cidade e alguns, no Brasil todo. Quando lemos Cecília Meireles não temos dúvida do por quê ela é respeitada, elogiada, admirada...
Uma bula de remédio, um página de jornal, uma revista científica, um anúncio de cartomante, um rótulo de biscoito, um certidão de nascimento e um livro didático não são obras literárias. O que diferencia esses textos da arte literária é a função que exercem em sociedade: uns nasceram para perecer (a atualidade, no caso do jornal), outros para serem eternos (um documento de pertença), outros só para informar. Alguns para encantar e representar uma época, para serem apreciados, no caso da arte. Assim, uma obra literária tem compromisso com o deleite, com o prazer, com o diálogo. Tem compromisso apenas com a nossa imaginação, através da imaginação de quem escreveu.
A obra litierária não tem a tarefa de informar, embora possa fazer isso, não tem a tarefa de educar, apesar de poder. Tem compromisso com a imaginação, a emoção, a estética...
Simples assim...
E basta! E é muito!


quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Leitura Literária

A leitura literária difere de outras leituras por possuir linguagem própria na qual há predomínio da função estética. A fruição, ludicidade, invencionice, imaginação e estética da linguagem são suas maiores expressões. É através dessas manifestações que a literatura pode existir... Com ela - a literatura - os desejos intrínsecos do ser humano podem ser manifestados. Na leitura literária não há limites, nem moral ou ética a reger a emoção; é possível transgredir as condutas, as leis civis ou mesmo apenas pensar que se faz isso através das tramas, personagens, desfechos... A leitura literária se compromete apenas com a emoção: ela impõe o inusitado como possibilidade e é esse seu maior talento! Crianças entram em contato com a leitura na escola. Com a leitura literária, nem sempre. No entanto, é na escola que se escondem - em bibliotecas ou na experiência das profesoras, o maior acervo literário disponível para as crianças. Acredito que escola tem como compromisso apresentar às crianças esse universo. É uma delícia ler literatura infantil! Experimente...

segunda-feira, 30 de julho de 2012

A invenção da infância na obra infantil de Erico Verissimo

Resumo: O artigo trata da invenção de uma infância nos onze livros para crianças publicados por Erico Verissimo. Através de protocolos de leitura presentes na obra para crianças do ficcionista gaúcho, e, especialmente em Meu ABC, um alfabetário editado em 1936, é que o escritor explicita a invenção de uma infância urbana e uma linguagem para ela; é também neles que revela um projeto “literário-pedagógico” para esta infância, no qual a sisudez e o autoritarismo são combatidos. Publicado pela Editora Globo de Porto Alegre em expressivas tiragens (em 1936, cinco mil e quinhentos exemplares, em 1940, doze mil e em 1945 mais dez mil), o impresso estabelece um diálogo entre o adulto e as crianças que habitavam Porto Alegre na primeira metade do século XX. Na investigação considerei todos os onze livros para crianças do escritor gaúcho e, neles, especialmente os protocolos de leitura, que foram transcritos e analisados. Quer saber mais? escreva para mim...

Protocolos de leitura nos livros infantis de Erico Verissimo:

Resumo: O artigo trata dos protocolos de leitura presentes na obra para crianças do ficcionista Erico Verissimo. Esparsos mas presentes em onze livros, os protocolos alcançam maior expressividade em Meu ABC, um abecedário publicado nos anos 30 e que se tornou, pela exiguidade, o mais raro dos escritos de Verissimo. É através dos protocolos de leitura presentes em duas diferentes impressões do abecedário que o escritor explicita a invenção de uma infância urbana e uma linguagem para ela; é também neles que revela um projeto “literário-pedagógico” para esta infância, no qual a sisudez e o autoritarismo são combatidos. Publicado pela Editora Globo de Porto Alegre em expressivas tiragens (em 1936, cinco mil e quinhentos exemplares, em 1940, doze mil e em 1945 mais dez mil), o impresso estabelece um diálogo entre o adulto e as crianças que habitavam Porto Alegre na primeira metade do século XX. Na investigação considerei todos os onze livros para crianças do escritor gaúcho e, neles, especialmente os protocolos de leitura que foram transcritos e analisados. Quer ler o demais? Escreva para mim...

A Formação de Leitores Literários na Licenciatura em Pedagogia

No Brasil, os cursos de formação de professores de uma maneira geral e a Licenciatura em Pedagogia, em especial, não oferecem a formação para a leitura literária entre suas disciplinas obrigatórias. Desse modo, adultos que não passaram, na infância, por processos de letramento literário, também não os encontram na formação para a docência, implicando em despreparo para a atuação na escola. A reflexão parte do princípio de que a formação de um sujeito leitor deve ter início na primeira infância, através de diferentes processos de letramento originados na literatura. Utilizo o argumento de que o jogo simbólico ou “faz-de-conta” é uma das ferramentas mais adequadas para a criação da fantasia, tão necessária a leituras não convencionais do mundo. Penso que essas leituras não convencionais abrem caminho para a autonomia, a criatividade e a exploração de significados e sentidos além de atuar sobre a capacidade da criança de imaginar e representar e, assim, colocar-se no lugar do outro, um legítimo outro. Acredito que a diversidade cultural representada pelas variadas e múltiplas linguagens que a literatura oportuniza é um forte argumento em favor do diálogo entre os diferentes e da instituição de uma sociedade menos preconceituosa. Problematizando O que são leituras não convencionais do mundo? Qual a relação entre escola e literatura? Como formar um sujeito não preconceituoso na escola? Questões como essas mobilizam professores interessados em criar, a partir de um lugar social – a escola – leituras e práticas sociais não convencionais. Essas leituras e práticas implicam em uma visão de mundo não restrita ao universo cultural herdado e tem como objetivo principal, as trocas entre os diferentes, possíveis na escola desde a mais tenra idade. A formação de um sujeito não preconceituoso – que observa o mundo não apenas de seu universo cultural, mas busca incluir a lógica do outro nas relações de pertencimento – possa emergir a partir de processos de letramento – compreendido aqui como o uso escolar e social qualificado dos saberes conquistados a partir da leitura e da escrita. Esses processos de letramento quando tem origem na literatura, contrastam com os eventos familiares e/ou espontâneos pelos quais todas as crianças passam. Na escola, devem ser organizados com o intuito de alargar o sentido atribuído à leitura – de funcional e restrita à decodificação, deve dar lugar ao ler por prazer. O jogo simbólico inaugurado pela ancestral contação de histórias é uma das ferramentas para a criação da fantasia, tão necessária a leituras não convencionais do mundo. Através do “faz-de-conta” as crianças expressam o que sentem, organizam seu pensamento, interagem com outras visões de mundo e ampliam seus princípios, reconhecendo a diversidade presente na escola como um benefício ao seu processo de letramento. Acredito que a diversidade cultural representada pelas variadas e múltiplas linguagens que a literatura oportuniza é um forte argumento em favor do diálogo entre os diferentes, uma vez que ao ouvir histórias, nos identificamos com personagens de todos os matizes éticos e, não raro, nos encantamos com as bruxas, madrastas, lobos e monstros, exigindo de todos que os consideremos a partir de sua característica mais forte: o simbólico, o fantástico. A leitura literária e a escola Instituição criada historicamente com uma função social, a escola simboliza e materializa um espaço público e uma possibilidade de acesso ao conhecimento. É vista como condição para ascender socialmente, base para as oportunidades no mundo do trabalho e passaporte para o respeito na sociedade. Na modernidade, a escola é o espaço dedicado à educação formal, que inicia com o acesso à linguagem escrita e culmina com a formação de um cidadão disciplinado. A escola, embora produza seus próprios bens de sentido, não fica à margem da produção de outros sentidos que se materializam de diferentes formas, através das relações de afirmação ou negação de projetos. Ouvir histórias lidas, desde há muito tempo é um hábito que envolve prazer, instrução e informação. Reunir-se para ouvir alguém ler tornou-se também uma prática necessária na Idade Média, pois, segundo Manguel (1999), até a invenção da imprensa, a alfabetização era rara e os livros, propriedade dos ricos, privilégio de um pequeno punhado de leitores. Na escola, o primeiro contato com a leitura nem sempre se faz com a literatura. A maioria das crianças, pelo contrário, entra em contato com contações de história e não leitura de histórias. A maioria dos professores ignora a importância do universo escrito como referência para a aprendizagem do objeto cultural – a linguagem – e do objeto imaginário – o fantástico. Assim, é muito comum que as crianças tenham uma idéia estrita do universo literário e, embora alfabetizadas, não utilizam a escrita e a leitura em práticas típicas de uma sociedade grafocêntrica. São crianças que lêem e escrevem escolarmente, ignorando as demais funções sociais da escrita. Para que a leitura seja uma prática social ela precisa ampliar o universo imaginário e lingüístico das crianças e a literatura, com certeza é o caminho mais acertado: pela sua condição lúdica e pela sua qualidade pedagógica. Quanto maior a qualidade do material escrito que as crianças têm acesso, mais possibilidade de utilizarem, de forma competente, a linguagem escrita e maior a oportunidade de vincularem-se a diferentes visões de mundo, fazendo opções mais amplas e menos preconceituosas. O acesso a diferentes gêneros literários oportuniza desfrutar, cotidianamente, de uma atividade lúdica e isso “desenvolve na criança uma atitude positiva para com a aprendizagem, a sala de aula, com a escola, pois o lúdico é estimulante, apaixonante, envolvente, mobilizador” (AMARILHA, 2003, p. 56). Penso que “os bons livros, como a própria vida, deixam no ar um certo enigma, um sabor de desconhecido que o professor deve e pode desfrutar juntamente com seus alunos” (PRIETO e CAVALCANTI, 1997, p. 17). Como pensa Abramovich (2003, p. 17) é através da escuta e/ou da leitura de histórias se podem descobrir outros lugares, outros tempos, outros jeitos de agir, outra ética, outra ótica. E, ao mesmo tempo, ficar sabendo História, Geografia, Filosofia, Política, Sociologia. E esta é a conexão para a formação de sujeitos leitores desde a mais tenra idade. Metodologia O primeiro movimento é oportunizar aos presentes leituras não convencionais do mundo através de uma atitude simples: ouvir histórias. Ouvir alguém ler oportuniza identificar-se com aventuras e idéias, levar em consideração as lógicas e as conclusões de outros, refletir a partir da argumentação dos personagens, se apropriar de saídas e de jogos que minimizem a dor e ampliem os valores. O encantamento possível com o ouvir história produz um impacto tão grande que se torna inesquecível por anos e o desejo de causar isso a si mesmo e aos outros eternamente – o princípio do prazer – pode ser desencadeado na escola, através da escolha criteriosa de livros a serem lidos e do preparo para essa leitura em voz alta. O segundo movimento a ser desencadeado considera que leitura e escrita são “velhas parceiras”, pois saber ler e escrever “constitui marca de distinção e de superioridade em nossa tradição cultural, tanto para indivíduos como para coletividades (LAJOLO, 2001, p. 30). Assim, ler abre caminho para a expressão: de si, do mundo que nos cerca, do mundo que posso “inventar”. Referências ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 2003. AMARILHA, Marly. Estão mortas as fadas? Petrópolis: Vozes, 2003. COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2000. LAJOLO, MARISA. Literatura: Leitores & Leitura. São Paulo: Moderna, 2001. MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. PRIETO, H. e CAVALCANTI, Z (coord). Alfabetizando. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Protocolos de leitura na obra infanto-juvenil de Verissimo

A primeira obra destinada a crianças e adolescentes de autoria do ficcionista Erico Verissimo foi publicada em 1935. A vida de Joana d’Arc, impressa pela Editora Globo de Porto Alegre, inaugura o diálogo que pretendia ter com o público. Coincidentemente, é o ano em que nasce Clarissa, a primeira filha do escritor. Neste livro não há, explicitamente, um protocolo de leitura, mas, sim, um indício de que buscava relacionar-se com o público leitor: no primeiro parágrafo da narrativa, Verissimo dirige-se aos leitores escrevendo: “Aquela criaturinha que ali vai cantando é a menina Joana. Olhem só como ela cominha resoluta, com seus passos largos...” (VERISSIMO, 1958, p. 05). O prefácio é a maior pista de que Verissimo sabia o que fazia: iniciava um diálogo com um público que ainda não possuía, tratando-o por velho conhecido. Nela, confidencia sua escolha temática e a forma de sua escrita: “Vem da infância essa minha fascinação pela personalidade e pela vida de Joana D!Arc. Creio que tudo começou numa sala de cinema provinciano onde assisti, maravilhado, à exibição dum filme francês que narrava as aventuras da Pucelle, encarnada pela famosa Mlle. Falconière. Vinte anos depois decidia eu escrever a história da donzela para crianças. Mergulhei na leitura dos principais livros que existiam sobre o assunto ao mesmo tempo que começava minha narrativa num estilo simples e poético à altura da compreensão de meninos e meninas entre seis e treze anos. À medida, porem, que ia conhecendo melhor a historia de Joana d’Arc, eu me convencia de que seria uma pena ter de reduzir a narrativa a menos de uma centena de páginas – conforme ficara combinado com o editor – e a um limitado número de episódios, como convinha ao gosto da clientela a que o livro se destinava. Acabei mandando para o diabo todas as limitações e escrevi a história como achei que deveria escrevê-la, sem pensar em conveniências tipográficas nem na idade de seus possíveis leitores. O resultado é este livro em que a vida da Donzela aparece romanceada até onde me foi possível fazer isso sem trair a verdade histórica. Procurei dar ao livro o aspecto de um vitral – daí a simplicidade de seu desenho e a sua riqueza de cores. (...)”. (VERISSIMO, 1935, s/nº) É em 1936, ano do nascimento de Luis Fernando, seu segundo filho, que quatro novos livros vêm a público: As aventuras do avião vermelho, Os três porquinhos pobres e Rosa Maria no castelo encantado – reeditados até hoje –, mais o abecedário Meu ABC. Em As aventuras do avião vermelho o escritor inicia a narrativa sem se dirigir ao leitor e, apenas no final, apresenta-se timidamente em condição de igualdade com a personagem, exercendo o que se pode denominar narrador-personagem em um comentário referente ao desenlace da narrativa: “Quando a gente é pequeno, do tamanho dum dedo minguinho, cada dia dos homens grandes vale cinco dos nossos” (VERISSIMO, 2003, p. 43). Na narrativa intitulada Os três porquinhos pobres o procedimento é semelhante em todo o desenrolar da história: Verissimo escolhe ser um narrador-onisciente. No entanto, ao final do texto, julgando o momento de equilíbrio em que a vida dos porquinhos chegou, exerce a tarefa de narrador-observador: “E eu mesmo acho que a vida que eles levam agora no chiqueiro é mesmo muito boa. Pelo menos enquanto não chegar o Natal...” (VERISSIMO, 2003, p. 43). Já em Rosa Maria no castelo encantado, o procedimento é diferente desde o primeiro parágrafo, no qual o narrador, em primeira pessoa, além de se apresentar, oferece ao leitor uma distinção entre o mundo dos adultos – racional – e o mundo das crianças, uma novidade em termos de linguagem dedicada à infância: “Eu sou um mágico. Moro num castelo encantado. Os homens grandes não sabem de nada. Só as crianças que conhecem o meu segredo... (...) Só as crianças é que enxergam o meu castelo encantado. (...) Mas não adianta a gente ficar conversando assim à toa. O melhor é eu contar logo a visita que Rosa Maria fez ao meu castelo maravilhoso.” (Verissimo, 2003, p. 3-4). No final do texto, após todas as peripécias de Rosa Maria no Castelo, o narrador volta-se novamente para o seu público e convida: “E vocês, meninos e meninas, quando vierem à cidade onde eu moro, não deixem de visitar o meu castelo encantado. Eu sou um mágico.” (VERISSIMO, 2003, p. 43). Dando continuidade a seu projeto, Verissimo publica, em 1937, As aventuras de Tibicuera. Nele, em páginas pré-textuais, caracterizando, agora sim, um típico protocolo de leitura, o ficcionista instiga os leitores a realizarem exercícios com a língua materna: “Eu poderia encher este livro com notas explicativas de certas palavras. Prefiro, entretanto, que vocês recorram ao dicionário, habituando-se a consultá-lo em casos de dúvida ou desconhecimento. É um bom exercício não só de paciência como também de honestidade intelectual. E no fim das contas sempre gravamos melhor na memória o significado das palavras que nos levaram a folhear dicionários” (VERISSIMO, 1947, p. 9). Inserido no conjunto de produtos culturais da “Era Vargas”, As Aventuras de Tibicuera oferecem, no que diz respeito ao conteúdo, semelhança com os livros didáticos, segundo Gomes (2003, p. 124). No entanto, pela construção do enredo, dos personagens e forma como Erico narra, se diferencia dos livros didáticos da época Definido no concurso para crianças maiores de 10 anos, o livro possibilitou, dessa forma, “um aprendizado gostoso, o que não é pouco para quem desejava ensinar as crianças a conhecer e amar o Brasil, independentemente de regimes políticos que pudessem estar a governá-lo”, diz Gomes (2003). Dedicado aos filhos Clarissa e Luiz Fernando, no prólogo Verissimo informa: Aqui estão as aventuras de Tibicuera contadas por ele próprio. O herói narra sua espantosa viagem que começou numa taba tupinambá antes de 1500 e terminou num arranhacéu de Copacabana em 1937. Não hesito em passar para as mãos de vocês esse romance, porque no fundo ele conta também muito das aventuras do nosso Brasil. (...) Se você s não gostarem do romance que vão ler, não me culpem. Tibicuera é o autor. E que, se mostra disposto a receber flores e aplausos não deve fugir às vaias e aos repolhos... (VERISSIMO, 1947, p.9) No ano seguinte, 1938, foi a ano em que Erico publicou O urso com música na barriga. Nele, logo no primeiro parágrafo, o diálogo com o leitor: “O Bosque perdido é mesmo uma coisa maravilhosa! Se você entrasse nele, ficaria de boca aberta, olhando para tudo, com ar de bobo...” (VERISSIMO, 2003, p. 03). Depois de toda a narrativa, em que não mais se dirige diretamente ao leitor, na última página, a retomada: “E você, meu amigo, às vezes, de noite ou mesmo de dia, não escuta uma musiquinha misteriosa que não sabe de onde vem? Pois fique certo de que é a musiquinha do ursinho da barriga misteriosa, a musiquinha que nos vem trazida pelo vento, que é o melhor e o mais rápido dos meninos de recado” (VERISSIMO, 2003, p. 43). Em 1939, dois novos livros de literatura para crianças, de autoria de Erico Verissimo, foram postos em circulação pela Editora Globo: A vida do elefante Basílio e Outra vez os três Porquinhos. A grande novidade aparece em A vida do elefante Basílio, no qual Verissimo organiza um Sumário composto por treze títulos iniciado por: “Que é Biografia?”. Na página indicada, ele responde: “Biografia é a história da vida duma pessoa, dum animal ou duma coisa. Esta história que vocês estão lendo conta a vida do Elefante Basílio; logo, é uma biografia” (VERISSIMO, 2003, p. 5). Nesta mesma página, a linguagem de Verissimo se afina, ele brinca com seus leitores: “Em geral a gente só conta a vida dos homens importantes, dos santos, dos exploradores, dos generais, dos reis, dos inventores, dos artistas etc... O elefante Basílio não é santo, não é explorador, não é general, não é rei, não é inventor, não é artista e também não é etc... Por que é então que eu estou aqui contando a história dele? A razão é simples: o Elefante Basílio é um sujeito muito bom. O Elefante Basílio tem uma vida cheia de aventuras. O Elefante Basílio é um amigo sincero. O Elefante Basílio é, enfim, o tipo do herói esquecido. Estou certo que vocês vão acabar apaixonados pelo Elefante Basílio” (VERISSIMO, 2003, p. 05). Em Outra vez os três Porquinhos Verissimo, logo no primeiro parágrafo, situa os leitores a respeito da história anterior: “Os que leram a história chamada Os três porquinhos pobres sabem como foi que os irmãos sabugo, Salsicha e Linguicinha vieram parar no quintal da menina do chapéu verde. Pois é...” (VERISSIMO, 2003, p. 03). Ao final, suspeita novas aventuras: “os três porquinhos param ao Sol e conversam em voz baixa. Que novas travessuras estarão planejando? Jacaré sabe? Nem eu...” (VERISSIMO, 2003, p. 51). Neste mesmo ano, 1939, foi a vez de Aventuras no mundo da higiene – um livro destinado à escolarização e, possivelmente, inserido nos projetos do Estado Novo para a Infância – e Viagem à Aurora do Mundo, completando a produção de onze títulos destinados ao público infanto-juvenil. Em Aventuras, Erico dedica uma página aos mestres, na qual argumenta que a infância precisa de uma linguagem adequada e, também, de ilustrações: “Meu amigo. É inútil franzir a testa, engrossar a voz e falar difícil quando queremos ensinar. O aluno só se entrega de corpo e alma àquele que lhe contar a melhor história de fadas ou aventuras. A estrada mais curta e certa para a inteligência tem passagem obrigatória pelo coração. Não será humano tentar outros caminhos... Neste livro procurei fazer com que as noções de higiene viajassem para o entendimento das crianças confortavelmente instaladas no trem colorido da ficção. Fiz o possível para que a viagem fosse divertida, rápida, sem enjôos nem solavancos. Não basta que se diga tiranicamente aos alunos “Matem as moscas e bebam mais leite”. É preciso explicar por que as moscas são nocivas e por que o leite é benéfico à saúde. Num momento em que tôda a gente procura aprender a comer, não seria lógico que eu passasse em vôo de avião por cima do importante capítulo da alimentação. O texto vai cheio de ilustrações, pois não deixa de ter muita razão quem afirmou que o único livro do mundo que dispensa as gravuras é o “Guia Telefônico”... Bôa Viagem! E.V.” (VERISSIMO, 1939, p. 07). Criado possivelmente a partir de uma solicitação do Ministério da Educação e Saúde Pública para as campanhas em favor da boa alimentação e de bons hábitos de higiene, As aventuras no Mundo da Higiene trazem, “de forma lúdica e com inúmeras ilustrações de João Fahrion, uma “viagem” sobre as noções de higiene. Para a Editora Globo, o livro integrou a Coleção Burrinho Azul. Ilustrado por João Fahrion, no primeiro capítulo “O princípio da Aventura”, Verissimo solicita às crianças que observem o personagem que denominou “Patinho Feio”, sua imagem para as crianças que se alimenta mal. Informa que ele tem 10 anos de idade, é “magro como um sagui”, tem olhos “tristes como os de cachorro sem dono, parados como os de peixe morto” (VERISSIMO, 1939, p. 09). Ao utilizar-se de personagens crianças para dar lições de higiene, de alimentação correta e de bons hábitos em geral (ANDREOTTI, 2009), Verissimo oferece ampla e variada gama de informações sobre os cuidados com o corpo e se propõe a ensinar como este corpo, sistema a sistema, funciona. Através de conselhos úteis como “alimentar-se de acordo com os conselhos de higiene” e “dormir bem em quarto arejado e silencioso”, há indicações do escritor: “escolher livros sãos para ler, ouvir boa música e amar o que o mundo nos oferece de bonito, limpo e agradável” (Verissimo, 1939, p. 91) Livros como o de Verissimo, segundo Andreotti (2009) circularam entre 1930 e 1970 no Brasil, fruto de políticas de Estado que, diante de informações oriundas de estudos dietéticos que denunciavam a deficiência calórica da dieta dos trabalhadores, passaram a criar alternativas. Assim, a criação de comissões, campanhas, regulações, tabelamentos foram medidas adotadas. Para Hartmann & Diniz (2008, p. 4-5), a escola foi a instituição onde pareceu ser possível, naquele momento, atingir amplos segmentos da população no sentido de normalizar, homogeneizar, disciplinar, ordenar, higienizar hábitos e comportamentos o que explicaria a linguagem adotada popr Verissimo na obra. Obra do ano de 1939, Viagem à Aurora do Mundo: O romance da Prehistoria foi inserido na coleção Tapete Mágico que a Editora Globo publicou. O subtítulo da coleção era: “Viagens pelo mundo da cultura”. Totalmente diferente dos demais, logo no início de suas 300 páginas Verissimo promete ao leitor, descompromisso com a imaginação: “Este livro – consequência de um feriado que concedi à imaginação – não tem nenhum compromisso com a psicologia e a verosimilhança e muito menos com os problemas sociais do momento. Trata-se duma fantasia quase didática na forma de romance e seu objetivo principal é dar ao leitor uma idéia do mundo prehistórico, tal como os cientistas o reconstituíram. E.V.” (VERISSIMO, 1939, p.07): Para complementar a análise de protocolos de leitura inseridos na obra de Verissimo, necessário ler o que escreveu trinta anos após sua primeira publicação. Denominado Gente e Bichos (1965), na introdução há uma declaração de intenções: “Destinei minhas narrativas a crianças entre quatro e dez anos. Quero dizer, escrevi-as de tal modo que, se uma pessoa ler esses contos para crianças ainda não alfabetizadas, estas poderão compreendê-los” (VERISSIMO, 1965, s/n). De acordo com Gomes (2003, p. 122), a obra que Verissimo deixou, poderia ser hoje e com alguma licença, considerada “uma literatura paradidática”. A autora argumenta que, os onze títulos podem ser distribuídos em dois subgrupos pelos estudos literários que a ela se dedicam: um primeiro grupo, considerado stricto sensu de textos de literatura infantil (Os três porquinhos pobres (1936), As aventuras do avião vermelho (1936), Rosa Maria no castelo encantado (1936), O Urso com música na barriga (1938), A vida do Elefante Basílio (1939) e, em 1939, Outra vez os três porquinhos)e um segundo grupo, formado por cinco textos, integrado por narrativas mais voltadas para o público escolar (Meu ABC (1936), Aventura no Mundo da Higiene (1939), A Vida de Joana D’Arc, de 1935, As Aventuras de Tibicuera, de 1937, e Viagem a Aurora do Mundo, de 1939). Período em que Erico Veríssimo se afirma como autor de livros para crianças, tanto pelo volume, como pela qualidade de sua obra, os anos 30 do século XX oportunizam a evidência, para Borges (2003, p. 123-124) de um “elenco de autores engajados nesse tipo de proposta, cujo grande nome antecessor e renovador” foi Monteiro Lobato. Para a pesquisadora, não é “casual” que educação e literatura infantil vivam uma renovação entre 20 e 30 e ganhem após esse tempo “inclusive favorecidas por políticas públicas do Ministério da Educação e Saúde”. Acredita, no entanto, que a “tradição intelectual a que Erico Veríssimo se filia” deve ser pensada “numa dupla chave, com evidentes articulações: de um lado, uma literatura mais didática, sobretudo referente à história do Brasil ou do que se conhecia como educação moral e cívica; de outro, uma literatura infantil, muito pobre antes dos anos 1920, mas que começava a crescer”.

domingo, 6 de maio de 2012

Notas sobre "Meu ABC" de Erico Verissimo

RESUMO: Inserido no universo editorial brasileiro dos anos 30 e de autoria do maior ficcionista gaúcho do século XX, Meu ABC foi elaborado por Erico Verissimo e publicado em 1936 pelas Oficinas Gráficas da Livraria do Globo. Ao considerar o período em que foi escrito e outros impressos com intenção similar, pode-se afirmar que o abecedário tem poucos vínculos com a literatura de Erico e, pedagogicamente, diferencia-se dos livros para alfabetização e leitura em circulação. Em protocolos de leitura inseridos no abecedário, Verissimo revela a intenção de inserir as crianças no mundo da leitura literária e indica a criação de uma coleção de livros para a infância representada pela edição de onze livros infanto-juvenis em apenas quatro anos (1935 a 1939) com uma tiragem total de 194.500 exemplares. INTRODUÇÃO Erico Verissimo é, indiscutivelmente, o ficcionista que, desde muito menino, escreveu o que pensava. Inserido na vida da capital gaúcha ainda na adolescência, almejando viver no Rio de Janeiro ou em São Paulo, agregou o necessário – o trabalho na Seção Editora da Livraria do Globo – com seus projetos pessoais – a família e a literatura. E não se pode afirmar em que lócus – o trabalho ou o prazer – se encontram cada uma de suas publicações, mesmo o abecedário Meu ABC . Lembrando os tempos das “vacas magras” e das leituras possíveis, Verissimo (1981) escreveu: “Foi na máquina de escrever Underwood desse armazém que alimentava os soldados do 6º Regimento de Artilharia Montada e do 8º de Infantaria, que fiz às escondidas a minha primeira literatura. Que livros ficaram ligados a essa época um tanto opaca de minha vida? Lembro-me principalmente de Os Sertões, de Euclides da Cunha, cujo estilo me fascinava com sua força máscula, a sua irregularidade, os seus imprevistos, os seus períodos de aço” (VERISSIMO, 1981:9-10). Utilizando-se de uma expressão do ficcionista para quem "nem todas as águas turvas são necessariamente profundas", Paulino (1996) caracteriza Erico como um sujeito que se manteve, com muita lucidez, próximo da comunicabilidade própria dos que sabem contar bem uma boa historia, uma vez que estava consciente de que vanguardismo não equivale à qualidade literária (PAULINO, 1996:112). Assim, Meu ABC, um dos livros que ele dedicou à iniciação da infância no mundo da leitura, e que, coincidentemente foi escrito no tempo em que Erico foi pai, pode ter sido projetado com o intuito de, sim, inserir-se em um momento da vida nacional, mas, pela sua presença em uma coleção para a infância e pelo impacto nas produções da Seção Editora das Livrarias do Globo, parece ter merecido as mediações do contador de histórias. E onde está Meu ABC? Quantas edições ele mereceu? Quantas crianças puderam ser iniciadas no mundo da leitura pelas suas letras em ordem alfabética? Quantas puderam imaginar o mundo como uma bola chata nos pólos? Contar a história de Meu ABC, ausente dos acervos particulares e das bibliotecas no Rio Grande do Sul e desconsiderado pelos trabalhos acadêmicos, se tornou um desafio. Fruto de um garimpo paciente, constante, incansável, encontrar um exemplar de Meu ABC não foi fácil. Encontrar um segundo, uma cópia reprografada, considerado sorte. Perceber que os dois eram diferentes, vida de pesquisador. Uma das maiores curiosidades – a tiragem de Meu ABC – pode ser dirimida quando se conhece a obra O contador de Histórias, organizado em homenagem aos 40 anos de vida literária de Erico Verissimo por Flávio Loureiro Chaves em 1972. Em páginas pré-textuais, uma “Bibliografia de Erico Verissimo”, dividida entre Edições Brasileiras, Obras publicadas em Portugal e Traduções (em inglês, espanhol, alemão, italiano, francês, holandês, húngaro, norueguês e russo) oferece uma apresentação de títulos, edições, impressões, data e tiragem de todas as obras de Verissimo entre 1932 e 1972 . É nesta Bibliografia que se descobre que Meu ABC teve três impressões, uma em 1936, uma em 1940 e a última em 1945. Sua tiragem? A primeira, 5.500 exemplares. A segunda, 12.000 e a terceira, 10.000. Nada insignificante. Fantoches, primeira obra de Verissimo, publicada quatro anos antes, havia vendido quatrocentos ou quinhentos dos 1.500 que haviam sido impressos (VERISSIMO, 1995:251-252). As informações obtidas no texto de Chaves (1972) possibilitam afirmar que o abecedário de Verissimo teve uma excelente acolhida entre o público: sua tiragem totalizou 27.500 exemplares em nove anos. Foi possivelmente a proposição de uma “Literatura para crianças”, inicialmente pensada através de um abecedário, que apresentou o ficcionista às famílias e deu sustentação aos seus primeiros anos de vida literária. Acrescido de seus demais títulos infanto-juvenis publicados entre 1935 e 1939, chega-se a impressionante soma de 194.500 exemplares publicados em 10 anos , uma façanha nos anos 30 do século XX. Assim, pode-se afirmar que diferentemente do que se consolidou posteriormente – a localização de Erico no campo da produção de narrativas para adultos – foi a literatura para crianças produzida intensamente, com tiragens numerosas e em curto espaço de tempo que “apresentou” Verissimo para as famílias gaúchas. Agregado a opiniões manifestadas em outros impressos, sucesso de um programa de rádio endereçado aos pitocos e protocolos de leitura inseridos na páginas de seus livros, o resultado do investimento de Verissimo na literatura para as crianças não pode ser desconsiderado. A OBRA DE VERISSIMO PARA CRIANÇAS A existência de um projeto pedagógico-literário de parte do ficcionista Erico Verissimo pode ser observada na medida em que se conhece sua obra para a infância, especialmente através dos protocolos de leitura nela inseridos e da produção de tantos impressos em um curto espaço de tempo. A obra que Verissimo deixou poderia ser hoje, e com alguma licença, considerada “uma literatura paradidática” de acordo com Gomes (2003:122). A autora argumenta que os onze títulos podem ser “distribuídos em dois subgrupos pelos estudos literários que a ela se dedicam”: um primeiro grupo, “considerado stricto sensu de textos de literatura infantil, é composto por seis livros, reunidos, em 1965, no volume Gentes e Bichos. O segundo grupo, segundo a estudiosa, “é formado por cinco textos, integrado por narrativas mais voltadas para o público escolar (Meu ABC, de 1936, e Aventura no Mundo da Higiene, de 1939), por uma biografia (A Vida de Joana D’Arc, de 1935) e por narrativas históricas (As Aventuras de Tibicuera, de 1937, e Viagem a Aurora do Mundo, de 1939)”. Período em que Erico Veríssimo se afirma como autor de livros para crianças, tanto pelo volume, como pela qualidade de sua obra, os anos 30 do século XX oportunizam a evidência, para Borges (2003) de um “elenco de autores engajados nesse tipo de proposta, cujo grande nome antecessor e renovador” foi Monteiro Lobato. Para a pesquisadora, não é “casual” que educação e literatura infantil vivam uma renovação entre os anos 20 e 30, “inclusive favorecidas por políticas públicas do Ministério da Educação e Saúde”. Acredita, no entanto, que a “tradição intelectual a que Erico Veríssimo se filia” deve ser pensada “numa dupla chave, com evidentes articulações: de um lado, uma literatura mais didática, sobretudo referente à história do Brasil ou do que se conhecia como educação moral e cívica; de outro, uma literatura infantil, muito pobre antes dos anos 1920, mas que começava a crescer” (BORGES, 2003:123-124). O primeiro livro produzido por Erico como literatura pra a juventude foi A vida de Joana d’Arc (VERISSIMO, 1935). Coincidentemente, é o ano em que nasce Clarissa, a primeira filha do escritor. Em 1936, ano do nascimento de Luis Fernando, o segundo filho de Verissimo, quatro novos livros vem a público, três de literatura infantil – As aventuras do avião vermelho, Os três porquinhos pobres e Rosa Maria no castelo encantado – reeditados até hoje, mais o abecedário Meu ABC. Dando continuidade a se projeto, Verissimo publica, em 1937, As aventuras de Tibicuera. Nele, em uma espécie de prefácio, conversa com os leitores e instiga-os a realizarem exercícios com a língua materna: “Eu poderia encher este livro com notas explicativas de certas palavras. Prefiro, entretanto, que vocês recorram ao dicionário, habituando-se a consultá-lo em casos de dúvida ou desconhecimento. É um bom exercício não só de paciência como também de honestidade intelectual. E no fim das contas sempre gravamos melhor na memória o significado das palavras que nos levaram a folhear dicionários” (VERISSIMO, 1947, p. 9). No ano seguinte, 1938, foi a ano em que Erico publicou O urso com música na barriga e, em 1939, dois novos livros de literatura para crianças foram postos em circulação: A vida do elefante Basílio e Outra vez os três porquinhos. Neste mesmo ano, 1939, foi a vez de Aventuras no mundo da higiene – um livro destinado à escolarização e possivelmente inserido nos projetos do Estado Novo para a Infância . Viagem à aurora do mundo, completam o acervo dedicado ao público infanto-juvenil do escritor gaúcho. Nas páginas iniciais, Erico dirige-se aos leitores, indicando a filiação de “Aventuras”: "Este livro – consequência dum feriado que concedi à imaginação – não tem nenhum compromisso com a psicologia nem com a verossimilhança e muito menos com os problemas sociais no momento. Trata-se duma fantasia quase didática, na forma de romance e seu objetivo principal é dar ao leitor uma idéia do mundo pré-histórico, tal como os cientistas o reconstituíram" (VERISSIMO, 1939, p. 7). Produção, circulação e consumo são categorias acionadas por Vera Aguiar (1994) para observar a obra de Verissimo. Com o intuito de “identificar e caracterizar os fatores que interferem na atividade do escritor como homem de seu tempo com responsabilidade social definida”, a estudiosa se propõe à análise da produção de Erico e conclui pela não ocasionalidade desta, além de observar que “embora não retorne à literatura infanto-juvenil” a partir nas décadas posteriores, “Erico acompanha de perto as constantes reedições de suas obras (AGUIAR, 2005:43-44). Em suas palavras: "A literatura infanto-juvenil de Erico Verissimo nasce de um projeto bem definido, não se constituindo apenas de uma produção episódica e circunstancial. Está, nesse sentido, em consonância com a crescente efervescência da época, quando há expressivo aumento do número de obras e o volume das edições, bem como o interesse das editoras, algumas delas, dedicadas quase que exclusivamente ao mercado constituído pela infância (AGUIA, 2005:45). Ao observar o momento histórico e o resultado da investida de Verissimo, Aguiar (2005) afirma a intenção do ficcionista em constituir um “projeto literário consciente”. Seu argumento mais forte, a escrita de onze livros de literatura para crianças e jovens. Em O contador de histórias para crianças e jovens, a estudiosa afirma que o projeto se evidencia quando “o autor deixa claros seus objetivos junto ao público infanto-juvenil e acompanha suas constantes reedições”. Para ela, é evidente a intenção de Verissimo em “formar e informar seus leitores”, valendo-se “da fantasia como meio de aproximação e sedução” (AGUIAR, 2005, p. 43). Desse modo, não seria por acaso, nem eventual, nem mesmo episódica e circunstancial a elaboração, publicação e edições das obras do escritor sulino. Pelo contrário, indicariam seu desejo e projeto". Para corroborar essa linha de argumentos e afirmar que sim, Erico projetou seus livros e destinou-os à infância, utilizo-me de palavras do escritor nas páginas pré e pós-textuais de Meu ABC, nas quais apresenta e argumenta em favor da leitura. Com um texto intitulado “O mundo das maravilhas”, Erico Verissimo expõe parte de seu pensamento a respeito da leitura e do livro: "O mundo das maravilhas é o mundo dos livros. Vejam essa figura... Cinco irmãos, num dia de chuva, estão se divertindo com os livros do Globo. O mais velho lê romances de aventuras da Coleção Universo. Os mais moços lêem os livros da “Biblioteca Nanquinote” e as meninas se deliciam com as aventuras de Heidi e de Alice, na Terra das Maravilhas. Todos os meninos e meninas devem pedir a seus pais os belos livros de história que a Livraria do Globo publica. Todos trazem figuras coloridas! Todos são agradáveis de ler!" (VERISSIMO, 1936, s/nº). Descrevendo a “Biblioteca de Nanquinote” como uma coleção de livros “lindos entre os mais lindos” e afirmando que as crianças brasileiras ficaram “alvoroçadas” depois que os viram, uma mensagem também informa que “os pais de família estão satisfeitos porque podem dar a seus filhos livros bons, bonitos e interessantes por 4$000 o volume”. O escritor dessas informações, provavelmente o próprio Verissimo, argumenta que todos são Edições da Livraria do Globo de Porto Alegre e que as crianças encontram em cada um deles, “uma aventura engraçadíssima, ao lado de figuras maravilhosas em muitas cores!”. Referências: PAULINO, Graça. Érico Veríssimo e a iniciação do Leitor em a Vida de Joana D’arc. Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS. v.2, n.3, p. 111-117, 1996. Porto Alegre: PUCRS, 1996. ROSA, Cristina. Onde está meu ABC de Erico Verissimo? Trabalho Final de Pós-Doutorado. Belo Horizonte: UFMG, 2011. VERISSIMO, Erico. Meu ABC. Porto Alegre: Globo, 1936. VERISSIMO, Erico. Solo de Clarineta. Memórias I. 20ª Ed. São Paulo: Globo, 1995. VERISSIMO, Erico. Solo de Clarineta. Memórias II. 9ª Ed. São Paulo: Globo, 1995. ZILBERMAN, Regina. A literatura no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1992. ZILBERMAN, Regina. Pedro Wayne – Pessoa de Letras. In: ROSA, Cristina. Um alfabeto à parte: Biobibliografia de Pedro Rubens de Freitas Weyne – O Pedro Wayne. Pelotas: EGUFPel, 2009.

Sobre Charles Perrault

Contes de Ma Mère l'Oye é o nome em francês dos Contos da Mãe Gansa publicados em 1697. A obra constitui-se de uma compilação de contos populares que, na época, eram menosprezados. A coletânea é composta de oito contos inicialmente, mas posteriormente mais três foram incorporados. A figura da Mãe Gansa já demonstra a aproximação de Perrault com as narrativas populares. Mãe Gansa, numa ilustração da edição original, assemelha-se a uma velha fiandeira que conta histórias. Imortaliza-se, assim, este símbolo no mundo literário. Os oito contos iniciais são: La Belle au Bois Dormant - A Bela Adormecida no Bosque Le Petit Chaperon Rouge - Chapeuzinho Vermelho La Barbe-Bleue - O Barba Azul Le Maître Chat ou Le Chat Botté - O Gato de Botas Les Fées - As Fadas Cendrillon ou La Petit Pantoufle de verre - A Gata Borralheira Riquet à la Houppe - Henrique, o topetudo Le Petit Poucet - O Pequeno Polegar Os três contos incluídos posteriormente na coletânea são: A Pele de Asno Os Desejos Ridículos Grisélidis Na verdade, em metade desses contos não há fadas, assim categorizá-los como contos de fadas não seria o melhor. Eles são contos maravilhosos, uma vez que aparecem elementos fora da realidade concreta, inclusive as fadas (boas ou más). No conto Chapeuzinho Vermelho, o lobo personificado é o elemento maravilhoso; em Barba Azul, há a chave com a mancha de sangue que não pode ser lavada; em O Gato de Botas, também há a personificação do gato, além da presença do Ogre e suas transformações; enquanto em O Pequeno Polegar existem as botas de sete léguas. Perrault nasceu em Paris, no dia 12 de janeiro de 1628 e faleceu em Paris, em 16 de maio de 1703. Escritor e poeta francês do século XVII, estabeleceu bases para um novo gênero literário, o conto de fadas, além de ter sido o primeiro a dar acabamento literário a esse tipo de literatura, feito que lhe conferiu o título de Pai da Literatura Infantil. Contemporâneo de Jean de La Fontaine, Perrault também foi advogado e exerceu algumas atividades como superintendente do Rei Luís XIV de França. A maioria de suas histórias ainda hoje são editadas, traduzidas e distribuídas em diversos meios de comunicação, e adaptadas para várias formas de expressões, como o teatro, o cinema e a televisão. Perrault entrou para a Academia Francesa de Letras em 1671. Com pouco mais de 50 anos, trocou o serviço ativo pela educação dos filhos. Movido por esse desejo, começou a registrar as histórias da tradição oral contadas, principalmente, pela sua mãe ao pé da lareira nomeados posteriormente de “Contes de ma mère l'Oye” ou contos da minha mãe gansa, indicando que todos teriam a sua... Com quase 70 anos, publicou um livro de contos conhecido, na época, como "contos de velha", "contos da cegonha" ou "contos da mamãe gansa". A primeira edição, de onze de janeiro de 1697, recebeu o nome de "Histórias ou contos do tempo passado com moralidades" (Histoires ou contes du temps passés, avec des moralités), que remete à famosa moral da história presente ao final de cada texto. Contos da Mamãe Gansa. Quem foi a Mamãe Gansa? Ela existiu? "Mamãe Gansa" é o nome que foi dado a uma arquetípica mulher do campo, a qual teria sido a origem das histórias e cantigas atribuídas à personagem Mamãe Gansa. Embora nenhum escritor jamais tenha sido identificado sob tal nome, a primeira menção conhecida a ele aparece em 1660 em um jornal francês, indicando que a expressão era familiar. Contes de ma mère l'Oye ou "Contos da minha Mãe Gansa", a publicação de Charles Perrault, marca o verdadeiro início da história da personagem. Curiosidades: 1. Existem relatos familiares para turistas que visitam Boston, que a Mãe Gansa original era uma habitante local chamada Mary Goose. De acordo com uma historiadora da cidade, verdadeira Mãe Gansa era uma pessoa real que viveu em Boston por volta de 1660. Supostamente, ela seria a segunda esposa de Isaac Goose, e levou os dez filhos que teve para morar com os dez que Isaac já tinha. Após a morte de Isaac, Elizabeth foi viver com sua filha mais velha, casada com um editor. Mary ou "Mother Goose" costumava cantar canções para os netos o dia inteiro, e outras crianças afluíam para ouví-las. 2. Em The Real Personages of Mother Goose (1930), Katherine Thomas argumenta que a imagem e o nome "Mãe Gansa" pode ter sido baseado em antigas lendas sobre a esposa do rei Roberto II, da França. "Bertha Pés-de-Ganso" é freqüentemente citada em lendas francesas como a narradora de contos incríveis que arrebatavam as crianças. 3. Em 1729, Robert Samber lançou uma tradução em inglês da coleção de Perrault, Histories or Tales of Past Times, Told by Mother Goose. A primeira aparição pública das histórias da Mãe Gansa no Novo Mundo ocorreu em Worcester, onde o impressor Isaiah Thomas reimprimiu o livro de Samber sob o mesmo título em 1786. 4. John Newbery publicou uma compilação de cantigas de ninar inglesas, Mother Goose's Melody, (Londres, sem data, cerca de 1765), que mudou o foco dos contos de fadas para cantigas de ninar, e em inglês esse era o principal significado da Mãe Gansa até recentemente. O conto mais conhecido A versão impressa mais antiga é de Charles Perrault, Le Petit Chaperon Rouge, retirada do folclore francês foi inserida no livro Contos da Mamãe Gansa. A historia de Perrault retrata uma "moça jovem, atraente e bem educada", que ao sair de sua aldeia para visitar a avó, é engana pelo lobo, que come a velha e arma uma armadilha para a a menina que termina sendo devorada, sem final feliz. Essa versão foi escrita para a corte do rei Louis XIV, no final do século 17, destinada ao público que o rei entretinha com festas extravagantes e prostitutas, que pretendia levar uma moral as mulheres para perceberem os avanços de maus pretendentes e sedutores. Um coloquialismo comum da época era dizer que uma menina que perdeu a virgindade tinha "visto o lobo". O autor explica a moral da historia ao fim do conto nos seguintes termos: A partir desta história se aprende que as crianças, especialmente moças jovens, bonitas, corteses e bem-educadas, não se enganem em ouvir estranhos. E não é uma coisa inédita se o Lobo, desta forma, arranjar o seu jantar. Eu chamo Lobo, para todos os lobos que não são do mesmo tipo do lobo da história, há um tipo com uma disposição receptiva - sem rosnado, sem ódio, sem raiva, mas dócil, prestativo e gentil, seguindo as empregadas jovens nas ruas, até mesmo em suas casas. Ai de quem não sabe que esses lobos gentis são de todas as criaturas como as mais perigosas! Referências O texto foi organizado por ROSA, Cristina, a partir de várias leituras encontráveis em: Literatura Infantil - Teoria, análise, didática (1981),A Literatura Infantil. COELHO, Nelly Novaes. Dicionário Crítico da Literatura Infantil/Juvenil (1983) e COELHO, Nelly Novaes. Panorama Histórico da Literatura Infantil/Juvenil (1984), OLIVEIRA, Cristiane Madanêlo de. CHARLES PERRAULT (1628-1703). Disponível em: http://www.graudez.com.br/litinf/autores/perrault/perrault.htm. Capturado em 30/3/2012. ANGELOTTI, Cris. http://www.qdivertido.com.br/verpesquisa.php?codigo=9. Contato: chris@angelotti.eti.br PERRAULT, Charles. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Charles_Perrault http://www.graudez.com.br/litinf/autores/perrault/obras.htm

terça-feira, 24 de abril de 2012

ABECEDÁRIO: O que é isso?

Um abecedário é um gênero literário da Literatura Infantil com características lúdicas Bordini (2011). Abecedários, cartas de ABC e silabários foram utilizados para ensinar a ler e escrever nas escolas brasileiras até meados do século XX. Segundo Frade (2010), Cartas de ABC são materiais que ainda circulam, mas em circuitos paralelos ao da escola, pois esta é a guardiã das formas de transmissão da cultura escrita. De acordo com BOTO (2004, p.495), o termo cartilha constitui um desdobramento da palavra “cartinha” que, por sua vez, era usada para identificar aqueles textos impressos cujo propósito explícito seria o de ensinar a ler, escrever e contar. Apresentavam usualmente o abecedário, a construção das palavras e suas subdivisões, alguns excertos simples com conteúdos moralizadores, quase sempre precedidos de excertos de orações ou de salmos. Ao lado, a imagem de Meu ABC, de Erico Verissimo (1936). A palavra cartilha, remonta às situações corriqueiras e freqüentes: até o século XIX, boa parte dos textos escritos que as crianças traziam de casa para utilizar na escola eram manuscritos; dentre esses, as cartas eram uma fonte privilegiada... Muitos eram os meninos e meninas que, em Portugal, aprenderam a ler inicialmente mediante a leitura de cartinhas... À semelhança e por analogia, elabora-se – para os primeiros textos impressos com a finalidade alfabetizadora – a expressão “cartinha de leitura”. Daí vem a “cartilha”. Cartilhas, manuais escolares ou livros didáticos integraram o conceito de escolarização e podem ser considerados partícipes do universo cultural da escola e mesmo da sociedade como um todo. Um dos exemplos é a longevidade da cartilha Arte da Leitura do poeta português João de Deus, a primeira a ser utilizada no Brasil (MORTATTI, 2000). Em seu conteúdo, letras, sílabas, palavras e poemas em uma ordem diferente da alfabética. Ao final, um texto poético mais longo e tabelas de adição, subtração, multiplicação e divisão. Foi adotada nas escolas públicas do Brasil desde 1876 (MORTATTI, 2000) e no RS, editada em Porto Alegre pela Editora Selbach. Para Ferreira (2008, p. 35), o livro didático é “depositário de um conteúdo que, antes de tudo, tem o papel de transmitir às jovens gerações os saberes e as habilidades que, em uma dada área e um dado momento, são julgados indispensáveis à continuidade de uma sociedade”. Para a estudiosa, “trata-se, ao mesmo tempo, de um instrumento ideológico, pedagógico e socializador” e, por ser um “instrumento do universo cotidiano da vida escolar, a produção desse material atinge educadores, alunos e familiares, autores, editores, intelectuais e autoridades políticas. Se, para o Estado, a organização e monitoramento dessa produção representa o controle ideológico, para as editoras, os livros didáticos são produtos economicamente rentáveis” (FERREIRA, 2008, p. 35). E para o professor, o que significa o livro didático? Ele pode ser um produto de seu projeto pedagógico?

Um abecedário com minha turma!

Como organizar um abecedário? Um abecedário pode ser construído na sala de aula, desde que a professora tenha como pressuposto o vínculo com a cultura escrita, ou seja, que acredite que tudo que diz respeito à escrita pode ser conhecido. As crianças, quando nascem, quase sempre estão inseridas em uma família. Esta tem endereço, vive em um bairro de uma cidade ou mesmo em uma localidade na zona rural. Esta cidade ou localidade se situa em um Estado e, este, em País. Esse país, no caso o Brasil, tem uma constituição e, através dela é que são estabelecidas formas de vínculo com o mundo em sociedade, inclusive os vínculos com a palavra escrita. Desse modo, nenhuma família é desprovida de laços com esse mundo. Nenhuma família via apartada dos vínculos com a escrita, pois, desde a mais tenra idade, temos documentos de pertencimento a esse mundo, firmados através da palavra escrita. Exemplo: as crianças têm um nome, devem ser registrados, em alguns casos são batizados, são matriculados na escola, entram em contato com narrativas desde cedo em suas famílias, em contato com materiais escritos em diferentes fontes (livros, jornais, contratos, certidões, encartes, rótulos, placas, receituários, embalagens, bilhetes, correspondências...) e, mesmo que ainda não saibam ler, não ignoram o valor da escrita. Especialmente pela prática dos adultos ou mesmo outras crianças que as cercam. Desse modo, através de relações com a escrita que são comuns – como a matrícula na escola, por exemplo – e mesmo outras que são específicas de um grupo, podemos conhecer cada uma das crianças que estão na minha sala de aula. Podemos conhecer seus nomes e história. É desse material que surgirá o abecedário. Ordem alfabética: o arbitrário convencionado Um abecedário deve, necessariamente, obedecer à ordem alfabética que, convencionada, inicia no A e termina no Z. Como explicar a ordem alfabética? Uma ordem arbitrária não depende de nenhum julgamento de valor, é apenas uma escolha para organizar. Por isso, ordem. Arbitrária para garantir a convenção, ou seja, todos seguem a mesma ordem e, desse modo, os dicionários são iguais. Na sala de aula, vamos nos inserir nessa ordem, reproduzi-la apenas. Para reconstruir ordem, devemos elaborar e realizar questões. O que eu descubro com isso? Valor sonoro de cada uma das letras e/ou fonemas e/ou sílabas, valor posicional da letra/sílaba/fonema na palavra, quantidade de letras, combinações possíveis, impossíveis, arbitrariedade no caso de nomes próprios, entre outras coisas. As perguntas que se deve fazer, entre outras, são: Como se lê? Qual a primeira letra? E a última? Quantas letras têm o nome? Há iguais? Quais? Quem tem nome igual? Parecidos? Diferentes? Quantas letras/sílabas são iguais? Quantas são diferentes? Quais? Desse modo, recomponho a ordem alfabética afirmando-a e utilizando-a para determinados objetivos. Podemos também, inverter a ordem, afirmando que o valor do sujeito não depende da ordem alfabética, que esta é apenas uma convenção utilizada para que todos se entendam no mundo da escrita. Como descobrir o nome da cada criança? Para um professor é fácil, basta ter a lista dos matriculados. No entanto, se pretendemos ensinar às crianças como se descobre, investiga, captura esse nome na própria família, devemos dar pistas. Como? Perguntando: Sabe onde seu nome pode estar escrito? Conhece a pessoa que o escolheu? Sabe o motivo da escolha? Conhece outra pessoa com o mesmo nome na família ou mesmo na vizinhança? E assim por diante... Então, certidão de nascimento, carteira de vacinação, livro do bebê, carteirinha do dentista, do médico, do plano de saúde, do clube, da biblioteca, ou mesmo a vinda de uma mãe, pai, tia, madrinha ou avó à escola, com o intuito de contar a todos a escolha do nome da criança pode ser a fonte de descoberta da escrita do nome. Os documentos ou mesmo presença de alguém da família podem ser acionados para a escrita de referência, no caso, o crachá que a criança vai passar a portar, até que todos a conheçam e saibam escrever seu nome. Os pais podem ser consultados, podem ser depoentes, mas o material escrito é a fonte mais importante. Por quê? Vincula a criança com a fonte escrita e ensina a procurar outras coisas pela generalização.

Alfabeteando...

Um "Alfabeto à parte" foi criado em setembro de 2008 e tem como objetivo discutir a leitura e a literatura na escola. Nele disponibilizo o que penso, estudos sobre documentos raros e meus contos, além de uma lista do que gosto de ler. Alguns momentos importantes estão aqui. 2013 – Publicação dos estudos sobre o Abecedário Ilustrado Meu ABC, de Erico Verissimo, publicado pelas Oficinas Gráficas da Livraria do Globo em 1936; 2015 – Inauguração da Sala de Leitura Erico Verissimo, na FaE/UFPel; 2016 – Restauro e ambientação da Biblioteca na Escola Fernando Treptow, inaugurada em 25 de novembro; 2017 – Escrita da Biografia literária de João Bez Batti, a partir de relatos pessoais. Bilíngue – português e italiano – tornou-se um E-Book; 2018 – Feira do Livro com Anna Claudia Ramos (http://annaclaudiaramos.com.br/). 2019 – Produção de Íris e a Beterraba, um livro digital ilustrado por crianças; 2020 – Produção de Uma quarentena de Receitas, um livro criado para comemorar a vida; 2021 – Ruas Rosas e Um abraço e um chá, duas produções com a UNAPI; 2022 – Inicio de Pesquisa de Pós-Doutorado em acervos universitários. Foco: Há livros literários para crianças que abordem o ECA? 2023 – Tragicamente obsoletos: Publicação de um catálogo com livros para a infância.

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