A linguagem humana
A linguagem é uma criação humana, é um legado de gerações repleto de marcas culturais que tendem a indicar seu uso e atribuição de sentido. Assim, é necessário considerar que os sujeitos envolvidos com sua aprendizagem, na escola, são oriundos de diferentes relações de significado com a leitura e a escrita.
A linguagem é uma criação humana, é um legado de gerações repleto de marcas culturais que tendem a indicar seu uso e atribuição de sentido. Assim, é necessário considerar que os sujeitos envolvidos com sua aprendizagem, na escola, são oriundos de diferentes relações de significado com a leitura e a escrita.
Para poder ensinar mais e melhor,
é interessante saber o que esses sujeitos – nossos estudantes crianças, jovens ou
adultos – já sabem sobre a linguagem (variedades, oralidade, escrita, leitura, modos de ler, funçõies da escrita na sociedade e na escola) e intervir no que ainda precisam saber.
Um teste como primeiro passo
Um dos argumentos é que o
professor precisa conhecer o que seus alunos sabem sobre a leitura e o
letramento. Então, investigar deve ser o primeiro passo, pois todo processo
educativo deve partir do que os envolvidos sabem. Desse modo, investiremos
naquilo que o grupo não sabe e quer ou deve saber. Saber o que elas já sabem é
fundamental para não perder tempo com o óbvio e investir tempo no
imprescindível. Por exemplo: A maior parte das crianças que chegam à escola já
sabe escrever seu nome. Os nomes se escrevem com letras. É desnecessário
apresentar as letras às crianças. Mas é imprescindível que elas compreendam que
se usam as mesmas 26 letras para escrever todos os nomes e todas as coisas que
ser quer dizer em nossa língua.
O primeiro passo é escolher um grupo de impressos conhecidos
por grande parte das pessoas que serão testadas. Esses impressos devem estar
inseridos em práticas de uso da língua escrita, ou seja, fazer parte do
universo cultural mais imediato das pessoas, como por exemplo:
a) Embalagem de um produto alimentício
b) Encarte de supermercado ou farmácia
c) Exemplar de jornal diário da cidade
d) Livro de literatura infantil.
O foco desse teste de leitura é averiguar o conhecimento da
escrita e a correspondência entre o lido e o conteúdo. Deve ser feito com cada
um dos impressos escolhidos separadamente. A intenção, no teste de leitura, é
averiguar se os sujeitos lêem o que está escrito e se conhecem o valor cultural
do artefato escolhido.
O professor deve mostrar o impresso escolhido e perguntar “O
que é isso?” a todos e a cada um, permitindo que todos observem e respondam. É
importante que todos escutem o que o colega falou.
2. Passo dois: dar a palavra a
todos, ouvir e anotar as respostas
Durante as respostas, o professor não intervém informando o
correto, mas instiga, repetindo, perguntando, questionando as respostas dadas
pelos estudantes: - É Um saco de biscoito? Um pacote de biscoito? Um pacote de
bolachas? Um saco de guloseimas?
3. Passo três: Perguntar onde está
escrito
4. Passo quatro: anotar
O professor deve anotar (ou gravar e depois transcrever)
todas as respostas dos estudantes. O objetivo é conhecer o espectro de
possibilidades de pensamento, conhecer todas as informações disponíveis,
naquele grupo, sobre o impresso estudado.
5. Passo cinco: planejar
A partir do que observou e anotou, o professor poderá
planejar como deverá ser seu retorno aos estudantes com relação ao impresso
estudado, no que diz respeito às letras que ali se encontram.
Exemplo um: as crianças conseguiram ler “biscoito”.
Então, o professor afirma que sim, é isso mesmo que está escrito e complementa
afirmando que sempre que aquelas letras estiverem naquela ordem a palavra lida
será “biscoito”;
Exemplo dois: as crianças não conseguiram ler.
Nesse caso, o professor instiga-os a pensarem sobre as possibilidades de
palavras ali escritas (biscoito, bolacha, guloseimas); instiga-os a buscarem
outras palavras conhecidas (nomes de crianças, brinquedos, alimentos) que
iniciem com o mesmo grafema que a palavra escrita para “ensinar” que sim, ali
está escrito biscoito.
Como se faz o teste de letramento?
Um teste de letramento vai averiguar o sentido que o
impresso tem para os estudantes e deve ser feito ao mesmo tempo em que o teste
de leitura. Após a rodada do teste de leitura, as questões que envolvem saberes
para além da leitura de letras, devem ser feitas, com o intuito de averiguar a
amplitude dos saberes.
O foco, neste caso, é conhecer se os estudantes sabem o que
é uma embalagem (a função dela), quais as informações intrínsecas a ela e quais
as que não podem faltar e, ainda, quais as relações possíveis entre este
impresso e os demais impressos para alimentos disponíveis no mercado.
Como executar?
Funciona como um jogo de “passar a palavra”, ou seja, cada
resposta dada pelos estudantes vai sendo incorporada à anterior, aprimorando e
complexificando uma única construção conceitual.
O professor deve ser o maestro desse jogo, perguntando,
devolvendo a palavra, unindo as respostas, até que se chegue a um conceito
amplo de embalagem de biscoito. Não é necessário, neste primeiro momento, que
se elabore um conceito completo e correto, mas é necessário que se busque essa
complexidade.
O foco é que todos aprendam a pensar:
- sobre a função social da escrita: o que se escreve em uma
embalagem, por que se escreve, o que não pode faltar, o que é desnecessário;
- sobre a escrita em si, ou seja, como se elabora um
conceito e como se registra esse em nossa língua materna.
Ao perguntar “O que é isso?”, o professor vai ouvir
diferenciadas respostas. Sua tarefa, então é devolver aos estudantes as
respostas em forma de pergunta, para que eles analisem o que disseram. Assim:
- É um saco, um pacote ou um plástico? É um saco de bolachas, um saco com bolachas, um plástico com biscoitos, um plástico de biscoitos, um pacote de biscoitos,
um pacote com biscoitos ou um saco de papel com biscoitos dentro? Não é nada disso? Não é nenhum destes? O que
é então?
Deve-se chegar a uma conclusão, a
um conceito que todos concordem que represente o impresso, mesmo que a palavra
embalagem não apareça. Esse conceito
agregador deve ser repetido oralmente e escrito no quadro, pelo professor.
Deve ser tomado, pelo professor, como o conceito inicial. Sobre ele é que o
professor vai planejar sua próxima atitude: complexificar e aprimorar a
oralidade e a escrita.
No teste de Leitura:
1.
A primeira intenção
é desenvolver a capacidade de leitura/decifração, ou seja, saber se as crianças
identificam os grafemas, a ordem deles (se compreendem que o valor posicional
de cada grafema modifica a escrita) e se conseguem realizar a leitura do que
está escrito.
2.
A segunda intenção
é observar se a resposta dada se aproxima do que deveria estar escrito, quando
quem respondeu não sabe o que está efetivamente escrito. Por exemplo: algumas
crianças respondem a pergunta “o que está escrito?”, falando: bolacha,
biscoitinhos, deliciosos biscoitos, gostosuras, pacote... Essas respostas se
aproximam do que está escrito e indicam que a criança sabe do que se trata,
embora não saiba ler.
Quando elas não sabem o que está
escrito e nem o que poderia estar, temos que averiguar com outro impresso que
seja mais próximo de seu universo cultural. É muito raro que as crianças não
tenham nenhuma noção do que poderia estar escrito.
No teste de letramento:
Assim, o sujeito “letrado” é aquele que sabe o que está
escrito, que sabe que aquela é uma embalagem, que embalagens se modificam, sabe
quais as informações que não podem faltar em uma embalagem, quais as que são
dispensáveis e consegue estabelecer relações entre esse produto e outros,
similares, no mercado. É raro um estudante saber tudo isso, mas é isso que, ao
final de um programa de estudo sobre a embalagem ele deve saber. Os resultados
de um teste de letramento indicam ao professor o quanto eles sabem e o que
querem ou precisam saber.
Anotando, no quadro, o conceito
original oriundo da descrição oral que os estudantes, a princípio, fizeram, o
professor pode, por comparação, ao final do trabalho, mostrar a eles o quanto
eles sabiam e o quanto aprenderam. Esse é o caminho, o processo de aprendizagem
que o teste de letramento permite realizar.
Todos os estudantes, ao serem confrontados com sua
capacidade oral de descrição e, ao mesmo tempo, ouvindo os colegas e as
perguntas do professor, têm a oportunidade de redimensionar sua descrição,
refazer sua argumentação, redefinir palavras, termos e conceitos utilizados.
Essa habilidade, se desenvolvida oral e por escrito, leva ao poder de
argumentar.
Desse modo, desenvolve-se, primeiro oralmente, e depois por
escrito, a descrição do material selecionado, com o intuito de conhecer o que
as crianças já sabem sobre um impresso desse tipo.
Um roteiro
Para organizar
a construção de sentido e a construção de um conceito a respeito de um objeto
qualquer, sugiro um roteiro:
1.
É uma embalagem?
2.
O que é uma
embalagem?
3.
O que está escrito
nela? (descrição imediata);
4.
Ao ler essa
informação eu sei o que tem dentro? (nome igual conteúdo);
5.
Como posso saber se
os biscoitos são doces ou salgados? (tipo de produto);
6.
Como posso saber a quantidade
de biscoito que há nessa embalagem?
7.
Como eu posso saber
se o biscoito pode ser consumido? (data de validade);
8.
Como posso saber a
quem reclamar se o biscoito estiver estragado? (responsabilidade técnica e de
produção);
Desse modo, desenvolve-se,
primeiro oralmente, e logo a seguir por escrito, a descrição do material
selecionado, com o intuito de conhecer o que as crianças já sabem sobre um
impresso desse tipo. O objetivo é conhecer, através do que ainda não se sabe, o
que é preciso conhecer. A tarefa do professor é anotar as respostas para poder
intervir em um próximo momento.
A seguir, algumas interessantes indicações de leitura que
vão complementar e ampliar seus conhecimentos sobre leitura, letramento e
alfabetização. Não deixe de consultar o site do Centro de Alfabetização Leitura
e Escrita (CEALE) da FaE/UFMG, disponível em:
http://www.ceale.fae.ufmg.br/institucional.php e não deixe de ler
http://crisalfabetoaparte.blogspot.com/
Referências:
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Alfabetização e leitura. São Paulo: Cortez, 1994.
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NEVES, I. Ler e
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ROSA, C. Literatura
na Escola: por uma leitura não convencional do mundo. Artigo Publicado em
09/05/2011 in:
http://crisalfabetoaparte.blogspot.com/2011/05/literatura-na-escola-por-uma-leitura.html
ROSA, C. Onde está
meu ABC de Erico Verissimo? Artigo Publicado em 09/05/2011 In:
http://crisalfabetoaparte.blogspot.com/2011/05/onde-esta-o-meu-abc-de-erico-verissimo.html
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R. Leitura: Perspectivas interdisciplinares. São Paulo, Ática, 1999.
SOARES, M.
Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte, Autêntica, 1999.
SOARES, M.
Linguagem e Escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 1988.
TEBEROSKY, A. e
COLOMER, T. Aprender a Ler e Escrever: Uma Proposta Construtivista. Porto
Alegre: Artmed, 2003.
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