Na aula de Literatura
Infantil II (Licenciatura me Pedagogia da FaE/UFPel) ocorrida em 17/09/2014, uma das estudantes perguntou:
- Professora, o que é
um clássico?
Respondi para ela,
mostrei alguns dos livros que havia levado, indiquei algumas das características
de um texto clássico. E fiquei pensando.
Por que não escrever um pequeno texto sobre isso? Vamos a ele.
Ao buscar apoio entre
os teóricos, encontrei um pequeno e claro texto do Sergius Gonzaga[2].
Ele busca delimitar ou mesmo circunscrever alguns “traços definidores do que
hoje se considera um texto clássico”. Para ele, a primeira característica é a
atemporalidade, ou seja, clássica é uma obra que ultrapassa “o seu tempo,
persistindo de alguma maneira na memória coletiva e sendo atualizada por
sucessivas leituras, no transcurso da história”.
Outra das
características mencionadas por Gonzaga em seu texto é presença, nos clássicos,
de “paixões humanas de maneira intensa, original e múltipla” e serem obras que
“registram e simultaneamente inventam a complexidade de seu tempo. A linguagem
é outra das características marcantes e definidoras de uma obra clássica, de
acordo com Gonzaga. Para ele, nas obras clássicas há a presença de “formas de
expressão inusitadas, originais e de grande repercussão na
própria história literária.
Por serem “obras de
reconhecido valor histórico ou documental, mesmo não alcançando a
universalidade inconteste”, autores nacionais ou mesmo regionais podem ser
considerados clássicos e, no Rio grande do Sul, João Simões Lopes Neto pode ser
considerado um deles. Para Gonzaga, ainda, “talvez a característica fundamental
de uma obra clássica seja a sua inesgotabilidade”, ou seja, a capacidade que um
livro tem de permanecer interessante, novo a cada leitura, múltiplo, tendo sempre
algo a nos dizer. Ele cita Calvino (1993) para corroborar sua afirmação: "Um
clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para
dizer".
Para o estudioso, um “clássico
é fundamental também pelo efeito que deflagra na consciência do leitor” e,
de acordo com esse olhar, propões que o consideremos, “simultaneamente” como “forma
única de conhecimento”, “utilização da linguagem de uma maneira exemplar,
original e inesperada” e “um conjunto de revelações, idéias e sentimentos que
têm a propriedade de durar na memória mais do que outras manifestações
artísticas”.
E na
literatura para crianças, o que são considerados clássicos?
Na literatura escrita
para as crianças, atualmente, são reconhecidos como clássicos os Contos de Fada, também nomeados Contos Maravilhosos ou Contos de Encantamento. São as
narrativas compiladas da oralidade por Charles Perrault (1628-1703) e pelos
Irmãos Grimm – Jacob (1785-1863) e Wilhelm (1786-1859) – e as narrativas criadas
por Hans Christian Andersen (1805-1875), preponderantemente.
Quais as
características desses contos maravilhosos que os tornam clássicos? Com
certeza, a longevidade, a presença intensa e concomitante nas infâncias desde
então. São narrativas que persistem na “memória coletiva” e tem sido
atualizados “por sucessivas leituras” e mesmo recontações e reescrituras.
Outra das
características dos contos maravilhosos que os tornam clássicos é a abordagem
de temas humanos, como o amor, e nele a inveja, o ciúme, as disputas e as
violações e o medo – do abandono, da solidão, da crueldade e da morte, entre
outros. Esses “temas”, tratados “de maneira intensa, original e múltipla”
encantam, produzem o desejo de serem desvendados, desvelados desde tenra idade.
Ao registrar e
simultaneamente inventar “a complexidade de seu tempo”, os contos maravilhosos revelam a infância que havia em priscas eras, e as tramas que a ela eram
pertinentes. Mesmo tendo se passado trezentos e dezessete anos de sua primeira
grafia conhecida (PERRAULT, 1697), o memorável encontro de Chapeuzinho Vermelho com o Lobo
Mau parece ser absolutamente passível de acontecer. Hoje. E em um matinho
qualquer, a caminho do Laranjal. E é isso que o torna clássico: indica uma
infância possível: ingênua, no limite entre a curiosidade e o perigo.
Uma obra, para ser
considerada clássica precisa, também, criar formas de expressão “inusitadas,
originais e de grande repercussão na própria história literária”.
Neste caso, a clássica expressão “Era uma vez...”, que abre grande parte dos
contos, além de original, tem grande impacto na memória afetiva de gerações,
sendo empregada sempre que se quer anunciar a leitura ou mesmo o mistério.
Os clássicos –
compilados e/ou inventados pelos autores acima citados – são obras “de
reconhecido valor histórico ou documental”, integrando a história da língua dos
países de origem bem como retratos de um tempo e de um modo de pensar não
apenas a infância. Pela qualidade, diversidade e contribuição à dicionarização
da língua, sua filologia e mesmo memória oral, os contos registrados pelos
irmãos Grimm, por exemplo, são considerados patrimônio cultural[3].
Outra importante razão
para os contos encantados serem
considerados clássicos é sua “inesgotabilidade”, ou seja, é possível fazer
diferenciadas e infindáveis leituras de uma mesma narrativa. Leituras e
recontos, vide as inúmeras versões hoje conhecidas de algumas das narrativas.
No Brasil, podem-se
considerar clássicas as narrativas de Monteiro Lobato, pois possuem as
características que Ítalo Calvino ressalta como indispensáveis ou mesmo
componentes de um clássico: possuem longevidade, tratam temas humanos com
intensidade, registram e simultaneamente inventam a complexidade de seu tempo,
criaram formas de expressão inusitadas, originais e de grande repercussão,
tem valor histórico e documental e oferecem uma possibilidade inesgotável de
leituras...
No entanto, diferentemente
dos clássicos universais, há algumas características que aparecem
preponderantemente em textos literários para a infância. Quais são? Entre
muitas das características que definem ou mesmo organizam um texto para que ele
seja considerado como pertencente ao campo da arte literária infantil
está a presença da magia ou de um elemento mágico, a necessidade da imaginação
ou faz-de-conta, a ancestralidade ou pertencimento, a localização geográfica e
temporal indefinida ou tempo/espaço inexistente, a literariedade ou linguagem
metafórica e a ludicidade ou mentira/verdade.
Assim, textos
literários infantis são textos que estabelecem uma conexão imediata com a
imaginação, com o mundo que existe como desejo, possibilidade. O texto
literário nos remete a situações inusitadas e podemos, através dele,
transgredir (a ordem, as leis, as regras, as idades) ou mesmo só pensar que se
faz isso. Através dele podemos brincar de ser outro, mais novo, mais
velho, com poder, sem nenhum, com muito ouro, com quase nada...
Textos literários
infantis são também textos que apresentam vínculo com a ancestralidade,
com nossa condição de humanos em sociedade. O texto literário nos faz
pertencer e nos ensina que, um dia, em torno do fogo, ouvíamos
e contávamos e, desse modo, inventávamos a linguagem...
Textos literários
infantis são os que prevêem a existência de elementos mágicos, fantásticos,
inverossímeis que, na trama, são absolutamente possíveis de existir, como a pó de pirlimpimpim... São textos
caracterizados pela presença de linguagem metafórica e em alguns casos, de
palavras ou expressões inventadas, que produzem tamanho efeito no leitor que
ele acaba acreditando nelas, vivendo-as, multipicando-as. Como exemplo, temos o
invencível traço de Eva Furnari e seu Pandolfo: "No reino da Bestolândia, havia um jovem príncipe chamado Pandolfo.
Pandolfo nada entendia de amor ou amizade...". Pronto, já entrei
no reino, visualizei Pandolfo, ele é jovem, não entende nada de amor ou
amizade, o reino existe e quero saber o que será dito na próxima página.
É Eva Furnari e suas invencionices. Literatura pura, da mais alta
qualidade.
Textos literários
infantis são brinquedos inventados por nós, através de um mecanismo incrível, o
nosso cérebro e nossa imaginação. Não há máquina que imite, é criação pura,
invencionice, bobices e gostosuras, como diz Fanny Abramovich. Doce e útil, a
literatura tem o compromisso de encantar o leitor e, ao mesmo
tempo, torná-lo mais culto, mais perspicaz, mais inteligente, mais
curioso... A obra literária não tem a tarefa de informar, embora possa fazer
isso, não tem a tarefa de educar, apesar de poder. Tem compromisso com a
imaginação, a emoção, a estética...
Simples assim...
Punto e basta!
[1] Docente na FaE/UFPel, coordena o
ALFABETA desde 2004 e o GEELHL desde 2009.
[2] Integral disponível em http://educaterra.terra.com.br/literatura/temadomes/temadomes_classicos_2.htm
[3] Os manuscritos do primeiro volume dos Contos de Fada para o Lar e as Crianças (1812) dos irmãos Grimm
foram reconhecidos pela UNESCO como patrimônio cultural da humanidade. Jacob e
Wilhelm são considerados cofundadores da Germanística, pois eram colecionadores
de textos da tradição popular escrita e falada, filólogos, historiadores de
direito e políticos. Integral em: http://www.brasil.diplo.de/Vertretung/brasilien/pt/__pr/Nachrichten_20Archiv/02.05.13_20contos_20de_20fadas.html
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