Pelo fim do improviso: uma prática pedagógica que valorize a
pluralidade étnico-racial na escola e fora dela.
Cristina Maria Rosa
Resumo: No texto convido pedagogas e pedagogos a estarem atentos para que todos tenham acesso a conhecimentos básicos tidos como fundamentais para a instituição de novas relações étnico-raciais no exercício profissional.
Com o
tema “Reconhecimento, Justiça e Desenvolvimento”, entra em vigor de
1º de janeiro de 2025 a 31 de dezembro de 2034, a segunda Década
Internacional para os Afrodescendentes. A decisão foi adotada, por consenso, em
17 de dezembro de 2024, na 79ª Assembleia Geral das Nações Unidas. A renovação,
de acordo com comunicado conjunto dos ministérios da Igualdade Racial e das
Relações Exteriores do Brasil, representa uma nova oportunidade para que
afrodescendentes possam usufruir plena e efetivamente dos benefícios do
desenvolvimento sustentável e de todos os seus direitos humanos (por Tania
Regina Pinto, 2024[1]).
A Pedagogia vem sendo convidada, desde 2004, a implementar sua capacidade
de compreender a importância das questões relacionadas à diversidade
étnico-racial. Concomitante a sua sólida formação na área específica de
atuação, o objetivo é que lide positivamente com estas questões e, sobretudo, crie
estratégias pedagógicas que possam auxiliar a reeducar pessoas. Assim, nós,
pedagogas e pedagogos, devemos estar atentos para que todos, além de ter acesso
a conhecimentos básicos tidos como fundamentais para a vida integrada à
sociedade e exercício profissional competente, recebam formação que os capacitem
para forjar novas relações étnico-raciais.
Professores qualificados para o ensino das diferentes áreas de
conhecimentos nos anos iniciais, o convite é para que sejamos sensíveis e
capazes de direcionar positivamente as relações entre pessoas de diferentes
pertencimentos étnico-raciais, no sentido do respeito e da correção de posturas,
atitudes e palavras.
Tarefa que deve ser abraçada pela Pedagogia desde que o Parecer
CNE/CP 03/2004 deu argumentos para a instituição da LEI Nº 10.639, de 9 de
janeiro de 2003, é importante destacar que não se trata de mudar um foco
etnocêntrico por outro e, sim, ampliar a capacidade de os currículos escolares abarcarem
a diversidade cultural, racial, social e econômica de e em nosso
país. E é por isso que cabe a cada um de nós, professores e professoras, incluir
no contexto dos estudos e atividades desenvolvidos diariamente na escola, as
contribuições histórico-culturais dos povos indígenas e dos descendentes de
asiáticos, além das de raiz africana e europeia.
Mas, prioritariamente, o que se deseja, a partir das Diretrizes
Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana é que se repensem relações
étnico-raciais, sociais, pedagógicas, procedimentos de ensino, condições
oferecidas para aprendizagem, objetivos tácitos e explícitos da educação
oferecida pelas escolas
Formação e trabalho na escola
A Pedagogia pode e deve capitanear a implantação dessas Diretrizes
nas escolas. Primero, porque é nesta licenciatura que se formam os profissionais
que vão atuar nos primeiros níveis de escolaridade – na Educação Infantil e no
Ensino Fundamental. É neste tempo de viver em grupo na escola que nossos bebês,
crianças bem pequenas, crianças pequenas e crianças até 12 anos incompletos
apendem valores, sentido ético, respeito. E todos os outros preceitos, normas,
regras, juízos e conceitos constituidores da vida em sociedade. Assim, cabe à Pedagogia
dar o pontapé inicial na formação integral e não-preconceituosa para as
relações étnico-raciais, em especial à inclusão de estudo das histórias dos
povos que integram a formação cultural brasileira: africanos, asiáticos, europeus
e os povos indígenas.
Mas, a Pedagogia não atua apenas na formação de crianças. Ela está
integrada, como estrutura curricular, em todas as demais licenciaturas e, desse
modo, pode e deve implementar nelas, o estudo, a compreensão, a validação e as alternativas
metodológicas das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana. Na escola, outro local em que a presença de Pedagogas/os é intensa
e importante, cabe à/ao profissional promover, através da Coordenação Pedagógica,
a formação para a implantação de estratégias pedagógicas de valorização da
diversidade, a fim de superar a desigualdade étnico-racial presente na educação
escolar brasileira, nos diferentes níveis de ensino.
Reconhecer a necessidade e a premência de políticas educacionais e
trabalhar no sentido de implantá-las, quando existentes, é envolver-se com a
certeza de que direitos sociais, civis, culturais e econômicos são para todos.
A valorização da diversidade significa gritar que somos melhores porque somos brasileiros
descendentes dos povos indígenas, de asiáticos, africanos e europeus. Essa
pluralidade reconhecida e afirmada na escola requer mudança nos discursos,
raciocínios, lógicas, gestos, posturas, modo de tratar as pessoas.
Tarefas
Uma das tarefas, com certeza, é conhecer a história e cultura de
cada um desses povos; em especial, trabalhar cotidianamente para desconstruir o
mito da democracia racial na sociedade brasileira. A Lei 10.639/2003, que estabelece
a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileiras e africanas em
todos os níveis e modalidades da Educação Brasileira completou 21 anos em 2014.
Adulta, forte, alterou a Constituição Federal e a LDB (Lei 9.394/1996) e seu ideal
é a divulgação e produção de conhecimentos, a formação de atitudes, posturas e
valores que eduquem cidadãos orgulhosos de seu pertencimento étnico-racial para
interagirem na construção de uma nação democrática, em que todos, igualmente,
tenham seus direitos garantidos e sua identidade valorizada. É sobre esse
orgulho que se trata o exercício profissional da Pedagogia! Estima, autoestima
e respeito à integridade do eu, do outro e de todos nós é o que move nossa
professoralidade. O direito a nos reconheceremos na cultura nacional, expressarmos
visões de mundo próprias, manifestarmos com autonomia individual e coletiva nossos
pensamentos é a estrutura mental e emocional de existência no público, em especial,
na escola, um direito humano subjetivo.
Escolas devidamente instaladas e equipadas, orientados por
professores qualificados para o ensino das diferentes áreas de conhecimentos e com
formação para lidar com as tensas relações produzidas pelo racismo e
discriminações, sensíveis e capazes de conduzir a reeducação das relações entre
diferentes grupos étnico-raciais é o que move a existência dessa tão importante
lei. Condições materiais das escolas e de formação de professores são elementos
indispensáveis para uma educação de qualidade, para todos.
Pelo fim do improviso...
Para obter êxito na apresentação, estudo, validação e implementação
dessa lei, a escola e seus professores não podem improvisar. Têm que desfazer a
mentalidade racista e discriminadora secularmente instituída e superar o
etnocentrismo europeu, reestruturando relações étnico-raciais e sociais,
desalienando processos pedagógicos.
Mas, para que essas políticas se implementem realmente, não podemos
nos ater a discursos repletos de palavras. No intuito de compreender desigualdades
sociais, econômicas, educativas e políticas, é necessário nos capacitarmos
ouvindo estudiosos que analisam, criticam e propõem.
É com “pedagogias” de combate ao racismo e a discriminações que
podemos nos cercar de atitudes vinculadas às leis para atuar: na escola, com pares
e demais colegas na cidade. Mas, ainda e sempre, com nossos filhos, família ampliada,
amigos e amigas.
As proposições pedagógicas de combate ao racismo e a discriminações
devem ser elaboradas com o objetivo de fortalecer entre todos, asiáticos,
indígenas, negros e brancos a consciência das influências, das contribuições, da
participação e importância de sua história e cultura no jeito de ser, viver e
de se relacionar com as demais pessoas.
Por fim, necessário um processo de reconhecimento, por parte do
Estado, da sociedade e da escola, da dívida social que todos temos em relação aos
segmentos não brancos da população, possibilitando desse modo, uma tomada de
posição explícita contra o racismo e a discriminação racial.
Glossário
Afrodescendente: adotado oficialmente após a conferência da Organização das Nações
Unidas sobre racismo e xenofobia, realizada em Durban, África do Sul, em 2001,
é um termo que permite a visualização de um grupo de origem
ancestral africana, independente do fenótipo.
Democracia Racial: mito que difunde a crença de que, se os negros não atingem os
mesmos patamares que os não negros, é por falta de competência ou de interesse,
desconsiderando as desigualdades seculares que a estrutura social hierárquica
cria com prejuízos para os negros.
Diversidade: o que distingue os grupos que compõem a população
brasileira.
Índio: palavra criada pelo colonizador para identificar qualquer integrante
dos povos indígenas originários.
Japonês ou chino: palavras criadas pelo colonizador para identificar qualquer integrante
dos povos asiáticos.
Negro e/ou preto: palavras criadas pelo colonizador para identificar
afrodescendentes.
Parecer CNE/CP 03/2004: é um documento que trata de política curricular, fundada em
dimensões históricas, sociais, antropológicas oriundas da realidade brasileira,
e busca combater o racismo e as discriminações que atingem particularmente os
negros;
Políticas de ações afirmativas: políticas de reparações, e de
reconhecimento e valorização de sua história, cultura, identidade da população
afrodescendente;
Portadores de singularidade irredutível: pessoas
pertencentes a comunidades étnico-raciais que são fenotipicamente reconhecidas
como tal.
Reparação: é a atitude de ressarcir os descendentes de africanos negros, dos
danos psicológicos, materiais, sociais, políticos e educacionais sofridos sob o
regime escravista, bem como em virtude das políticas explícitas ou tácitas de
branqueamento da população, de manutenção de privilégios exclusivos para grupos
com poder de governar e de influir na formulação de políticas, no pós-abolição;
Políticas de reparações: disposto na Constituição Federal, Art. 205, que assinala o dever
do Estado de garantir indistintamente, por meio da educação, iguais direitos
para o pleno desenvolvimento de todos e de cada um, enquanto pessoa, cidadão ou
profissional;
Políticas de reparação a afrodescendentes: garantia de
ingresso, permanência e sucesso na educação escolar, de valorização do
patrimônio histórico-cultural afro-brasileiro, de aquisição das competências e
dos conhecimentos tidos como indispensáveis para continuidade nos estudos, de
condições para alcançar todos os requisitos tendo em vista a conclusão de cada
um dos níveis de ensino, bem como para atuar como cidadãos responsáveis e
participantes, além de desempenharem com qualificação uma profissão.
Para saber mais...
Para compor esse texto, tive acesso (li, estudei, pensei sobre, citei)
a alguns documentos, entre eles, os seguintes documentos:
1.
Convenção da UNESCO de 1960,
direcionada ao combate ao racismo em todas as formas de ensino, disponível em:
< CONVENÇÃO
Nº 169 DA OIT>.
2.
Conferência Mundial de Combate ao
Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Discriminações Correlatas de 2001,
disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/150033-declara%C3%A7%C3%A3o-e-plano-de-a%C3%A7%C3%A3o-de-durban-2001.;
3.
Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasil, MEC, 2004;
4.
LEI Nº 10.639, de 9 de janeiro de
2003, que altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da
Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura
Afro-Brasileira", e dá outras providências;
5.
Parecer CNE/CP 3/2004, sobre as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, aprovado em 10/3/2004;
6.
RESOLUÇÃO Nº 1, de 17 de junho de
2004, do CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO que institui Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
[1]
Artigo intitulado Afrodescendência, uma questão, está disponível em https://primeirosnegros.com/afrodescendencia/.
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