Cristina Maria Rosa
O entendimento sobre o que significa
ser um/uma Pedagogo/a, a partir do quadro legal e curricular e de plurais modos
de ser e de estar na profissão, depende das perspectivas, possibilidades e
consequências de processos formadores e de práticas profissionais. Diante de
diferenciados e exigentes tempos e locais em que a educação de pessoas – bebês,
crianças, jovens e velhos – é ofertada em uma sociedade complexa como a nossa,
formação, exercício profissional e avaliação andam “de mãos dadas” não só no
recreio.
Observando textos que podem acionar
saberes sobre o termo Pedagogia flexionado em número, encontrei o intitulado
Educar no século XXI: modelos pedagógicos que preparam para a incerteza [1].
Nele, Eliane Moreira Marques (2025) sugere que a evolução tecnológica interfere
e pode ser motor dos domínios cognitivo, intrapessoal e interpessoal.
Interessada em circunscrever as habilidades [2] do século XXI – um conjunto de
competências que os estudantes necessitam para ter sucesso – a autora se refere
a elementos da aprendizagem e inovação (como criatividade, pensamento crítico,
comunicação e colaboração), e, também, consciência crítica, organização,
responsabilidade e dedicação ao trabalho, procuradas ou necessárias para fazer
diferença no mundo acadêmico, no mercado de trabalho e na participação social.
Em seu ensaio, Marques (2025)
informa que há “quatro modelos pedagógicos” referenciados em metodologias que
pressupõem o recurso às tecnologias. Esses modelos são: a) o trabalho de
projeto baseado na pesquisa; b) a aprendizagem através da resolução de problemas;
c) a aprendizagem cooperativa e d) o experimentalismo.
Focada nos processos de ensino e
aprendizagem e nas dinâmicas de trabalho em sala de aula, a autora considera o
professor como um facilitador do conhecimento e mentor em busca da adoção de
metodologias de trabalho mais consoantes com o desenvolvimento da autonomia e
independência na vida adulta. Seu foco seria a aquisição de uma cidadania
crítica e participativa. Para tal, indica a necessidade de adequação da
formação inicial e contínua de professores aos novos desígnios educativos.
Outro uso do termo pedagogias que
tenho observado é o que diz respeito ao aparecimento, disseminação e uso do
conceito no campo dos Estudos Culturais em Educação, especialmente no cenário
acadêmico brasileiro [3]. Nesta abordagem, um dos mais instigantes textos que
aborda a “invenção" da expressão é o intitulado Nos rastros do conceito de
pedagogias culturais: invenção, disseminação e usos, de autoria de Paula
Deporte de Andrade e Marisa Vorraber Costa. Nele, as autoras abrem mão de
“tentar capturar o momento fundante do emprego do termo pedagogias” e indicam o
desejo de “apontar e problematizar algumas das muitas e variadas condições que
possibilitaram a emergência/invenção dessa expressão/conceito”. Para isso,
lançam mão de “autores que se dedicaram a vislumbrar e analisar as pedagogias
atuantes em uma multiplicidade de espaços, para além daqueles que delimitam
territórios escolares ou escolarizados”.
Nos exemplos acionados acima, os
saberes necessários, adequados, desejados, vislumbrados e a serem adquiridos,
seriam apenas algumas das atribuições da profissão que, no Brasil, tem
significado instituído. A Pedagogia é uma profissão regulamentada por lei – a
LDB 9.394/96 – que demanda formação superior para seu exercício, defesa e
efetivo desempenho de fundamentos éticos e alinhamento com os objetivos e fins
da educação nacional.
Instigada pelos binarismos – na
política, na vida privada e até na língua portuguesa, pois não há um homônimo
sem um parônimo para fazer rir e pensar – estou me propondo a pensar na
Pedagogia, a profissão, como radicalmente diferente de seus pretensos sinônimos
ou correlatos, as “pedagogias”.
Sem intencionar reduzir os “nomes
inventados” à ideia de modelos pedagógicos referenciados em metodologias,
procedimentos ou políticas de desencadeamento de modos de ver e formar o outro,
os outros e nós, me disponho a pensar e escrever sobre este caminhar. Uma
pedagoga pensando sobre a Pedagogia, esse o meu intuito.
Inspirada nos princípios da
liberdade e nos ideais da solidariedade humana, a educação no Brasil tem como
finalidade o pleno desenvolvimento do educando, o exercício da cidadania e a
qualificação para o trabalho. É um princípio acordado. Que tem poder de lei, ou
seja, de se fazer cumprir. É um consenso. Um possível, dentre tantos outros.
Diante disso, pergunto a mim mesma: qual a função do/a Pedagogo/a neste projeto
de país e processo educacional já que os currículos dos cursos de formação de
docentes têm como referência a LDB (1996) e a Base Nacional Comum Curricular
(2017)?
Pedagogia: arte, ciência, profissão, formação
superior, metodologia ou escolha ética?
Regida pela LDB 9.394/96, a formação necessária para o exercício dessa profissão que tem, entre outras atribuições, conquistar a plena alfabetização das crianças na escola, está especialmente pautada no Artigo 62º:
A
formação de docentes para atuar na educação básica é realizada em nível
superior, em curso de licenciatura plena, sendo admitida também a formação em
nível médio, na modalidade normal, para o exercício do magistério na educação
infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental. Além disso, a
formação continuada é considerada um direito para todos os profissionais que
trabalham em estabelecimentos de ensino.
Nesta mesma lei, entramos em contato com a prerrogativa de que os currículos dos cursos de formação de docentes devem ter por referência a Base Nacional Comum Curricular (BNCC/2017). Portanto, há um regramento que, ao instituir o projeto de criança, jovem e adulto educado/educada que como nação queremos, temos de “cumprir”. Na escola. Para todos. Indistintamente.
Profissão que exerço desde janeiro
de 1990, quando a UFSM me entregou o Diploma de Licenciada em Pedagogia, tenho
apreço por indagar o que as pessoas que me cercam pensam sobre esta tão
interessante profissão que interfere profundamente na vida de todos em
sociedade. Fundada na formação e exercício da docência, para ser uma Pedagoga,
qualidades, habilidades, saberes e sabores são desejáveis, necessários e
imprescindíveis. E, não se pode esquecer, há diferença entre um professor (que
pode ser até de cirurgia cerebral, por exemplo) e uma pedagoga, um pedagogo.
Onde reside a diferença? Como se
“formam” os profissionais que ensinam outros a serem o que quiserem? Quais as
habilidades que só a Pedagogia confere, possuiu? O que a diferencia dos demais
profissionais que exercem a docência e das demais atividades profissionais?
Quais os "imperativos" que lhe são únicos?
Uma das pessoas que pensou e
escreveu sobre o tema foi Maurice Tardif. Sociólogo e Filósofo canadense, ao
reunir resultados de suas pesquisas na obra Saberes Docentes e Formação
Profissional, elencou um grupo saberes que servem de base ao ofício de professor
e indicou qual a natureza desses saberes.
Ao demonstrar que “o saber literário
compõe o conjunto de saberes docentes ligados ao trabalho cotidiano em sala de
aula, mesmo quando esse trabalho não está diretamente ligado ao ensino de
língua e literatura”, Graça Paulino em Saberes literários como saberes docentes
(2004), extrapolou as formulações de Maurice Tardif e, por isso, tornou-se uma
herança intelectual potente. Atribuo a essas duas fontes teóricas, meus saberes
mais atuais quando preciso conceituar o que é um profissional da educação e, em
especial, uma pedagoga.
Uma pedagoga, um pedagogo se
diferenciam dos demais professores porque possui, como ninguém, o saber – e
poder que dele advém – de incitar cada novo cidadão que acorre à escola em
qualquer nível ou modalidade, a se tornar um usuário competente da língua
escrita. É este profissional que tem, como compromisso social, aprimorar, entre
crianças, jovens e velhos, a arte complexa que é conhecer, usar, usufruir,
inventar e se divertir com a linguagem, essa “faculdade cognitiva exclusiva da
espécie humana” (Marcos Bagno, 2014).
Por saber que a linguagem é a maior
conquista da espécie, o domínio e o usufruto dessa arte é raro, instigante,
encantador e inigualável e nós, sociedade, atribuímos a uma profissão – a
Pedagogia – a condição de ser mediadora de processos do ensinar e aprender. Com
os que desejam e precisam aprender, o "compromisso da docência", o
dever do pedagogo, da pedagoga, é estudar a linguagem em toda a sua diversidade
e, profundamente, os processos de apresentação, aquisição, uso e deleite. A mediação, função principal, pode e deve ser
exercida através do respeito aos demais saberes, mesmo que insipientes, pois
todos estamos em processo.
Por fim, é preciso afirmar que saber
ler e saber ensinar a ler é o que nos distingue! Utilizar essa faculdade
exclusiva e tornar os demais apaixonados pelo vigor e insondável beleza que
advém da Linguagem, e, em especial, da Literatura é nosso compromisso. E, no
exercício desse saber, a alfabetização literária é imprescindível!
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https://crisalfabetoaparte.blogspot.com/2025/02/pedagogia-apreco-pluralidade-do.html
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https://crisalfabetoaparte.blogspot.com/2023/06/ler-e-pertencer.html
[1]
De autoria de Eliane Moreira Marques, PhD student em Supervisão Pedagógica,
Universidade do Minho, Portugal, o texto está disponível em: https://www.scielo.br/j/ensaio/a/y64h3W9sMRXvJsKLqjndf8h/
[2] No texto a
autora utiliza o termo Skills, que, em tradução livre, significa
habilidades ou capacidades. Na Língua Inglesa o termo é empregado para se
referir à capacidade de concretização, eficiente e rapidamente, de determinado
objetivo. Pode ser entendido, ainda, como competência, aptidão, modo e destreza
aplicados por cada pessoa em determinada tarefa.
[3] Disponível
em: https://www.scielo.br/j/edur/a/FTppyqQTJPm7YVWxWvmTj8S/
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