Lulu: direito à liberdade, ao respeito e à dignidade.
Cristina Maria Rosa
Em “Cinco livros para falar sobre o ECA:
um olhar literário e pedagógico”, descrevo e analiso obras literárias que podem
ser acionados por educadores quando o foco é apresentar e/ou dialogar sobre os
Direitos das Crianças e dos Adolescentes garantidos pelo ECA (Lei nº 8.069, de
13 de julho de 1990). Do acervo da Sala de Leitura Erico Verissimo selecionei Lulu,
de Fabrício Carpinejar (Edelbra, 2014) como “representante” do direito à liberdade, ao respeito e à dignidade. Nele, implicitamente, há informações
e construções literárias que sustentam um diálogo sobre essas três palavras-chave.
Metodologia de estudo
A análise documental tem sido preponderante
para a configuração de um rol de obras a serem acionadas na formação de
professoras e professores, bibliotecárias e bibliotecários e gestoras e
gestores escolares, além de ofertarem aos docentes em exercício, mediações
possíveis.
Meus procedimentos foram:
a) Conhecer o acervo;
b) Ler todas os livros;
c) Selecionar as obras vinculadas ao
foco da investigação;
d) Descrevê-las gráfica, editorial e
biograficamente;
e) Analisá-las criticamente quanto a
seu caráter literário e pedagógico.
Após a leitura de parte considerável
do acervo, selecionei cinco como os mais potentes para os objetivos.
Resultados
Por que Lulu de Fabrício Carpinejar pode ser um potente instrumento para apresentar e dialogar sobre o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade?
Obra instigante, complexa, escrita por um autor brasileiro respeitado, à primeira vista, Lulu não é o que parece.
Iniciando pelo título.
Lulu costuma ser um apelido ou um diminutivo. Ao ler a capa, sou convidada
a pensar em uma bebê, uma criança pequena ou mesmo em algum adulto que manteve
o apelido de infância. No entanto, logo depois das primeiras frases inscritas
na primeira página – Lulu não escuta a chaleira chiando. Lulu não escuta o
sussurro. Lulu não escuta a grama encurvando antes da
chuva... – é minha emoção
que passa a acompanhar a forma poética de perceber a singularidade do cotidiano
da personagem.
Carpinejar, o autor, sussurra em meus
ouvidos ouvintes que o silêncio existe. E, depois disso, nunca mais pude esquecer
que sim, há som quando a grama encurva antes da chuva! E há vida quando se doma
o medo, quando não se mostra vantagem nem superioridade.
Escrito em frases curtas e
marcantes, narra poeticamente o silêncio na vida de uma menina, a Lulu
do título. Com capa acartonada e ilustrações de Serena Riglietti, Lulu se sustenta literariamente. Mais
que isso, é uma porta aberta a pensar a singularidade. E por isso, cabe tão bem
na lista de sugestões para abrigar diálogos sobre direitos.
Neste caso, direito à liberdade, ao
respeito e à dignidade.
Lulu, ainda, tem qualidades pedagógicas. Pode ser destinado à formação
de leitores sobre o tema acima referido e que integra o ECA, mas, também, pode vir
a apresentar aos pequenos, um modo de vida de um grupo de pessoas: as que ouvem
pouco ou não ouvem nada. Necessita, para a leitura em voz alta, para si e para
os outros, de delicadeza, fôlego e resiliência. Demanda um leitor ciente de
seus limites, de suas possibilidades de mediador, de suas qualidades
pedagógicas, de suas potencialidades como letrado.
O livro de 32 páginas é em Português
e, ao fim, inclui minibiografia do autor e da ilustradora. Foi lançado pela Editora
Edelbra em 2014. Fenômeno de vendas à época, não se encontra na maioria das listas
de livros do escritor quando se busca, na rede, informações sobre sua biobibliografia.
Provavelmente, por ser “para
crianças”.
Para mim, é um dos melhores e mais
profundos livros do autor.
Universal por escrever sobre uma
infância que não ouve, em Lulu Carpinejar aborda o medo.
E...
Quem não tem medo?
Por que Lulu representa o
direito à liberdade, ao respeito e à dignidade?
Investir em modos de pensar, em pluralidade
de ideias é permitir que o silêncio se instale entre os leitores e os ouvintes.
Que lugar mais adequado que a sala de aula para isso? Potente desencadeador de
reflexões e diálogos, Lulu oportuniza reflexões sobre o conceito de dignidade
e respeito.
Instiga a considerar o que é
respeito.
O que é dignidade.
O que é liberdade.
Carpinejar, no livro, apresenta
conceitos. Silêncio, batimentos cardíacos, barulho do estômago, chio de chaleira,
“galhos cerzindo casacos de frutas”. Apresenta noções de percentual de escuta,
ao escrever: “Cinquenta por cento num ouvido, quarenta no outro. Lulu não
escuta” (2014: páginas 18 e 19). Lulu reúne, assim, qualidades
suficientes para um mediador oferecer, através da leitura literária, contato
profundo com uma nova e inesperada existência, que podemos experimentar se “taparmos”
ou ouvidos. No livro, a “diferença” da personagem não é menos nem falta.
Pelo seu poder reverberador, me
ensina a pensar em aprimorar minha escuta. Não a orgânica, biológica. A escuta
das pessoas e do mundo que nos cerca.
Mais...
Quer saber mais sobre este livro? Encontrei
uma resenha bem interessante. Leia em: https://olhandoporai.wordpress.com/2015/03/12/resenha-lulu-fabricio-carpinejar/
No site da Livraria da Travessa (https://www.travessa.com.br/lulu-1-ed-2014/artigo/00db6ada-efa7-4ec9-b4b5-99d3cc5b04ed)
há outra resenha. Leia:
Este
livro traz um tipo de personagem normalmente distante das histórias infantis:
Lulu é uma menina com deficiência auditiva. Fabrício Carpinejar apresenta de
forma poética e com uma percepção muito singular, o cotidiano de uma menina
observadora e sensível. O cotidiano de Lulu é diferente? Tudo para Lulu é menos
complicado do que pode parecer, assim como são simples as coisas para todas as
crianças. E neste livro as ilustrações de Serena Riglietti enchem de cor a
poesia das coisas simples.