Na primeira década do século XX, mais precisamente entre os anos 1904 e 1908 a Educação do Rio Grande do Sul viveu um momento único: foi um tempo em que João Simões Lopes Neto elaborou seu projeto didático, iniciado pelo manuscrito “Artinha de Leitura”, um livro para ser “amado pelas crianças”.
Ao manuscrever e submeter a julgamento do Conselho de Instrucção Pública do RS, “Artinha de Leitura” foi anunciado pelo escritor como o primeiro de uma pretendida “Série Braziliana”. Na primeira página, logo abaixo do nome curvado como “Ordem e Progresso” da bandeira brasileira, JSLN dá nome aos volumes que se seguiriam: “II Eu na Escola”, “III Terra Gaúcha” e “IV Hinnos e Glorias do Brasil”.
Antes mesmo de serem conhecidos os manuscritos, em uma conferência intitulada “Educação Cívica”, JSLN declarara o “ideal” de criar um livro:
“(...) simples, lúcido, saudável, cantante, de alegria e caricioso, que os homens rindo de sua singeleza o estimassem; que fosse amado pelas crianças, que nele, com sua ingênua avidez, fossem bebendo as gotas que se transformassem mais tarde em torrente alterosa de civismo; um livro em que se pudesse condensar o coração meigo, valente e virtuoso da mãe brasileira; a serenidade dos nossos heróis, a independência e a probidade dos nossos estadistas, um livro vibrante em que eu pudesse fazer ressaltar a terra, o povo, a pátria, num relevo tão grande, tão firme, tão iluminado, que impressão da sua leitura fosse eterna” (JSLN in: SCHLEE, 2006, p. 280).
“Artinha da Leitura” – o livro I do projeto Simoneano – foi manuscrita e parcialmente ilustrada com colagens de recortes em 1907 e dedicada “as escolas urbanas e ruraes”. Em julho de 1908 o escritor encaminhou os originais ao Conselho de Instrucção Pública do Rio Grande do Sul conforme Ata da 5ª Reunião (21/07/1908). Nessa, o escriba da Acta registrou:
“Foram apresentados ao Conselho para julgamento os livros: Histórias de nossa Terra de Julia Lopes de Almeida e a Cartilha de leitura: Serie Brasiliana de J. Simões Lopes Netto. Em tempo declaro que este último trabalho foi apresentado em manuscrito e com o ofício do mesmo nº 2028, desta data. Resolveu o Conselho adiar para outra sessão o julgamento dessas obras” (AHRGS: Acta da 5ª Reunião - 21/07/1908).
Repousando entre raros documentos no Memorial Público do RS, é no segundo parágrafo da Acta da 6ª Sessão (25/07/1908) que se encontra o veredicto do Conselho: “Sobre a cartilha primaria ‘Serie Brasiliana’, em manuscrito, de J. Simões Lopes Netto, entende o Conselho que, não podendo o Estado impõr a orthographia seguida pelo autor, deve ser reparado o trabalho por estar em desacõrdo com o Regulamento e não obedecer ao criterio de ensino”. Assinada por Protásio Alves, Alvaro Batista, e Manuel Pacheco Prates, o “julgamento” não intimidou JSLN que imediatamente ocupou-se em redigir uma “Ligeira Contradicta” (JSLN, 1908) argumentando em favor da ortografia utilizada – motivo de sua recusa – além de se propor a refazê-la.
Ao manuscrever e submeter a julgamento do Conselho de Instrucção Pública do RS, “Artinha de Leitura” foi anunciado pelo escritor como o primeiro de uma pretendida “Série Braziliana”. Na primeira página, logo abaixo do nome curvado como “Ordem e Progresso” da bandeira brasileira, JSLN dá nome aos volumes que se seguiriam: “II Eu na Escola”, “III Terra Gaúcha” e “IV Hinnos e Glorias do Brasil”.
Antes mesmo de serem conhecidos os manuscritos, em uma conferência intitulada “Educação Cívica”, JSLN declarara o “ideal” de criar um livro:
“(...) simples, lúcido, saudável, cantante, de alegria e caricioso, que os homens rindo de sua singeleza o estimassem; que fosse amado pelas crianças, que nele, com sua ingênua avidez, fossem bebendo as gotas que se transformassem mais tarde em torrente alterosa de civismo; um livro em que se pudesse condensar o coração meigo, valente e virtuoso da mãe brasileira; a serenidade dos nossos heróis, a independência e a probidade dos nossos estadistas, um livro vibrante em que eu pudesse fazer ressaltar a terra, o povo, a pátria, num relevo tão grande, tão firme, tão iluminado, que impressão da sua leitura fosse eterna” (JSLN in: SCHLEE, 2006, p. 280).
“Artinha da Leitura” – o livro I do projeto Simoneano – foi manuscrita e parcialmente ilustrada com colagens de recortes em 1907 e dedicada “as escolas urbanas e ruraes”. Em julho de 1908 o escritor encaminhou os originais ao Conselho de Instrucção Pública do Rio Grande do Sul conforme Ata da 5ª Reunião (21/07/1908). Nessa, o escriba da Acta registrou:
“Foram apresentados ao Conselho para julgamento os livros: Histórias de nossa Terra de Julia Lopes de Almeida e a Cartilha de leitura: Serie Brasiliana de J. Simões Lopes Netto. Em tempo declaro que este último trabalho foi apresentado em manuscrito e com o ofício do mesmo nº 2028, desta data. Resolveu o Conselho adiar para outra sessão o julgamento dessas obras” (AHRGS: Acta da 5ª Reunião - 21/07/1908).
Repousando entre raros documentos no Memorial Público do RS, é no segundo parágrafo da Acta da 6ª Sessão (25/07/1908) que se encontra o veredicto do Conselho: “Sobre a cartilha primaria ‘Serie Brasiliana’, em manuscrito, de J. Simões Lopes Netto, entende o Conselho que, não podendo o Estado impõr a orthographia seguida pelo autor, deve ser reparado o trabalho por estar em desacõrdo com o Regulamento e não obedecer ao criterio de ensino”. Assinada por Protásio Alves, Alvaro Batista, e Manuel Pacheco Prates, o “julgamento” não intimidou JSLN que imediatamente ocupou-se em redigir uma “Ligeira Contradicta” (JSLN, 1908) argumentando em favor da ortografia utilizada – motivo de sua recusa – além de se propor a refazê-la.
Procurado por mais de cem anos desde que foi arquivado na Secretaria do Interior, o trabalho de Simões recebeu tratamento diferenciado de seus biógrafos. Mencionado como “livro didactico-primário” pelo autor em 1904 e como “cartilha primária” pelo Conselho de Instrução Pública (1908), foi também denominado “livro sobre motivos rio-grandenses intitulado Artinha de Leitura” por Carlos Reverbel (1945), “livro Artinha de Leitura” (Correio do Povo, 1948) e “Eu no Colégio” (1955) por Manoelito de Ornellas, “O verdadeiro Terra Gaúcha” por Carlos Francisco Sica Diniz (2003) e “livro de leitura” por Aldir Schlee (2006).
Com a chamada “Relíquia retorna a Pelotas” (ZH, 06/11/2008), a cartilha manuscrita por JSLN e doada à Universidade Federal de Pelotas pela professora Helga Piccolo (UFRGS) foi encontrada em sebo há 30 anos. Contém o carimbo da Secretaria do Interior (para onde supostamente foi enviada para arquivo em 1908), 92 páginas e se assemelha à Cartilha “Arte da Leitura” que traz o Método João de Deus de alfabetizar, utilizado no Brasil desde 1876. Doada em comodato ao IJSLN pela atual depositária, a professora Drª Beatriz Loner, coordenadora do NDH/UFPel, o manuscrito está encadernado com um capa dura, vermelha, diferente de todos os outros manuscritos deixados por JSLN, indicando que recebeu cuidados de um bibliófilo.
“Artinha de Leitura” na história da Cultura Escrita
Compondo o universo da proposição de obras destinadas à criança – ainda não designada literatura infantil – cronologicamente no Brasil temos o registro da proposição do “livro didactico-primario Artinha de Leitura” de João Simões Lopes Neto (1907), o livro de leitura “Narizinho Arrebitado” de Monteiro Lobato em 1921 e “Histórias da Teté” de Pedro Wayne em 1937.
Diferentemente das obras de Érico Verissimo escritas na década de 30 – fruto da sensibilidade do escritor com o “problema da literatura infantil” segundo Filipouski & Zilberman (1982, p. 13) –, as obras dos pioneiros Lopes Neto (1907), Lobato (1921) e Wayne (1937) podem ser consideradas a partir de seu vínculo com a escolarização, ou seja, com o desejo de disponibilizar, no momento da aprendizagem escolar, leituras adequadas ao universo dos leitores, no caso, a infância. A esse respeito Filipouski & Zilberman (1982, p. 13) afirmam que Monteiro Lobato “foi quem transformou o livro num elemento de diálogo entre a criança e o adulto, difundindo, alargando e democratizando a cultura”.
O interessante é perceber que entre os três autores que manifestaram preocupação com o que as crianças liam e escreviam na escola apenas a obra de Wayne é destinada ao aprendizado da leitura. Essa afirmação é possível quando se analisa o discurso anunciatório (que não sugere essa condição) e os manuscritos conhecidos de JSLN e, também, quando se entra em contato com o livro de Lobato “Narizinho Arrebitado” anunciado já à época, como um livro de leitura. Assim, a não ser que exista algum manuscrito inédito com essa característica – um livro de literatura infantil com clara intenção de alfabetizar – pode-se considerar o livro “Histórias da Teté” de Pedro Wayne como o único nessa condição produzido na primeira metade do século XX.
Outra consideração possível a partir de um olhar específicos dessas três obras – a condição literária e alfabetizadora – é a de que embora JSLN e Pedro Wayne não tenham publicado suas obras, o fato de terem escrito um texto especialmente para crianças faz com que figurem na historiografia da literatura infantil brasileira, ao lado de Lobato e Verissimo.
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