Cristina Maria Rosa
Cada vez mais cedo
em nossa sociedade a tarefa de receber e inserir crianças na aquisição, organização
e aprimoramento da “faculdade cognitiva exclusiva da espécie humana” (BAGNO,
2014) – a linguagem – tem sido de responsabilidade dos professores e cuidadores
nas escolas infantis.
Quando chegam, os
pequenos, com meses de vida, balbuciam, resmungam, dão gritinhos, sorriem,
choram. São tentativas de representar e expressar simbolicamente sua
experiência de vida. Neste momento, mesmo sem saber, contam com os
representantes maduros da espécie que, supostamente, possuem experiência para
inseri-los no experimento que é a aquisição da linguagem oral.
Individual do ponto
de vista interior (das estruturas necessárias para a aquisição) e social, do
ponto de vista da cultura disponível, o pequeno exemplar humano depende da
qualidade das interações para o seu desenvolvimento. Essa dependência é vital:
quanto mais elaborada a linguagem ofertada pelo adulto, mais qualificado é o
processo de aquisição, internalização, confronto e expressão do que sente o
pequeno.
Ao “adquirir,
processar, produzir e transmitir conhecimento” (BAGNO, 2014, 192), ou seja, ao
ouvir e perceber as ações e reações dos adultos aos seus primeiros sinais de
comunicação, a criança é apresentada ao processo mais bem acabado do que
conhecemos como adaptação: o pensamento e a linguagem. Neste processo
individual mediado, os demais representantes experientes da espécie funcionam
como espelho. É o adulto (mãe, professor, médico) que tem a chave de acesso ao conhecimento (o que é falar/o que é
calar), do tempo (quando
falar/quando calar), do espaço (onde
falar/calar) e causalidade (por que
e para que falar/calar).
Internamente, é a partir
de reflexos inatos (que todos temos) mediados pela inteligência (que possuímos
ao nascer) e pelas interações culturais (a experiência do grupo social no qual
a criança nasce) que as Sinapses[2] passam
a responsabilizar-se por nossa educação humana, ou seja, trabalham, a partir de
estímulos, para tornar um bebê – indefeso e precariamente organizado para se
comunicar ao nascer – em um adulto experiente. Essas sinapses precisam de
alimento e, assim como nosso corpo, refletem o tipo, frequência e qualidade do
estímulo que recebem.
As teses do
epistemólogo suíço Jean Piaget (1896-1980) indicam que o desenvolvimento
cognitivo é construído a partir do biológico[3]. Assim,
a inteligência começa a se organizar por meio de reflexos inatos e são atos de
adaptação ao meio físico, exterior, ao universo do indivíduo. Para ele, a
capacidade cognitiva é que constrói mentalmente as estruturas capazes de serem
aplicadas às do meio e, assim, a criança constitui sua inteligência através da
interação com o mundo, com e através dos esquemas mentais que possibilitam
apreender a realidade. Para Piaget (1975), ainda, a construção das capacidades
intelectuais ocorre por estágios e, em cada um deles, a criança desenvolve um
conjunto de esquemas cognitivos que lhe possibilita compreender o mundo e atuar
sobre ele, ou seja, manifestar-se, falando ou calando.
Assim como seu
contemporâneo Jean Piaget, Lev Semenovitch Vygotsky (1896-1934) foi um cientista que
buscou conhecer os processos de formação da inteligência (o pensamento e a
linguagem, preponderantemente). Para el, é nos primeiros meses de vida (primeira
infância ou fase pré-intelectual) que algumas funções sociais da fala se tornam aparentes: a criança tenta atrair
a atenção do adulto por meio de sons diferenciados, em variados tons e
intensidades. Intenta, com isso, obter retorno a suas demandas: organizar o
pensamento, comunicar-se, falar, expressar, simbolizar.
Observa-se
– a partir dos estudos de Vygotsky, (1991) – que aproximadamente até os dois
anos, as crianças possuem um pensamento
pré-lingüístico e uma linguagem
pré-intelectual, ou seja, há desconexão entre o que se faz, pensa, fala. A partir
daí, eles se encontram e se unem, iniciando um novo tipo de organização do
pensamento e da linguagem.
Nos
estudos de Piaget esse período inicial é nomeado de sensório-motor ou da inteligência
prática. Período que abrange do zero aos dois
anos de idade, nele o conhecimento relaciona-se com as ações que, por sua vez,
são coordenadas pelas percepções. Ao
longo do período, o bebê e/ou a criança pequena constrói/apreende uma série de
conceitos imprescindíveis à evolução das capacidades intelectuais, como, por
exemplo, a permanência do objeto, a capacidade de imitação e representações mentais cada vez mais
complexas, que a tornam capaz de atividade cognitiva futuras, entre elas a capacidade
de representação mental dos objetos. É nesse momento
que se evidencia, nas crianças, o pensamento
verbal, mediado por conceitos relacionadas à linguagem e a fala racional, com função simbólica,
generalizante. É nesse momento que as crianças descobrem que cada objeto tem
seu nome. A fala, então, começa a servir ao intelecto e os pensamentos começam
a ser verbalizados. Assim, segundo Vygotsky, o desenvolvimento do pensamento é
determinado pela linguagem, pelos instrumentos lingüísticos do pensamento e
pela experiência sócio-cultural da criança.
O segundo estágio
do desenvolvimento intelectual é denominado por Piaget de Pré-operatório e ocorre dos dois aos sete anos de idade.
Caracteriza-se pela elaboração da relação de causalidade e das simbolizações,
ou seja, a criança reduz a dependência das diversas sensações e ações motoras.
Outra característica desse tempo, de acordo comas teses de Piaget é o
egocentrismo, caracterizado pela impossibilidade do pequeno de observar o mundo
da perspectiva dos demais, do outro.
É no estágio pré-
operacional que ocorre a passagem do plano
da ação para o plano da
representação, o que é caracterizado pelas primeiras condutas simbólicas.
Neste estágio ocorre o aparecimento da linguagem, da brincadeira simbólica e da
imitação que se dá na ausência do modelo. Gradual, esse processo de
transformação do nível das ações para o nível da constituição das operações
mentais, prepara o infante para a construção das operações lógicas elementares
e marca, de acordo com Piaget, o início da linguagem. De acordo com Dias
(2010),
O surgimento
da linguagem parece apresentar estreitas relações com os aspectos cognitivos. A
teoria piagetiana sugere que o desenvolvimento linguístico depende do
desenvolvimento da inteligência, sendo considerado uma forma de representação
desta última. Para o teórico, o desenvolvimento cognitivo que irá possibilitar
o nascimento do simbolismo (DIAS, 2010, p. 7).
Por ser
uma faculdade cognitiva
exclusiva da espécie humana, a linguagem – capacidade de
expressar o que pensamos, sentimos, observamos, aprendemos – depende de
experiência. Assim, ao interagir com crianças pequenas, entre os primeiros
meses de vida e os cinco anos, cabe ao educador nomear e o mundo, dando sentido
às demandas dos pequenos, oferecendo a eles o universo conceitual disponível,
especialmente pela linguagem verbal em sua forma oral não coloquial e em sua
forma escrita, preponderantemente, uma vez que é para aprendê-la que as
crianças ingressam na escola.
Sugestões
de Leitura:
BAGNO, Marcos. Linguagem. Glossário
CEALE. Belo Horizonte: UFMG/CEALE/FaE, 2014. Disponível em: http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/
DIAS, Fernanda. O desenvolvimento
cognitivo no processo de aquisição de linguagem. Letrônica, Porto Alegre v.3,
n.2, p.111, dez./2010. Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/letronica/article/viewFile/7093/5931
KOLL, Marta de Oliveira. Vygotsky: Aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. São Paulo:
Scipione, 2010.
[1] Pedagoga, Mestre e Doutora
em Educação, Pós-Doutora em Estudos Literários na Educação (UFMG, 2011)
coordena o GELL – Grupo de Estudos em Leitura Literária; é Líder do GPELHL -
Grupo de Pesquisa Escritas, Leitores e História da Leitura (CNPq, 2009) e Coordena
o Núcleo Sul em Prosa e Verso, que
integra o movimento Brasil Literário.
[2] Processo de
comunicação entre as células nervosas – Neurônios – responsáveis por todas as
nossas sensações, sentimentos, pensamentos, respostas motoras e
emocionais, a aprendizagem e a memória. São os neurônios que, continuamente
coletam informações sobre o estado interno do organismo e de seu ambiente externo,
avaliam essas informações e coordenam atividades apropriadas à situação e às
necessidades atuais da pessoa. As sinapses são trocas – via impulsos nervosos.
As sinapses são processos químicos de interação. A interação é efetuada pela
liberação de substâncias químicas chamadas neurotransmissores, que
promovem mudanças excitatórias ou inibitórias, ou seja, permitem que as células do cérebro
"conversem entre si". Foi a evolução/adaptação do corpo humano
desenvolveu um grande número desses mensageiros
químicos para facilitar a comunicação interna e a transmissão de sinais
dentro do cérebro. Quando tudo funciona adequadamente, as comunicações internas
acontecem sem que sequer tomemos consciência delas.
[3] Para Piaget, o conhecimento é gerado através de
interações do sujeito com o meio, a partir das estruturas existentes. Assim, a
aquisição de conhecimentos depende tanto das estruturas cognitivas do sujeito
como de sua relação com os objetos de conhecimento.
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