segunda-feira, 9 de março de 2015

Leitura: um pacto entre autor e leitor.

Ler é intenção – do autor – e realização – pelo leitor...


       Ao ouvir o Manifesto por um Brasil Literário  pela voz doce de Bartolomeu Campos de Queirós, fiquei intrigada pela sua curiosidade: a literatura não escrita, desconhecida, não registrada. Para ele, é aquela que brota da relação entre o escritor (que intenciona, sonha, se expressa, registra, publica, afirma o que pensa em palavras) e o leitor, em contato com o sonhado pelo outro. Em suas palavras, "é no mundo possível da ficção que o homem se encontra realmente livre para pensar, configurar alternativas, deixar agir a fantasia". E mais, é "na literatura que, liberto do agir prático e da necessidade, o sujeito viaja por outro mundo possível. Sem preconceitos em sua construção, daí sua possibilidade intrínseca de inclusão, a literatura nos acolhe sem ignorar nossa incompletude" (QUEIRÓS, 2009).
       Pensando em uma questão que me foi feita em sala de aula - a respeito das diferentes formas de leitura -, posso afirmar que a leitura não é somente a decodificação de um texto, embora muito da leitura depende disso. Pode e deve ser entendida como “um processo de compreensão abrangente, cuja  dinâmica envolve componentes sensoriais, emocionais, intelectuais, fisiológicos, neurológicos, bem como culturais, econômicos e políticos” (MARTINS, 1994). Essa concepção revela que somos leitores antes mesmo do ingresso na vida escolar, pois a "leitura do mundo" antecede e extrapola a decodificação dos signos linguísticos organizados pela sintaxe de nossa língua. Assim, ler é um processo de desvelamento de sentidos presentes nos impressos e na relação que estabelecemos com eles, uma vez que ler depende do escrito e de quem o busca decifrar.
Bartolomeu á sábio ao afirmar que a leitura tem um poder alocado na "fundação reflexiva". Ela "possibilita ao leitor dobrar-se sobre si mesmo e estabelecer uma prosa entre o real e o idealizado" e, desse modo, democratiza "o poder de criar, imaginar, recriar, romper o limite do provável".
Outra das verdades anunciadas por Bartolomeu é de que "A leitura literária é um direito de todos", embora ressalte que este direito ainda não está escrito. Para o escritor mineiro, a literatura tem a capacidade de "abrir um diálogo subjetivo entre o leitor e a obra, entre o vivido e o sonhado, entre o conhecido e o ainda por conhecer". E é esse dia´logo subjetivo que lhe interessa, essa convivência silenciosa e sentida, barulhenta e não revelada, criadora e segredada que compõe o pacto entre autor e leitor, no meu ponto de vista. Ler, então, é um pacto. É intenção – do autor – e realização – pelo leitor. Bartolomeu esclarece:
"Considerando que este diálogo das diferenças, inerente à literatura, nos confirma como redes de relações; reconhecendo que a maleabilidade do pensamento concorre para a construção de novos desafios para a sociedade; afirmando que a literatura, pela sua configuração, acolhe a todos e concorre para o exercício de um pensamento crítico, ágil e inventivo; compreendendo que a metáfora literária abriga as experiências do leitor e não ignora suas singularidades" (QUEIRÓS, 2009).

     Ler, assim, é tornar a humanidade e a cada um de nós "investidores na artesania do mundo" e, por isso mesmo, tornar a todos, em grupo, "uma sociedade em que a qualidade da existência humana é buscada como um bem inalienável". Nas palavras de Bartolomeu, a "liberdade, espontaneidade, afetividade e fantasia são elementos que fundam a infância" o que explica/revigora os laços entre a literatura e a criança e, "possibilitar aos mais jovens acesso ao texto literário é garantir a presença de tais elementos, que inauguram a vida, como essenciais para o seu crescimento". Para finalizar, recorro ao sábio:
"É indispensável a presença da literatura em todos os espaços por onde circula a infância. Todas as atividades que têm a literatura como objeto central serão promovidas para fazer do País uma sociedade leitora. O apoio à proposição de todos que assim compreendem a função literária, é indispensável. Se é um projeto literário, é também uma ação política por sonhar um País mais digno" (QUEIRÓS, 2009).



Alfabeteando...

Um "Alfabeto à parte" foi criado em setembro de 2008 e tem como objetivo discutir a leitura e a literatura na escola. Nele disponibilizo o que penso, estudos sobre documentos raros e meus contos, além de uma lista do que gosto de ler. Alguns momentos importantes estão aqui. 2013 – Publicação dos estudos sobre o Abecedário Ilustrado Meu ABC, de Erico Verissimo, publicado pelas Oficinas Gráficas da Livraria do Globo em 1936; 2015 – Inauguração da Sala de Leitura Erico Verissimo, na FaE/UFPel; 2016 – Restauro e ambientação da Biblioteca na Escola Fernando Treptow, inaugurada em 25 de novembro; 2017 – Escrita da Biografia literária de João Bez Batti, a partir de relatos pessoais. Bilíngue – português e italiano – tornou-se um E-Book; 2018 – Feira do Livro com Anna Claudia Ramos (http://annaclaudiaramos.com.br/). 2019 – Produção de Íris e a Beterraba, um livro digital ilustrado por crianças; 2020 – Produção de Uma quarentena de Receitas, um livro criado para comemorar a vida; 2021 – Ruas Rosas e Um abraço e um chá, duas produções com a UNAPI; 2022 – Inicio de Pesquisa de Pós-Doutorado em acervos universitários. Foco: Há livros literários para crianças que abordem o ECA? 2023 – Tragicamente obsoletos: Publicação de um catálogo com livros para a infância.

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