quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Pedagogia ou pedagogias?

      
Pedagogia ou pedagogias?

Cristina Maria Rosa


O entendimento sobre o que significa ser um/uma Pedagogo/a, a partir do quadro legal e curricular e de plurais modos de ser e de estar na profissão, depende das perspectivas, possibilidades e consequências de processos formadores e de práticas profissionais. Diante de diferenciados e exigentes tempos e locais em que a educação de pessoas – bebês, crianças, jovens e velhos – é ofertada em uma sociedade complexa como a nossa, formação, exercício profissional e avaliação andam “de mãos dadas” não só no recreio.

Observando textos que podem acionar saberes sobre o termo Pedagogia flexionado em número, encontrei o intitulado Educar no século XXI: modelos pedagógicos que preparam para a incerteza [1]. Nele, Eliane Moreira Marques (2025) sugere que a evolução tecnológica interfere e pode ser motor dos domínios cognitivo, intrapessoal e interpessoal. Interessada em circunscrever as habilidades [2] do século XXI – um conjunto de competências que os estudantes necessitam para ter sucesso – a autora se refere a elementos da aprendizagem e inovação (como criatividade, pensamento crítico, comunicação e colaboração), e, também, consciência crítica, organização, responsabilidade e dedicação ao trabalho, procuradas ou necessárias para fazer diferença no mundo acadêmico, no mercado de trabalho e na participação social.

Em seu ensaio, Marques (2025) informa que há “quatro modelos pedagógicos” referenciados em metodologias que pressupõem o recurso às tecnologias. Esses modelos são: a) o trabalho de projeto baseado na pesquisa; b) a aprendizagem através da resolução de problemas; c) a aprendizagem cooperativa e d) o experimentalismo.

Focada nos processos de ensino e aprendizagem e nas dinâmicas de trabalho em sala de aula, a autora considera o professor como um facilitador do conhecimento e mentor em busca da adoção de metodologias de trabalho mais consoantes com o desenvolvimento da autonomia e independência na vida adulta. Seu foco seria a aquisição de uma cidadania crítica e participativa. Para tal, indica a necessidade de adequação da formação inicial e contínua de professores aos novos desígnios educativos.

Outro uso do termo pedagogias que tenho observado é o que diz respeito ao aparecimento, disseminação e uso do conceito no campo dos Estudos Culturais em Educação, especialmente no cenário acadêmico brasileiro [3]. Nesta abordagem, um dos mais instigantes textos que aborda a “invenção" da expressão é o intitulado Nos rastros do conceito de pedagogias culturais: invenção, disseminação e usos, de autoria de Paula Deporte de Andrade e Marisa Vorraber Costa. Nele, as autoras abrem mão de “tentar capturar o momento fundante do emprego do termo pedagogias” e indicam o desejo de “apontar e problematizar algumas das muitas e variadas condições que possibilitaram a emergência/invenção dessa expressão/conceito”. Para isso, lançam mão de “autores que se dedicaram a vislumbrar e analisar as pedagogias atuantes em uma multiplicidade de espaços, para além daqueles que delimitam territórios escolares ou escolarizados”.

Nos exemplos acionados acima, os saberes necessários, adequados, desejados, vislumbrados e a serem adquiridos, seriam apenas algumas das atribuições da profissão que, no Brasil, tem significado instituído. A Pedagogia é uma profissão regulamentada por lei – a LDB 9.394/96 – que demanda formação superior para seu exercício, defesa e efetivo desempenho de fundamentos éticos e alinhamento com os objetivos e fins da educação nacional.

Instigada pelos binarismos – na política, na vida privada e até na língua portuguesa, pois não há um homônimo sem um parônimo para fazer rir e pensar – estou me propondo a pensar na Pedagogia, a profissão, como radicalmente diferente de seus pretensos sinônimos ou correlatos, as “pedagogias”.

Sem intencionar reduzir os “nomes inventados” à ideia de modelos pedagógicos referenciados em metodologias, procedimentos ou políticas de desencadeamento de modos de ver e formar o outro, os outros e nós, me disponho a pensar e escrever sobre este caminhar. Uma pedagoga pensando sobre a Pedagogia, esse o meu intuito.

Inspirada nos princípios da liberdade e nos ideais da solidariedade humana, a educação no Brasil tem como finalidade o pleno desenvolvimento do educando, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. É um princípio acordado. Que tem poder de lei, ou seja, de se fazer cumprir. É um consenso. Um possível, dentre tantos outros. Diante disso, pergunto a mim mesma: qual a função do/a Pedagogo/a neste projeto de país e processo educacional já que os currículos dos cursos de formação de docentes têm como referência a LDB (1996) e a Base Nacional Comum Curricular (2017)?

 

 Pedagogia: arte, ciência, profissão, formação superior, metodologia ou escolha ética?

Regida pela LDB 9.394/96, a formação necessária para o exercício dessa profissão que tem, entre outras atribuições, conquistar a plena alfabetização das crianças na escola, está especialmente pautada no Artigo 62º:

A formação de docentes para atuar na educação básica é realizada em nível superior, em curso de licenciatura plena, sendo admitida também a formação em nível médio, na modalidade normal, para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental. Além disso, a formação continuada é considerada um direito para todos os profissionais que trabalham em estabelecimentos de ensino. 

 Nesta mesma lei, entramos em contato com a prerrogativa de que os currículos dos cursos de formação de docentes devem ter por referência a Base Nacional Comum Curricular (BNCC/2017). Portanto, há um regramento que, ao instituir o projeto de criança, jovem e adulto educado/educada que como nação queremos, temos de “cumprir”. Na escola. Para todos. Indistintamente.

Profissão que exerço desde janeiro de 1990, quando a UFSM me entregou o Diploma de Licenciada em Pedagogia, tenho apreço por indagar o que as pessoas que me cercam pensam sobre esta tão interessante profissão que interfere profundamente na vida de todos em sociedade. Fundada na formação e exercício da docência, para ser uma Pedagoga, qualidades, habilidades, saberes e sabores são desejáveis, necessários e imprescindíveis. E, não se pode esquecer, há diferença entre um professor (que pode ser até de cirurgia cerebral, por exemplo) e uma pedagoga, um pedagogo.

Onde reside a diferença? Como se “formam” os profissionais que ensinam outros a serem o que quiserem? Quais as habilidades que só a Pedagogia confere, possuiu? O que a diferencia dos demais profissionais que exercem a docência e das demais atividades profissionais? Quais os "imperativos" que lhe são únicos?

Uma das pessoas que pensou e escreveu sobre o tema foi Maurice Tardif. Sociólogo e Filósofo canadense, ao reunir resultados de suas pesquisas na obra Saberes Docentes e Formação Profissional, elencou um grupo saberes que servem de base ao ofício de professor e indicou qual a natureza desses saberes.

Ao demonstrar que “o saber literário compõe o conjunto de saberes docentes ligados ao trabalho cotidiano em sala de aula, mesmo quando esse trabalho não está diretamente ligado ao ensino de língua e literatura”, Graça Paulino em Saberes literários como saberes docentes (2004), extrapolou as formulações de Maurice Tardif e, por isso, tornou-se uma herança intelectual potente. Atribuo a essas duas fontes teóricas, meus saberes mais atuais quando preciso conceituar o que é um profissional da educação e, em especial, uma pedagoga.

Uma pedagoga, um pedagogo se diferenciam dos demais professores porque possui, como ninguém, o saber – e poder que dele advém – de incitar cada novo cidadão que acorre à escola em qualquer nível ou modalidade, a se tornar um usuário competente da língua escrita. É este profissional que tem, como compromisso social, aprimorar, entre crianças, jovens e velhos, a arte complexa que é conhecer, usar, usufruir, inventar e se divertir com a linguagem, essa “faculdade cognitiva exclusiva da espécie humana” (Marcos Bagno, 2014).

Por saber que a linguagem é a maior conquista da espécie, o domínio e o usufruto dessa arte é raro, instigante, encantador e inigualável e nós, sociedade, atribuímos a uma profissão – a Pedagogia – a condição de ser mediadora de processos do ensinar e aprender. Com os que desejam e precisam aprender, o "compromisso da docência", o dever do pedagogo, da pedagoga, é estudar a linguagem em toda a sua diversidade e, profundamente, os processos de apresentação, aquisição, uso e deleite.  A mediação, função principal, pode e deve ser exercida através do respeito aos demais saberes, mesmo que insipientes, pois todos estamos em processo.

Por fim, é preciso afirmar que saber ler e saber ensinar a ler é o que nos distingue! Utilizar essa faculdade exclusiva e tornar os demais apaixonados pelo vigor e insondável beleza que advém da Linguagem, e, em especial, da Literatura é nosso compromisso. E, no exercício desse saber, a alfabetização literária é imprescindível!


Quer ler mais sobre isso? Clique em:

https://crisalfabetoaparte.blogspot.com/2025/02/pedagogia-apreco-pluralidade-do.html

https://crisalfabetoaparte.blogspot.com/2024/12/o-gosto-pelas-coisas-simples.html

https://crisalfabetoaparte.blogspot.com/2024/10/algumas-muitas-ideias-sobre.html

https://crisalfabetoaparte.blogspot.com/2023/06/ler-e-pertencer.html



[1] De autoria de Eliane Moreira Marques, PhD student em Supervisão Pedagógica, Universidade do Minho, Portugal, o texto está disponível em: https://www.scielo.br/j/ensaio/a/y64h3W9sMRXvJsKLqjndf8h/

[2] No texto a autora utiliza o termo Skills, que, em tradução livre, significa habilidades ou capacidades. Na Língua Inglesa o termo é empregado para se referir à capacidade de concretização, eficiente e rapidamente, de determinado objetivo. Pode ser entendido, ainda, como competência, aptidão, modo e destreza aplicados por cada pessoa em determinada tarefa.

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Um "Alfabeto à parte" foi criado em setembro de 2008 e tem como objetivo discutir a leitura e a literatura na escola. Nele disponibilizo o que penso, estudos sobre documentos raros e meus contos, além de uma lista do que gosto de ler. Alguns momentos importantes estão aqui. 2013 – Publicação dos estudos sobre o Abecedário Ilustrado Meu ABC, de Erico Verissimo, publicado pelas Oficinas Gráficas da Livraria do Globo em 1936; 2015 – Inauguração da Sala de Leitura Erico Verissimo, na FaE/UFPel; 2016 – Restauro e ambientação da Biblioteca na Escola Fernando Treptow, inaugurada em 25 de novembro; 2017 – Escrita da Biografia literária de João Bez Batti, a partir de relatos pessoais. Bilíngue – português e italiano – tornou-se um E-Book; 2018 – Feira do Livro com Anna Claudia Ramos (http://annaclaudiaramos.com.br/). 2019 – Produção de Íris e a Beterraba, um livro digital ilustrado por crianças; 2020 – Produção de Uma quarentena de Receitas, um livro criado para comemorar a vida; 2021 – Ruas Rosas e Um abraço e um chá, duas produções com a UNAPI; 2022 – Inicio de Pesquisa de Pós-Doutorado em acervos universitários. Foco: Há livros literários para crianças que abordem o ECA? 2023 – Tragicamente obsoletos: Publicação de um catálogo com livros para a infância.

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