Idosos e Violência:
repercussões
Cristina Maria Rosa
Ao enviar a um grupo de
interlocutores o artigo “60 anos ou mais: precisamos falar sobre violência!”,
elaborado por mim e pela Cinara Postringer, intencionava dar visibilidade
a um tema que nos tornou mais sensíveis.
Diante da população que envelhece,
no Brasil como um todo e no Rio Grande do Sul, em especial, nos propusemos a
apresentar no estudo, como um grupo de jovens e idosos se manifesta quando o
assunto é a ou as violências cometidas contra os idosos.
O que nos mobilizou,
inicialmente, foi a proximidade do dia 15 de junho – Dia Mundial de
Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa – e a possibilidade de ouvir
os imediatamente envolvidos, uma vez que acessamos, desde 2018, um grupo de
idosos que estuda na UFPel em um projeto estratégico: a UNAPI – Universidade
Aberta a Idosos[1].
O que pensam da violência contra
si? Como a conceituam? Planejaram suas velhices? Vivem na velhice projetada? Desejam
outra velhice para si? Como a violência é sentida por quem têm 60 anos ou mais?
E por quem tem 30 anos ou menos?
Ao receber retornos via e-mail,
gravações de áudio, mensagens de WattsApp
e telefonemas, percebi que, pela qualidade, autenticidade e emoção das
interações, nosso artigo tinha atingido uma camada profunda dos leitores –
repercutindo e
reverberando além do que imaginávamos.
Emoções, argumentos, histórias de
vida, relatos de situações limite, descrições de eventos, disputa de conceitos
e divergência quanto à responsabilidade de cada um e da sociedade como um todo
na instauração desse “real” que é a violação de direitos, tramou a necessidade
de dar vazão às repercussões. Esse texto, então, trata do impacto que a leitura
do artigo causou em um grupo seleto de pessoas: do mundo intelectual e do mundo
do trabalho[2].
Perguntei a elas o que pensavam sobre o tema e quais suas considerações acerca
do artigo publicado em nosso BLOG. Uma das opiniões veio em forma de elogio e
alerta:
Olá, Cristina. Gostei demais do
texto! Tema muitíssimo oportuno! Abordagem maravilhosa! Veja que eu estou
falando com propriedade, pois estou nos 70. Gostei de ler, por exemplo, sobre o
conceito de violência benévola, que eu não conhecia! Gostei de ver também o
link, lá no final, tratando dos idosos no Rio Grande do Sul! Vou ler! Parabéns
pelo seu trabalho! Abraços.
Assim como a opinião acima
exposta, que se refere ao produto de nosso trabalho como oportuno, outra fonte
escreveu: “O artigo: está muito claro e abrangente, gostei muito. Leva à
reflexão sobre este assunto tão importante!”.
Houve quem se sentisse com
vontade de falar de si ou de pessoas idosas que as cercam. Como exemplo, a
solicitação de uma delas: “A pesquisa me pareceu concluída, porém, se der
tempo, eu teria a história de uma idosa para contar, algo que marcou muito a
minha vida. Se aceitar, posso redigir”. Instadas a escrever, duas enviaram
relatos. Um deles foi:
Muitas vezes, quando expressamos nossa
opinião sobre determinado assunto, buscamos por nossas experiências vividas.
Quando questionada sobre o que penso em relação a violência praticada contra
idosos, me perguntei de que maneira poderia contribuir com algo que pensava não
ter vivenciado. Na verdade, estava enganada. Presenciei a violência, assisti e
também pratiquei, por não compreender e classificar certas situações como
violentas. Sim, pois é também um ato de violência não intervir quando
percebemos que há algo errado acontecendo. Uma vez que sabemos que vamos
envelhecer, deveria ser automático o ato de colocar-se no lugar do idoso e
pensar como seria se estivéssemos na mesma posição que ele. Ocorre conosco um
fenômeno muito parecido ao que parece acontecer aos nossos pais e avós. Nós não
percebemos a passagem do tempo pelo referencial do outro. Assim como eles nos
enxergam como suas crianças, nós os vemos como a nossa fonte inesgotável de
segurança, aqueles que jamais vamos ver em situações de vulnerabilidade. Deste
modo, acabamos por não prestar atenção às dificuldades que a vida vai impondo
às pessoas, à medida que envelhecem. Sobretudo, quando estas gerações
presenciam mudanças radicais nos ramos de ciência e tecnologia. Tais mudanças
alteram o comportamento e o modo de vida de uma sociedade, que não consegue
explicar àqueles que cresceram e educaram-se em tempos sem “cliques e botões”.
A comunicação falha e as gerações se afastam. Cresci com meus avós sempre
presentes. Vivi com os avós maternos durante toda a infância e, depois, mudei para
casa da minha avó paterna, de onde só saí, no final da Faculdade. Há pouco
tempo atrás, minha família e eu não conseguíamos perceber que aquelas senhoras
cheias de energia, pediam a nossa ajuda! Até que um dia, na casa de uma das
minhas avós, começaram os desaparecimentos de objetos, o esquecimento de nomes,
lugares, pessoas e também o aparecimento dos mesmos objetos em lugares
inesperados. O diagnóstico veio rápido: Alzheimer. Minha família paterna
rapidamente se mobilizou para realizar o tratamento. Com a doença em estágio
inicial, nossa avó era ativa e fazia seus passeios como sempre gostou. No
entanto, redobramos a atenção na sua rotina e foi então que percebemos a
quantidade absurda de golpes em que ela caía todos os dias. Assinaturas de
revistas, compras desnecessárias, cartões de loja e até mesmo empréstimos
feitos sem necessidade. Descobrimos, mais tarde, que estas coisas aconteciam
mesmo antes da doença se manifestar. Alguém neste mundo percebeu que esta falha
na comunicação entre gerações, poderia ser “lucrativa” e resolveu abusar dos
idosos para roubar-lhes. Esta foi apenas uma das situações humilhantes pelas
quais vi meus avós passarem. Estes golpes quase sempre estão relacionados ao uso
da tecnologia. São mensagens de celular, vendas de produtos, notícias falsas na
internet e, até mesmo, ligações telefônicas com relatos de falsos sequestros
pedindo dinheiro. Isto tudo me fez pensar em como me comunico com meus avós. Se
tivesse tido a paciência de ouvi-los, prestado atenção em seus sinais de esquecimento,
ou auxiliado no uso de tecnologias, poderia ter evitado muitas destas
situações. Trata-se de envelhecer com dignidade, sem ser enganado ou roubado,
em razão daquilo que desconhecemos, por não ter acesso. A garantia disto é uma
responsabilidade da nossa geração. Precisamos aprender a ouvir a necessidade
dos idosos, para que nossos filhos e filhas aprendam conosco e repitam estas
ações no futuro.
Outro relato enviado a mim após a
solicitação de opiniões e considerações foi o seguinte:
Oi Cris, boa noite. Espero que
estejas bem, como sempre... Sorriso largo, olhos curiosos e interrogativos...
Domingo eu continuo sendo da família. Sou conhecida na família por não abrir
mão da reunião desse dia. Fazemos sempre uma retrospectiva da semana. Informal,
mas tudo fico sabendo. Ou quase tudo... Mesmo com a pandemia, seguimos nos
encontrando. Com inúmeros protocolos antes inexistentes. Pensei: se o vírus me
pegar daqui há três meses, eu perdi esse tempo com a família e, na última
hipótese, se eu morrer de COVID-19, vou ficar sem eles mesmo! Então, fizemos
algumas combinações, como por exemplo: todos devem chegar de máscara, trazer
outro calçado para usar dentro de casa e, ao chegar devem se dirigir ao
banheiro, lavar as mãos com sabonete líquido, secar com papel toalha e, após,
utilizar álcool gel. A roupa externa deve ser trocada. Eles toparam, então
continuei fazendo lasanha, nhoques, e, no último domingo, fiz bolinho de
batata. Estou vendo que virou uma carta... Mas, para que eu te dissesse o que penso
sobre o texto, precisava te justificar o porquê não respondi no domingo... Assim,
me conheces um pouco mais. Não foi descaso. Sobre o texto: muito legal,
interessante, leitura fácil. Concordo plenamente com a pessoa que inicia sua
resposta com a expressão "quem semeia ventos, colhe tempestades”. Só
acredito em "abandono" para quem se abandonou. Há tanto para fazer e
dizer à medida que o tempo passa, pois se vive e se sobrevive no cotidiano de
acordo com o espaço que vamos ocupando e, principalmente, como ocupamos este
tempo em diferentes espaços. Outro
posicionamento que me chamou a atenção foi aquela que compartilhou
palavras de Cícero. Amei, pois vale para ela "conservar a sua ascendência
sobre os familiares...” e, pra mim também. A questão da saúde precária é
realmente muito delicada, porque há um desgaste físico natural que precisa de
investimento. Sobre os golpes e os golpistas, acredito que, o que o idoso não
concebe para si, ingenuamente, pode não ver ou não querer ver no outro. Por isso,
acredita, faz e se desilude. No momento em que mencionas o Estatuto do Idoso
fiquei pensando: quem leu e conhece? Quem tem acesso? Acho importante,
indispensável ter projetos sempre. Sendo jovem ou idoso, o sonho revigora,
alimenta, envolve e impulsiona. E saúde e autonomia são pilares que sustentam o
idoso. Dinheiro não é só um detalhe; atualmente, é um condutor de saúde, desde
a alimentação adequada até a rapidez no acesso ao médico ou medicamentos e a autonomia
para ir e vir com independência. Tenho dúvidas se, “em teoria”, como vocês
escrevem no texto, “o idoso ainda é considerado um ser frágil, às vésperas da
morte”. Quando perde a saúde, principalmente a mental, aí sim. Mas, aqueles que
não abandonaram projetos e sonhos, idoso ou não, pode ainda sentir a
"ânima" funcionando, ou seja, em qualquer idade há "a dor e a
delícia" de ser o que se é, sem esquecer que gentileza gera gentileza,
respeito gera respeito, amor gera amor e quem semeia ventos, colhe sim,
tempestades. Opinião dada. Abraço virtual.
E quanto ao tema? O que
manifestaram em suas mensagens o grupo de pessoas para quem enviei nosso
artigo? Uma das respostas recebidas foi:
Penso que a violência contra o
idoso existe e não é por que ele "esteja colhendo o que plantou",
como respondeu uma pessoa na pesquisa. A violência existe por que a maioria dos
idosos é frágil, em sua força física, em seu poder de argumentar e se defender.
É o desequilíbrio de forças entre os idosos e os familiares e/ou cuidadores que enseja a
violência física, psicológica, financeira. Eu, embora já considerada idosa, me
mantenho ativa no trabalho, embora um pouco mais light. Graças a Deus, tenho
saúde física e mental para gerir minha vida! Espero que por muitos anos...
Infelizmente nossa cultura não ensina a respeitar os idosos, haja vista os
comerciais e programas cômicos de TV em que são ridicularizados. Isso cria no
imaginário do povo uma ideia de que o idoso tem menos valor, menos conhecimento
ou sabedoria que os mais jovens.
Quando manifestou sua opinião,
uma das pessoas referiu-se ao devir, a um projeto, um “inédito viável", um jeito mais digno e respeitoso de
estarmos idosos e idosas. Leia:
Falarei acerca do impacto que o
texto “60 anos ou mais: precisamos falar sobre violência!” de autoria de
Cristina Maria Rosa e Cinara Postringer provocou em mim. Primeiro pensamento:
sou idosa! Pensamento posterior: como me sinto como idosa? Não me sinto idosa e
isso passa longe de negar minha situação geracional ou não querer assumir a
idade que tenho. Coloquei-me a pensar quem represento como pessoa “idosa”.
Mulher de determinada classe, situada em uma etnia cultural, com determinado
posicionamento político, de gostos e desgostos. Independente financeiramente,
apesar do salário de professora. Ativa no mundo do trabalho. Com saúde física e
mental (acho). Bem resolvida nas afetividades. Amante de várias linguagens
artísticas. Enfim, sei que faço parte, estatisticamente, da polução idosa, mas
sobre qual idoso e ainda mais, idosa, estamos falando? Infelizmente, pareço
estar fora de um tipo predominante de idosa no Brasil, país que ainda não tem
uma política pública, tampouco uma cultura bem instituída para a valorização
desta etapa da vida. Reconheço que, muitas vezes, esta fase geracional chega
com muitos impasses e problemas de toda ordem, alguns, inclusive, relatados
pelas autoras. Entendo que, em grande parte, a violência nesta fase pode ser
tão sútil que sequer a reconhecemos como tal, concordando, dessa maneira, com a
referência de Jane Felipe acerca da "violência benévola", citada
pelas autoras. Sem dúvida, temos de lutar para instituir um jeito mais digno e
respeitoso de estarmos idosos e idosas. Talvez este seja um projeto de
"inédito viável".
Outra de nossas
fontes enviou um agradecimento pelo envio da matéria e discutiu alguns das
afirmações ali contidas. Leia:
Em primeiro lugar
gostaria de agradecer o compartilhamento da escrita. Uma delícia ler o
resultado de um trabalho que deve ser gratificante, pois trata-se de tema
bastante presente e emblemático em nossa sociedade. Triste realidade! Se aqui
estamos é porque algum idoso nos antecede ou antecedeu. Mas, meu olhar também
teve uma posição crítica. Permita-me discordar desta frase “Usar a tecnologia
disponível não é mais segredo para esse grupo geracional que já não fica à
margem quando se menciona celulares e notebooks, contatos virtuais e lives”. Discordo
do termo “usar”, pois traz certa generalização e, penso, deve ser relativizada.
É sabido que a existência das tecnologias não é segredo, mas o uso, sim. Minha
experiência diz que ainda é um fator limitador, e bastante grande. Enfim, este
fato deve evitar a generalização e ser suavizado ou dito com outras palavras,
em minha opinião.
Observando o impacto
do texto em pessoas que tem profissões interessares e que ainda não são idosas,
vale destacar duas opiniões recebidas:
Li o texto. Fez-me
pensar em exemplos de pessoas que estão na “melhor idade”. O texto é muito bom,
provocativo e delicado ao mesmo tempo. Ser idoso, estar na fase da vida em que,
de certa forma, deveria ser agradável, para a grande maioria não é possível.
Penso que é um grande tabu planejar e pensar na velhice. Nesta etapa da vida,
carregada de preconceitos, aparecem as limitações. A violência caminha ao lado
do idoso. Na verdade, está sempre próxima da fragilidade.
Olha que tema legal.
Este tipo de estudo me interessa. Como Assistente Social, vivencio muito a
negligência, o abandono afetivo e material. Atuo, nesses casos, junto à
família, para que os mesmos despertem a consciência legal de que, em primeira
instância, a responsabilidade pelo idoso é dos filhos. Às vezes, resolve,
noutras não. Então, temos o segundo momento: levar o caso ao conhecimento do
MP. Este, sim, atua e muito. A força da lei requer atitudes, ações para o bem
estar desses idosos.
Por fim...
Abordar esse tema, as violências
contra os idosos foi uma iniciativa que, inicialmente, não imaginei tão
profícua. Convivo com idosos desde sempre e cultivo memórias dos que me
antecederam, educando meu filho a olhar para trás e amar os nossos, ouvindo-os.
Mas, tive o privilégio de ser escolhida como professora de um grupo que, desde
março de 2018, cultivo. Já estudamos e rimos juntos, viajamos e nos
alimentamos. Já nos emocionamos e flanamos. Juntos.
Agora, nesse tempo de estar em
casa, tomei para mim o compromisso de não permitir que eles me esqueçam. Envio
áudios com poesias e primeiras páginas de livros e pergunto se gostaram. Não
aceito o desaparecimento de um ou outro do grupo. Em síntese, pretendo ser
idosa. Pretendo ser cuidada, se não mais conseguir por minhas próprias forças.
Pretendo ser amada. Pretendo ser lembrada. E estou plantando uma floresta.
Acredito que, assim, poderei receber meu filho.
E netos, caso eu os tenha. Na falta deles, pretendo receber quem for lá.
Será uma velhice bem interessante: com livros, árvores e amigos.
Agradecer
Agradeço a todos que, ao
manifestarem-se, atribuíram confiança a nossa pesquisa e, ao ler os resultados
de nosso artigo, me enviaram suas palavras. O PET Educação, que aqui represento,
tem se preparado para intervir, com projetos educativos e literários em
trajetórias de vida de pessoas aos 60+. Assim, esses textos são parte da
aquisição de condições de trabalho e sensibilidade para sermos mais e melhores
e disponibilizarmos, de forma gratuita, os saberes produzidos na Universidade.
Obrigada!
[1] Atuo frente a um grupo de
estudantes 60+ desde março de 2018, ofertando disciplinas vinculadas à UNAPI.
Nas aulas de Literatura, pude conhecer, através de observações, relatos e
situações, pequenas ou grandes investidas da violência contra uma ou mais personagens
que por ali circularam.
[2] Decidi manter sigilo sobre as
identidades de quem se manifestou. Algumas solicitaram; outras permitiram
publicação de nomes e profissões. Para evitar diferenças de tratamento entre as
fontes, optei por explicitar apenas o conteúdo das mensagens recebidas.
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