Meninas, seus sonhos e caminhos
Cristina Maria Rosa
“Os
humanos são os únicos animais que podem pensar outras maneiras de fazer coisas
em outro tempo e em outro lugar. Estas ideias são experimentadas primeiro na
linguagem, no jogo ou através da imaginação” (Teresa Colomer).
Quem escreveu...
Christine Castilho Fontelles é cientista
social formada pela PUC/SP com MBA em marketing pela FIA/FEA/USP. Consultora de
Educação no Instituto Ecofuturo, organização da qual foi co-idealizadora e onde
criou e dirigiu o Programa “Ler é Preciso” por 15 anos. É conselheira do
Movimento por um Brasil Literário e da Fundação Nacional do Livro Infantil e
Juvenil (FNLIJ). Fundadora da Centhral do Brasil Consultoria de projetos de
educação para a leitura e escrita e sustentabilidade.
O que escreveu...
Christine escreveu um artigo (disponível na
íntegra no site do MBL) intitulado “Eu sou e eu quero!”. Quantas meninas
conseguem seguir seus sonhos e quantas ficam pelo caminho?
O artigo
“Cresci e vi a violência de perto, e hoje nada
mudou. Se eu pudesse melhorar o mundo, ia ser melhor pra todo mundo. E eu
queria melhorar o mundo hoje”. A frase-depoimento integra a redação de
Aline, 8 anos, segunda colocada num concurso de redação realizado pelo Instituto
Ecofuturo em âmbito nacional nos idos de 2007. Hoje a pequena Aline
está adolescente com seus 17 anos. O que teria visto ela que com apenas 8 anos
já se dizia “crescida”? Teria, apesar do ambiente externo hostil, conseguido
seguir seu sonho? “E assim resolvi que quando eu crescer quero ser bailarina,
porque ali está a paz de que preciso para entender o mundo”, escreveu. Terá se
tornado bailarina?
Nós de todos os cantos do mundo parecemos
paralisados diante das estatísticas de todas as ordens que há tempos anunciam
os descuidados com a infância, a violência contra meninas, com as mulheres, com a
vida. Quantas meninas conseguem seguir seus sonhos e quantas ficam
pelo caminho? Gabriel Garcia Marquez dizia que “o
machismo, tanto nos homens quanto nas mulheres, não é mais que a usurpação do
direito alheio”. Como é urgente educar para o amor e para apreciação das
diferenças, sobretudo nós que não vivemos mais em tempos de meninos e meninas;
gostem ou não, a diversidade é a pauta da vida, de gênero, inclusive. A vida
pede um novo vocabulário, que a acolha em sua plenitude. Um novo pensamento e
uma nova ação
Trajetória
Passados 200 mil anos da nossa presença na Terra
– que já conta com 4,5 bilhões de anos -, ainda engatinhamos e tropeçamos na
habilidade de promover os cuidados que a vida pede e merece. Somos, como
espécie, um segundo na eternidade do universo, que tem entre 12 e 20 bilhões de
anos. Isso esclarece os tempos dramáticos em que vivemos, que não são de hoje,
mas que hoje batem diariamente à nossa porta pela
comunicação online em tempo real? O caminho que devemos trilhar
parece simples, afinal dividimos a mesma casa, o planeta Terra, e deveria ser
do nosso interesse garantir que todos aqui dentro estivessem bem cuidados.
Infelizmente, nada é simples quando se trata do bicho homem.
O projeto/trajeto de humanidade que perseguimos
e que nos encanta está enredado num sem fim de contradições, e sobre isso a
literatura é tão pródiga em nos revelar.
Uma passagem de Alice no País das Maravilhas oferece
um bom alerta sobre a importância das nossas escolhas para alcançar nosso ideal
como sujeito e sociedade neste mundo: “Poderia me dizer, por favor, que
caminho devo tomar para sair daqui?”, pergunta Alice. “Isso depende bastante de
onde você quer chegar”, disse o Gato. “O lugar não importa muito…”, disse
Alice. “Então não importa o caminho que você vai tomar”, conclui o Gato.
Caminhos
E porque tanto o lugar quanto a travessia
importam, apostamos na literatura como iniciação na estrada do que significa ser
e tornar-se este ser humano sensível e solidário às múltiplas, únicas e
igualmente valiosas formas de vida: #nenhumaamenos. Diz a pesquisadora Teresa Colomer, citando Vigotski, em seu livro A formação do leitor literário: “Os humanos são os únicos animais que podem pensar outras maneiras de fazer
coisas em outro tempo e em outro lugar. Estas ideias são experimentadas
primeiro na linguagem, no jogo ou através da imaginação”. Ou seja,
navegando pelo texto literário. Como para além das denúncias, existem os
caminhos, é tão vital o alerta do Gato de Alice.
“Vou lutar muito para realizar o meu sonho”,
disse Aline no país chamado Brasil. “… Alice levantou-se e saiu correndo,
pensando enquanto corria que aquele tinha sido mesmo um sonho maravilhoso”, ela
que habitou o país das maravilhas. A palavra que não passa pelo coração não
chega ao céu. Devemos isto às nossas crianças de todos os cantos do mundo, aqui
e agora.
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