Livros para meninas?
Há livros que educam meninas? Há literatura produzida para
emancipar meninas? O que é uma menina?
Para a escritora Fernanda, 15 anos, “menina
é o símbolo da inocência, da ingenuidade, longe de pensamentos machistas, em
que meninas são criaturas mais fracas e sua inocência vem do não saber as
coisas”. Para ela, “meninas lembram beleza, luz, tudo de mais lindo que o mundo
traz. E com certeza, a sabedoria e a inteligência”.
Para uma estudante de Pedagogia de 34 anos, “menina é a
definição, em nossa cultura, para a criança que nasce com o sexo feminino. É uma
expressão usada para diferenciar menina de menino, baseada no formato das
partes íntimas, vagina e pênis. É o mesmo que guria, para nós gaúchos. Após
certa idade – indefinida, pois não se sabe quando começamos nos chamar mulher –
deixamos de ser meninas e passamos a ser mulheres. Nascemos mulheres, por causa
da definição biológica. Para suavizar a carga e adoçar, chamamos
"meninas" as crianças do sexo feminino. Muitas mulheres adultas são
chamadas de meninas. Em qualquer idade. E muitas acham difícil ser chamadas de
mulheres, pela carga que este nome tem, às vezes, pejorativo. Menina adoça, mas,
queremos ser doces pelo restos de nossas vidas? Acredito que a resposta venha
de outra pergunta: Queremos ser amargas pelo resto de nossas vidas?”.
Observando...
Observando essas duas considerações diante de tantas outras que recebi após uma pesquisa informal, retorno à pergunta: Há livros endereçados para meninas? Neste caso, o que os aproximam, o que os tornam imprescindíveis?
Observando essas duas considerações diante de tantas outras que recebi após uma pesquisa informal, retorno à pergunta: Há livros endereçados para meninas? Neste caso, o que os aproximam, o que os tornam imprescindíveis?
Narrando
mulheres
Anteriormente à profusão de títulos que, desde os anos 80 vêm
sendo produzidos com a proposição de abordar a educação de crianças com mais
delicadeza, criatividade, pertencimento, gentileza, alguns de nossos autores já
se debatiam com a figura feminina. Um deles, João Simões Lopes Neto que, há 100
anos, mostrou-se estarrecido com a fúria amorosa e destruidora de Tudinha, em “O negro Bonifacio”. Outro,
Erico Verissimo, um interiorano soterrado pela exuberante adolescência e o
inevitável nascimento da vida adulta em “Clarissa”. O último, Mário Quintana,
inconforme com o poder de escolha das mulheres em “As três moças de encruzilhada”.
Sim.
Três autores.
Três homens.
Três vozes.

Apesar dos trezentos e vinte anos que nos separam dessa primeira
grafia de Chapeuzinho Vermelho, a
natureza e a cultura das mulheres e sobre as mulheres parecem ter aprendido
pouco. Em busca de caçadores, de lenhadores, de salvadores, as meninas e até mulheres
adiam o protagonismo das próprias vidas.
Enredadas em tramas – sussurros, promessas, discursos,
lenga-lengas – atribuem ao outro (o pai, o padrasto, o irmão, o colega da
escola, o namorado, o noivo, o amante) seu destino. E os números indicam que o destino
nem sempre é sair da barriga do
lobo.
Meninas na
escola: evidências
Ao desenvolver, por um ano, um trabalho de restauro em uma
biblioteca escolar na periferia urbana de Pelotas, pude conhecer meninas.
Observar se ainda se parecem com a menina que um dia fui e o quanto se
diferenciam.
No pátio, em jogos e brincadeiras, as meninas revelam o que
pensam, como agem, o que esperam, sonham, almejam. Ali, livres dos limites da
sala de aula e dos programas curriculares, exploram e usufruem da companhia
umas das outras e, também, da presença/ausência dos meninos.
Uma de minhas observações é que o ambiente
escolar que nós, adultos, destinamos aos nossos pequenos – crianças e
adolescentes, aos infantes de nossa espécie – é adulto: nele não há cor,
brinquedos, infância. Em parte considerável das escolas há paredes, corredores,
quadras, muros, cercas e móveis em que predominam as cores frias.
Percebi, também, que no pátio, as
meninas entre 11 e 16 anos são expostas precocemente à linguagem
destrutiva, focada na imagem/aparência de seus corpos, etnias, opções sexuais,
escolhas estéticas.
Observei ainda que, em parte considerável das vezes em que há
contendas, as disputas ocorrem no “corpo-a-corpo” e, ameaças, empurrões,
beliscões e outras brutalidades, substituem argumentos.
Uma estarrecedora evidência foi que as meninas são precocemente
empurradas a “revelar” sua sexualidade, a “assumir” um modo de ser e gostar de
ser, perdendo o direito de circular livremente entre os grupos de meninas ou de
meninos.
Além dessas evidências observadas no
interior da escola, percebi que saberes acerca delas – as meninas – circulam.
Notícias ou maledicências que chegam da rua/bairro em que vivem e que compõem o
“currículo” delas. Como exemplo, a precocidade da vida sexual, revelada pela manutenção de
relacionamentos “firmes” desde muito cedo e um discurso desabonador vinculado à
sexualidade, repleto de expressões como “Deu para quem? Aquela ali dá para
qualquer um... Vai dar ou fazer doce? Esta é usada, já teve barriga”, entre
outras. Penso que esses saberes que circulam – os scripts de gênero ou cultura
que legitima, demarca e estabelece modos de ser para as masculinidades e as
feminilidades –, de acordo com Felipe, Guizzo & Beck, 2013 – evidenciam a crença de que a
sexualidade não é escolha, direito, desejo da menina e, sim, a materialização
do desejo do outro, o pai, o irmão, o colega, o grupo de colegas, o namorado.
Compreendi que, muitas
vezes, o fato de ter nascido menina resulta em maternidade imposta: a sua,
precocemente, ou a de seus irmãos, quando a mãe lhe atribui o cuidar dos demais.
Às vezes até, como castigo: se comportou mal, engravidou.
Observando de um lócus privilegiado – a escola – e por um tempo
considerável – um ano –, decidi, a partir de então, reunir um acervo literário para pensar sobre estas “questões de
gênero”. Focando a busca por obras que sugerissem protagonismo, o intuito era criar um programa de leituras para meninas. Sonhava em
dialogar com elas sobre liberdade para
pensar e escolher, pois sei de
nossas diferenças, a primeira delas, geracional.
Não pretendo falar pelas meninas. Sei do inútil que é impor
pautas e resoluções, conceitos e teorias, análises e estatísticas.
O lobo, por velho e sábio, conhece o mel. Não usa o fel. Quem nunca
provou?

O que eu pretendo com esses livros?
Encantar e fazer pensar.
Dizer às meninas que elas existem, não são bando, não precisam
ser iguais, tem direitos, podem expressá-los, podem fazer escolhas, não estão
sozinhas. Intenciono, também, ouvir, conhecer e aprender a dialogar com as
meninas.
As obras
indicadas

Para pensar.
Um útero é do tamanho de um punho, de Angélica
Freitas.
Fiquemos com o título, pleno de sentidos.
Observemos duas das palavras contidas nele:
Útero.
Punho.
Lembremos...
Todos temos punhos.
Só as meninas tem útero!
Só as meninas tem útero!
[1] Para conhecer conceitos a respeito do termo "menina", empreendi uma pesquisa informal realizada em 25 de maio, endereçada a uma rede restrita de
contatos. Acompanhe todas as repostas em: http://crisalfabetoaparte.blogspot.com.br/2017/05/o-que-e-uma-menina-resultados-de.html
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