A literatura, na infância, pode ser compreendida como uma
brincadeira, tanto quanto a música, a dança e o teatro, entre outras
manifestações e possibilidades do fazer humano. O que a distingue das demais artes é seu
vínculo profundo com a aprendizagem da linguagem, oral e escrita, um dos
valores fundantes de nossa humanidade. É pela linguagem e, especialmente pela língua (conjunto organizado de sons e gestos que possibilitam a comunicação em um grupo) que nos diferenciamos das demais espécies e nos tornamos o que somos: seres sociais, que usam da razão para inventar e registrar a história.
É pela linguagem, essa capacidade que nós humanos temos de produzir, desenvolver e compreender a língua e outras manifestações (a literatura, a pintura, a música, a dança, entre outras) que nos diferenciamos e singularizamos. Embora apenas oral e/ou gestual em algumas culturas, a maioria dos grupos sociais desenvolveram formas aprimoradas de comunicação, sistemas complexos e regrados e, além disso, investiram em criações estéticas, o que conhecemos como arte literária ou Literatura.
A literatura e seus representantes – livros,
autores, gêneros, procedimentos – necessita de mediadores
qualificados, que podem ser familiares ou professores. Estes, devem conhecer o valor das obras, ou seja, ter critérios para escolhê-las e ofertá-las aos pequenos, em casa
ou na escola.
Se a literatura é uma brincadeira como pintar, dançar,
cantar, desenhar, esculpir, pode ser ofertada espontaneamente, esporadicamente
e aleatoriamente?
Infelizmente, não.
A literatura demanda planejamento, critérios, atitudes e intervenções, uma vez que oferece, através de seus conteúdos e formas, arte e pensamento.
Infelizmente, não.
A literatura demanda planejamento, critérios, atitudes e intervenções, uma vez que oferece, através de seus conteúdos e formas, arte e pensamento.
Essa oferta – arte e pensamento – são os traços conformadores
da humanidade em nós, são as matrizes da racionalidade e da emoção, o que nos
torna o que estamos sendo como espécie, os elementos fundantes de nossa adaptação,
como espécie, no planeta e no tempo dos humanos.
Todos sabemos que não estamos sós. Habitamos um planeta que
já foi gelado, envolto em gases, ocupado por répteis gigantes, dominado por
inúmeras e diferentes espécies. Um planeta que tem milhões, bilhões de anos. Nele,
nossa fugaz existência é recente. Somos primatas adaptados que, nesse trajeto,
o da adaptação, inventamos a emoção e a razão. A literatura, então, esse
peculiar modo de conviver com a finitude e fazer de conta que não, ainda não, é
a forma mais evoluída que temos para aceitar que somos, também, animais em
extinção.
As palavras, evidências de nossa humanidade, tornam-se, cada
vez mais rapidamente, pontes. Em torno delas, as mais variadas paisagens
indicam de onde viemos e para onde desejamos ir. Escrever, então, é deixar
marcas. Pegadas, como as encontradas pelo personagem Levain, de O
planeta dos Macacos (2015, p.27), em sua primeira incursão em Soror,
um dos planetas de Betelgeuse – estrela de primeira grandeza da
Constelação de Órion. Essas marcas, datadas, indicam nossa passagem pela
linguagem – o tanto próximos que estamos dela – em um tempo único: o ano de 2016,
que rapidamente de esvai, como areia fina nas mãos.
As histórias, inventadas, passam a existir pelas palavras.
Cada uma delas, oriundas de outras palavras também inventadas é cotidianamente escolhida
para produzir mais e mais: palavras, sentidos, inventos. Escrever, então, é
inventar, emocionar, permanecer.
A literatura, mesmo na idade adulta é uma brincadeira: com
regras que posso escolher, com personagens que decido conhecer, com emoções que
busco reiterar, com questões que temo/desejo enfrentar. A literatura é o melhor
de nós, pois anuncia, reflete e enterra a humanidade. É melhor que nós, cada um
de nós, pois transmuta em permanências essa “humanidade enterrada”.
Se a literatura é um brinquedo, se ela precisa ser organizada
para que todos joguem, o que nos cabe, como professores?
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