Autoras: Angelina Monteiro (PET/Educação) e Cristina Rosa
Em 2014 demos início a uma investigação acerca do conceito de “Leitura” em impressos para alfabetizar que abarcou 138 anos de ensino da leitura no Brasil. O objetivo era descobrir se havia conceitos de leitura explícitos nos materiais. Se
sim, como estariam registrados. Nos interessou também, conhecer se estes conceitos se complexificavam e/ou contradizem com o
passar do tempo.
Para a pesquisa, utilizamos nosso acervo: cinquenta e oito diferentes exemplares de impressos. O Banco de dados pertence ao GPELHL (Grupo de Pesquisa “Escritas, Leitores e História da Leitura” - CNPq), que coordeno e os materiais (cartilhas, manuscritos, livros) foram adquiridos em 23 anos de docência no ensino superior dedicados à Alfabetização e ao Letramento. A referência, ou seja, o livro do qual partimos foi a Cartilha Maternal ou Arte de Leitura (DEUS, 1876), impressa em Portugal e
posteriormente adaptada para as escolas brasileiras (século XIX). Ainda hoje é
utilizada em Portugal. O último texto considerado foi o livro didático Porta
Aberta (MEC, Guia de Livros Didáticos, 2013/ 2014).
A Metodologia, de cunho
qualitativo, buscou conhecer, descrever e analisar se havia conceitos de
leitura explícitos em documentos para alfabetizar utilizados no Brasil desde
1876. Os
procedimentos adotados foram:
a) Leitura de todo o acervo;
b) Transcrição dos conceitos referentes ao
termo leitura;
c) Categorização dos conceitos por ano/
período/ método;
d) Análise dos conceitos;
e) Elaboração de conclusões.
Nosso referencial teórico partiu de construtos teóricos importantes, entre eles, contribuições que indicam que compreender os significados da leitura em impressos
para alfabetizar tem importância ímpar. Para Silva (2002), “A leitura é
uma atividade
essencial a qualquer área do conhecimento e mais essencial
ainda à vida do ser humano. (...) está intimamente
ligada com o sucesso acadêmico do ser que aprende; e contrariamente, à evasão
escolar. (...) é um dos principais instrumentos que
permite ao Ser Humano situar-se com os outros, de discussão e de crítica
para se chegar à práxis. A leitura, possibilitando a aquisição de diferentes
pontos de vista e alargamento de experiências, parece ser o único meio de
desenvolver a originalidade e autenticidade dos seres que aprendem” (Ato de
ler, de Ezequiel Teodoro da Silva, 2002,
p. 42-43).
Entre nossas preciosidades - alguns dos livros que temos são raros -
Entre nossas preciosidades - alguns dos livros que temos são raros -
os conceitos de leitura encontrados foram:
Os conceitos encontrados:
1876 – “Interpretação
sucessiva das letras simples ou
compostas, certas ou incertas da palavra escrita; a leitura é a verdadeira
soletração; só na leitura se dá aos caracteres o seu justo valor” (João de Deus, 1876, Cartilha Maternal
ou Arte de Leitura).
1915 - “A leitura é de todas as
artes a que menos custa, e a que mais rende” (Alfredo
Clemente Pinto, 1915, 4º livro de leitura, 2ª série das leituras escolhidas);
1935 – “Ler não significa traduzir a
linguagem escrita em linguagem falada; é entender, compreender, assimilar,
sentir o trecho lido” (Olga Acauan & Branca de Souza, 1935, Queres ler?);
1942 – “A leitura, em vez de ser um simples mecanismo de decomposição e
recomposição de palavras, é um exercício de idéias. (...) A par da decifração
de símbolos gráficos, deve ser dado aos educandos bons
hábitos, atitudes, habilidades e idéias, de modo a não só garantir-lhe
interesse permanente pela leitura, como o bom uso que deve fazer dessa técnica,
elevando o seu espírito através de uma cultura sempre renovada e superior” (FONSECA, A. Livro de Lili, Método
global, 1942);
1978 – “Ler é aplicar um
código para descobrir o que está escrito”, é
“ser capaz de, diante de um texto escrito, combinar os símbolos de maneira a
aprender o sentido do que está escrito” (SILVA, PINHEIRO e CARDOSO, Minha
Abelhinha,1978);
2010 – “Leitura é um processo pelo qual o
leitor realiza um trabalho ativo de construção de significado do texto, a
partir de seus objetivos, do seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor,
de tudo que sabe sobre sua língua...” (SEABRA e CAPOVILLA, Alfabetização:
Método fônico, 2010).
Parte de nossas conclusões indicam que o conceito de leitura não está explícito na totalidade dos materiais investigados. Em apenas 56% das cartilhas, manuais e livros foi encontrado, explícita ou implicitamente o conceito de leitura, o que pode ser visto na imagem ao lado.
Além disso, esses conceitos apresentam diferenciados sentidos, entre eles:
•"interpretação sucessiva das letras” (1876):
•“A leitura é uma arte" (1915);
•“Ler é entender, compreender, assimilar, sentir o
trecho lido” (1935);
•“A leitura é um exercício de ideias” (1942);
•“Ler é aplicar um código para descobrir o que
está escrito” (1978);
•“Leitura é um processo pelo qual o leitor
realiza um trabalho...(2010);
Intrigante foi a quantidade de materiais
que não expressam conceito de leitura (44%) e ainda, perceber que não há, no material pesquisado, uma linha crescente de
complexidade entre os conceitos, podendo ser amplos ou restritos de acordo com
diferenciados períodos da educação no país.
As referências de nosso trabalho são:
BARBOSA, José
Juvêncio. Alfabetização e leitura. São Paulo:
Cortez, 1994.
CAGLIARI,
Luís Carlos. Alfabetização & Linguística. SP:
Scipione, 1993.
FERREIRO,
Emília e TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua Escrita. Porto
Alegre: Artmed, 1999.
LOIS, Lena. Teoria e prática da formação do leitor: leitura e literatura
na sala de aula. Porto Alegre, Artmed, 2010.
MANGUEL,
Alberto. Uma história da Leitura.
Tradução de Pedro Soares. São Paulo, Companhia das letras, 1997.
NEVES,
Iara. Ler e Escrever: Compromisso de todas as áreas. Porto
Alegre: Editora da UFRGS, 2003.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo
Horizonte, Autêntica, 1999.
TEBEROSKY,
Ana e COLOMER, T. Aprender a Ler e Escrever: na Proposta Construtivista. Porto Alegre: Artmed, 2003.
ZILBERMANN,
Regina e SILVA, Ezequiel Theodoro (orgs). Leitura: Perspectivas interdisciplinares. São
Paulo, Ática, 1999.
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