sábado, 22 de novembro de 2014

A leitura em impressos para alfabetizar: 1786-2014

Autoras: Angelina Monteiro (PET/Educação) e Cristina Rosa
Em 2014 demos início a uma investigação acerca do conceito de “Leitura” em impressos para alfabetizar que abarcou 138 anos de ensino da leitura no Brasil. O objetivo era descobrir se havia conceitos  de leitura explícitos nos materiais. Se sim, como estariam registrados. Nos interessou também, conhecer se estes conceitos se complexificavam e/ou contradizem com o passar do tempo.
Para a pesquisa, utilizamos nosso acervo: cinquenta e oito diferentes exemplares de impressos. O Banco de dados pertence ao GPELHL (Grupo de Pesquisa “Escritas, Leitores e História da Leitura” - CNPq), que coordeno e os materiais (cartilhas, manuscritos, livros) foram adquiridos em 23 anos de docência no ensino superior dedicados à Alfabetização e ao Letramento. A referência, ou seja, o livro do qual partimos foi a Cartilha Maternal ou Arte de Leitura (DEUS, 1876), impressa em Portugal e posteriormente adaptada para as escolas brasileiras (século XIX). Ainda hoje é utilizada em Portugal. O último texto considerado foi o livro didático Porta Aberta (MEC, Guia de Livros Didáticos, 2013/ 2014).
A Metodologia, de cunho qualitativo, buscou conhecer, descrever e analisar se havia conceitos de leitura explícitos em documentos para alfabetizar utilizados no Brasil desde 1876. Os procedimentos adotados foram: 
  a) Leitura de todo o acervo;
  b) Transcrição dos conceitos referentes ao termo leitura;
  c) Categorização dos conceitos por ano/ período/ método;
  d) Análise dos conceitos;
  e) Elaboração de conclusões.
Nosso referencial teórico partiu de construtos teóricos importantes, entre eles, contribuições que indicam que compreender os significados da leitura em impressos para alfabetizar tem importância ímpar. Para Silva (2002), “A leitura é uma atividade essencial a qualquer área do conhecimento e mais essencial ainda à vida do ser humano. (...) está intimamente ligada com o sucesso acadêmico do ser que aprende; e contrariamente, à evasão escolar. (...) é um dos principais instrumentos que permite ao Ser Humano situar-se com os outros, de discussão e de crítica para se chegar à práxis. A leitura, possibilitando a aquisição de diferentes pontos de vista e alargamento de experiências, parece ser o único meio de desenvolver a originalidade e autenticidade dos seres que aprendem” (Ato de ler, de Ezequiel Teodoro da Silva, 2002,  p. 42-43).

Entre nossas preciosidades - alguns dos livros que temos são raros -
os conceitos de leitura encontrados foram:

Os conceitos encontrados:
1876 – “Interpretação sucessiva das letras simples ou compostas, certas ou incertas da palavra escrita; a leitura é a verdadeira soletração; só na leitura se dá aos caracteres o seu justo valor” (João  de Deus, 1876, Cartilha Maternal ou Arte de Leitura).
1915 - A leitura é de todas as artes a que menos custa, e a que mais rende” (Alfredo Clemente Pinto, 1915, 4º livro de leitura, 2ª série das leituras escolhidas);
1935 – “Ler não significa traduzir a linguagem escrita em linguagem falada; é entender, compreender, assimilar, sentir o trecho lido” (Olga Acauan & Branca de Souza, 1935, Queres ler?);
1942 – “A leitura, em vez de ser um simples mecanismo de decomposição e recomposição de palavras, é um exercício de idéias. (...) A par da decifração de símbolos gráficos, deve ser dado aos educandos bons hábitos, atitudes, habilidades e idéias, de modo a não só garantir-lhe interesse permanente pela leitura, como o bom uso que deve fazer dessa técnica, elevando o seu espírito através de uma cultura sempre renovada e superior” (FONSECA, A. Livro de Lili, Método global, 1942);
1978 – “Ler é aplicar um código para descobrir o que está escrito”, é “ser capaz de, diante de um texto escrito, combinar os símbolos de maneira a aprender o sentido do que está escrito” (SILVA, PINHEIRO e CARDOSO, Minha Abelhinha,1978);
2010 – “Leitura é um processo pelo qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção de significado do texto, a partir de seus objetivos, do seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo que sabe sobre sua língua...” (SEABRA e CAPOVILLA, Alfabetização: Método fônico, 2010).

Parte de nossas conclusões indicam que o conceito de leitura não está explícito na totalidade dos materiais investigados. Em apenas 56% das cartilhas, manuais e livros foi encontrado, explícita ou implicitamente o conceito de leitura, o que pode ser visto na imagem ao lado.

Além disso, esses conceitos apresentam diferenciados sentidos, entre eles:

"interpretação sucessiva das letras” (1876):
•“A leitura é uma arte" (1915);
•“Ler é entender, compreender, assimilar, sentir o trecho lido” (1935);
•“A leitura é um exercício de ideias” (1942);
•“Ler é aplicar um código para descobrir o que está escrito” (1978);
Leitura é um processo pelo qual o leitor realiza um trabalho...(2010);

Intrigante foi a quantidade de materiais que não expressam conceito de leitura (44%) e ainda, perceber que não há, no material pesquisado, uma linha crescente de complexidade entre os conceitos, podendo ser amplos ou restritos de acordo com diferenciados períodos da educação no país.

As referências de nosso trabalho são:
BARBOSA, José Juvêncio. Alfabetização e leitura. São Paulo: Cortez, 1994.
CAGLIARI, Luís Carlos. Alfabetização & Linguística. SP: Scipione, 1993. 
FERREIRO, Emília e TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Artmed, 1999.
LOIS, Lena. Teoria e prática da formação do leitor: leitura e literatura na sala de aula. Porto Alegre, Artmed, 2010.
MANGUEL, Alberto. Uma história da Leitura. Tradução de Pedro Soares. São Paulo, Companhia das letras, 1997.
NEVES, Iara. Ler e Escrever: Compromisso de todas as áreas. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte, Autêntica, 1999. 
TEBEROSKY, Ana e COLOMER, T. Aprender a Ler e Escrever:  na Proposta Construtivista. Porto Alegre: Artmed, 2003.
ZILBERMANN, Regina e SILVA, Ezequiel Theodoro (orgs). Leitura:  Perspectivas interdisciplinares. São Paulo, Ática, 1999.


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Um "Alfabeto à parte" foi criado em setembro de 2008 e tem como objetivo discutir a leitura e a literatura na escola. Nele disponibilizo o que penso, estudos sobre documentos raros e meus contos, além de uma lista do que gosto de ler. Alguns momentos importantes estão aqui. 2013 – Publicação dos estudos sobre o Abecedário Ilustrado Meu ABC, de Erico Verissimo, publicado pelas Oficinas Gráficas da Livraria do Globo em 1936; 2015 – Inauguração da Sala de Leitura Erico Verissimo, na FaE/UFPel; 2016 – Restauro e ambientação da Biblioteca na Escola Fernando Treptow, inaugurada em 25 de novembro; 2017 – Escrita da Biografia literária de João Bez Batti, a partir de relatos pessoais. Bilíngue – português e italiano – tornou-se um E-Book; 2018 – Feira do Livro com Anna Claudia Ramos (http://annaclaudiaramos.com.br/). 2019 – Produção de Íris e a Beterraba, um livro digital ilustrado por crianças; 2020 – Produção de Uma quarentena de Receitas, um livro criado para comemorar a vida; 2021 – Ruas Rosas e Um abraço e um chá, duas produções com a UNAPI; 2022 – Inicio de Pesquisa de Pós-Doutorado em acervos universitários. Foco: Há livros literários para crianças que abordem o ECA? 2023 – Tragicamente obsoletos: Publicação de um catálogo com livros para a infância.

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