ACADEMIA PELOTENSE DE
LETRAS
ACADÊMICA: CRISTINA MARIA ROSA
Posse na Cadeira 16
Patrono: Antonio José Gonçalves Chaves
Paraninfa: Gilsenira de Alcino Rangel
Salão de Atos da Academia Pelotenses de Letras
Parque Dom António Zattera, 500
19 horas – 29 de agosto de 2014
Ao tomar posse na Cadeira
16 de Academia Pelotense de Letras, cujo patrono é Antônio José Gonçalves
Chaves, tenho por compromisso reapresentá-lo a todos nós. Para tal, recorri a
dois estudiosos de nossas letras e costumes: Guilhermino César e Auguste de
Saint-Hilaire e a suas obras: História
da Literatura do Rio Grande do Sul (1737-1902), publicado pela Editora
Globo, em 1956, e Viagem ao Rio Grande do Sul (1820-1821), publicado na Europa em 1887 e, cem anos depois, 1987, de forma
completa no Brasil.
Guilhermino César reconhece[1]
Gonçalves Chaves como o primeiro “natural da terra” a
dar notícias profundamente circunstanciadas da “vida econômica, social e política”
da Província e ressaltar o “estágio cultural dos rio-grandenses”. Ao indicar
grande preocupação com a falta de escolas de primeiras letras, Gonçalves Chaves
produziu um dado biográfico definidor em minha escolha por representá-lo,
homenageá-lo, mantê-lo vivo, uma vez que sou eu uma professora de primeiras
letras.
Nascido no ano de
1781, em São Tiago d’Ouro, Comarca de Chaves, o filho de Manuel José de Moraes e Izabel Maria Gonçalves chegou solteiro
ao Brasil em 1805. De seu lugar de origem, Comarca
de Chaves, incorporou mais um sobrenome aos
recebidos em batismo. Afirmando, ainda jovem, que tinha apreço pela memória,
por ser herdeiro, pelo pertencimento, nomeou-se Gonçalves – da mãe – e Chaves,
da comarca onde nascera. Duas mães, a terra e a biológica. Interessante, muito
interessante. Este, mais um dos dados de sua biografia que me tornam
interessada em conhecê-lo melhor.
Ao adotar o Brasil
para viver e prosperar inventou-se navegador, escritor, político, charqueador.
Suas Memórias Ecônomo-Políticas, citadas
pelos dois estudiosos, foram publicadas no Rio de Janeiro. Em número de cinco[2], indicam que não era um
marinheiro de primeira viagem. Resultado de dezesseis anos de observação e
análise das peculiaridades locais do Rio
Grande de São Pedro do Sul, produziu um riquíssimo relatório no qual também
denuncia o “vazio encontrado na sociedade continentina, quanto à ilustração
reclamada por seu crescimento e importância econômica”.
Referido como
possuidor de uma “prosa singela”, Gonçalves Chaves registra a ausência de
escolas para uma população de pouco mais de “106.000 almas no ano de 1823”. Em
suas palavras: “Não nos consta que haja mais de três homens formados, naturais
desta Província, e quatro meninos em Coimbra. Esta falta de gosto pelas
ciências, não se pode ter, contudo como inaptidão
para elas nos naturais” E busca argumentar, indicando que a inaptidão pelas
ciências se devia, primeiro, à falta de escolas de primeiras letras[3] e, em segundo, à pouca
idade da Província, informando que, apesar da opulência adquirida pelas
famílias, estas “lamentavam ver seus filhos, já homens” inabilitados a “entrar
em estudos” (1956, p. 68).
Para Guilhermino
César, Antonio é um “tramontano da Vila de Chaves” que “radicou-se no Rio
Grande em 1805 e, à margem do arroio Pelotas, montou uma charqueada, a mais
próspera da capitania no seu tempo”. Guilhermino refere ainda, nestas notas
biográficas retiradas das memórias de Gonçalves Chaves, a presença de
Saint-Hilaire nesta charqueada.
Outra informação
relevante a respeito de Chaves é seu caráter abolicionista, reconhecido pela proposição da extinção do tráfico de escravos
e, em longo prazo, a abolição. Segundo relatos, Gonçalves Chaves considerava que
“manter escravos num país continental era mais caro do que os alforriá-los e posteriormente
tê-los como empregados”. Controversa, a sua proposição? Para a época,
revolucionária.
E
como registra sua existência quem o conheceu?
“Margens do
Rio Pelotas, 5 de setembro de 1820”. Com essas palavras é que se inicia o
relato do conhecimento travado por Saint Hilaire com Antonio José Gonçalves
Chaves, o Sr. Chaves. Em uma viagem de Iate que partiu de Rio Grande, o
pesquisador europeu narra a passagem pelos canais de navegação da época,
chegando ao “rio chamado Pelotas, em cujas margens” estava “situada a
residência do Sr. Chaves”. E logo: “A viagem de hoje foi muito agradável. O Sr.
Chaves é um homem culto, que sabe latim, francês, com leitura de História
Natural e conversa muito bem. Pertence à classe dos charqueadores, fabricantes
de carne seca. Os charqueadores compram o gado dos estancieiros; mandam matá-lo
e retalhá-lo; a carne é salgada e, depois de seca, vendida aos comerciantes” (Saint-Hilaire
(201, p. 79).
A estada de Saint-Hilaire na “Paroquia de São
Francisco de Paula”, nossa atual Pelotas, se estendeu por dez dias. A
“fotografia” que fez do local é peculiar: “nada mais belo que a região
percorrida por nós; oferece vasta planície com alguns pontos ligeiramente
ondulados. Por toda parte o terreno apresenta gramados com árvores e bosques esparsos,
onde pastam cavalos e bois. Um grande número de belas casas cobertas de telhas
aparece aqui e elai, tendo cada uma delas um pomar cercado de valas profundas,
protegidas por um renque de bromeliáceas. (...) O aspecto da região recorda
tudo que a Europa tem de mais pitoresco: os pomares, onde só se veem árvores
novas, e as casas recém construídas dão a essas regiões um ar de frescura e
novidade que ainda mais a embeleza” (SAINT-HILAIRE, 1987, p. 80-81).
Em 11 de setembro, há um interessante apontamento no
diário de Saint-Hilaire que, incorporado .
Pioneiro da navegação a vapor, Domingos José de
Almeida também foi membro do Conselho Geral da Província e segundo deputado
mais votado à Primeira Legislatura da Assembléia Legislativa Provincial do Rio
Grande do Sul (1835), com o início da Revolução Farroupilha, filiou-se ao lado
Republicano. Após o assassinato do preceptor de
suas filhas, na Charqueada São João, retirou-se para o Uruguai, onde
estabeleceu outra charqueada. Em 1938, faleceu em um naufrágio por causa de um
temporal, no Uruguai. Sobrevivendo à Revolução Farroupilha (1835-1845) afastou-se para sua
propriedade e daí para Montevidéu, onde montou nova charqueada. Morreu em um
naufrágio em 1838.
O
legado de Antônio José Gonçalves Chaves: a Charqueada São João
Localizada na Estrada da Costa, 500,
às margens do arroio Pelotas, hoje Bairro Areal, a charqueada foi construída em
1810. Em estilo colonial português é uma propriedade ampla, na qual se pode
conhecer a opulência do período, 204 anos depois.
Um dos principais pontos turístico da
cidade, a Charqueada tem importância histórica e cultural: registra um tempo e
um modo de vida, informa e restitui o passado, reapresenta um Rio Grande do Sul
que não mais existe, embora reverbere ainda em nomes, ruas, livros, poemas e
registro jornalísticos parte de seus acontecimentos ali ocorridos. Vale a pena
conhecer esse europeu/brasileiro, navegador sul-americano, republicano
farroupilha, charqueador pelotense. Um homem à
frente de seu tempo como alguns que conhecemos e nem sempre, admiramos no tempo
certo.
Obrigada
Referências:
CESAR, Guilhermino.
História da Literatura do Rio Grande do Sul (1737-1902). Porto Alegre: Editora
Globo, 1956.
SAINT-HILAIRE,
Auguste. Viagem ao Rio Grande do Sul (1820-1821). Porto Alegre: Martins
Livreiro Editor. 2002.
[1] No capítulo III
de “História da Literatura do Rio Grande do Sul (1737-1902)”, intitulado “Dos
precursores ao início da literatura escrita”, entre as páginas 65 e 116,
Guilhermino César apresenta traços biográficos dos primeiros rio-grandenses
autores de livros impressos. Entre eles, o Antônio José Gonçalves Chaves e suas Memórias Ecônomo-Políticas.
[2] A 1ª, 2ª e 3ª foram
publicadas na Tipografia Nacional no Rio de Janeiro, em 1822; a 4ª, idem, em
1823 e a 5ª, na Tipografia de Silva Pôrto e Companhia, no Rio de Janeiro, 1823.
[3] Nas palavras de
Gonçalves Chaves: “em toda esta província até 1820 havia uma única sala de
Latim, a de Porto Alegre, que não havia uma escola de primeiras letras paga
pelo Estado em toda a Província. Em 1821 abriu-se uma aula de filosofia
racional em Porto Alegre, e duas de Latin: no Rio Grande e no Rio Pardo. E as
aulas de primeiras letras que se mandavam criar nas freguesias, ninguém as tem
querido? Porque o honorário é só de 100.000 e com menos de 400.000 não se pode
achar um mestre”.
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