segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Um catálogo em 2023


Quem sou e por onde ando...

Cristina Maria Rosa é Professora titular na Faculdade de Educação da UFPel. Sua obra mais importante é Onde está Meu ABC, de Erico Verissimo? Notas sobre um livro desaparecido, publicado em 2013, resultado de um Estágio Pós-Doutoral em Educação realizado na UFMG (2010-2011), sob orientação da Doutora Graça Paulino.2022/2023

Desenvolvendo Estágio Pós-Doutoral na UFRGS e UFSC (PORTARIA Nº 892, DE 16 DE MAIO DE 2022) desde junho de 2022, o objetivo de estudos está grafado na pesquisa intitulada: DIREITOS DAS CRIANÇAS EM OBRAS LITERÁRIAS: UM ESTUDO NOS ACERVOS DA UFRGS E UFSC. A supervisão do pós-doutorado é das Doutoras Jane Felipe de Souza (UFRGS) e Patrícia De Moraes Lima (UFSC).

Conceito

Cristina Rosa é autora do conceito Alfabetização Literária. Foi elaborado pela primeira vez, por escrito, em 2015. Pode ser conhecido aqui: http://crisalfabetoaparte.blogspot.com/2015/06/alfabetizacao-literaria-o-que-e.html?m=1. Recentemente aprimorado, pode ser lido em: http://crisalfabetoaparte.blogspot.com/2022/12/alfabetizacao-literaria-aprimorando-o.html?m=1

Habilidades

Coordena o Grupo de Estudos em Leitura Literária, lidera o Grupo de Pesquisa Escritas, Leitores e História da Leitura (CNPq 11/2009), coordena a Sala de Leitura Erico Verissimo e o Projeto de Extensão Leitura Literária na Escola. O foco de seu trabalho é formação de professores leitores literários. Atua na Especialização em Educação (FaE/UFPel) e na UNAPI –Universidade Aberta a Pessoas Idosas.


Publicações

É autora dos livros infantis De arqueologias e de avôs (2005); Luíza (2007) e Cobras no Laranjal (2009), além de e-books como Irmãzinha de Estimação (2014), Listas Incríveis, malucas e inventadas de A a Zebra (2014), Quintal ao Lado (2016), Íris e a beterraba (2019) e Infâncias (2021). 

Resultado de pesquisas, estudos e projetos, publicou também Um alfabeto à parte: biobibliografia de Pedro Rubens de Freitas Wayne (2009), Alfabetização e Cidadania: o inverso do espelho na educação de jovens e adultos (2002);  Jovens e Adultos na Escola: Aprendendo a ler o mundo e a palavra (2005); Leituras: Clássicos e Modernos (2006); Educação Inclusiva: Textos e Glossário (2006); Das Leituras ao Letramento Literário (2009); Escritas, Leitores e História da Leitura (2012) e A Velha, a Mosca e a Narrativa (2013).

Tarefa

Em 2023, fruto de estudos e pesquisas em Bibliotecas Universitárias e Livrarias, vai constituir (elaborar e editar) um catálogo com obras para a alfabetização de crianças e adolescentes na escola.

Já tem título: Tragicamente Obsoletos!


segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Ettore e o impacto da delicadeza

 

O impacto da arte do belo e forte

Cristina Maria Rosa

Eu li e recomendo Ettore, L’uomo straordinariamente forte, de Magali Le Huche. Traduzido para o italiano por Maria Chiara Rioli, foi editado em 2013 pela Settenove Edizione em Caglia (PU).

Conheci o livro em setembro, quando estive em Torino, Italia. Na Le Altalene, Libri & Caffè. Ao chegar lá, queria livros da Casa Editrice Lo Stampatello. Encontrei.

E encontrei Ettore!

É impactante.

O livro apresenta uma storia muito interessante: um homem forte e musculoso que, em segredo...

Em segredo! Não vou contar...

A trama faz pensar.

E oferta a nossos pequenos, especialmente aos meninos culturalmente “bombardeados" por scripts de superioridade que, dentro de um homem forte pode se “esconder” um grande coração, uma personalidade delicada.

É um livro que pode “ensinar” às crianças que a força e a gentileza não são qualidades antagônicas, que não se deve envergonhar-se de suas próprias escolhas, desejos, paixões e do que se gosta só para aderir ao senso comum ou “ser aceito” e “do grupo”.

Com esplendidas ilustrações, Ettore é arte e educação!

Selma, de Jutta Bauer

 

O gosto pelas coisas simples ou por que ler Selma, de Jutta Bauer...

Cristina Maria Rosa

Jutta Bauer é autora e ilustradora premiada. Nascida em Hamburgo em 1955, tem merecido várias distinções e prêmios. Um deles, o Hans Christian Andersen – o Nobel da Literatura.

Com tradução de Marcus Mazzari, a edição da Cosac Naify, no Brasil, ocorreu em 2008. Com 56 páginas, Selma tem 11 cm de altura, 15 cm de largura e pesa 100 gramas. 

Sim, é um livrinho...

Não dentro.

Quando se abre, Selma apresenta conteúdo, linguagem e ilustração que o torna imenso. Ou, sem possiblidade de ser dimensionado. Isso pode ser dito de livros que têm o silêncio – contemplativo, extasiado, filosófico, até – como resultado da leitura.

Durante.

E após...

É considerado um livro de literatura. É vendido como um livro de literatura infantil. Alguns o nomeiam como uma narrativa; outros, como uma novela. Eu o chamo de arte literária.

 Quer conhecer a sinopse em espanhol?


Selma es una oveja lista y sensible que todos los dias come bien, se ejercita, platica con los ninos, conversa con su amiga y duerme bien. Si tuviera mas tiempo, haria lo mismo, y si ganara la loteroa? Seguiria haciendo lo mismo!, pues ha conquistado ya la felicidad, el gusto por las cosas simples que llenan la vida.

Historieta

A primeira vez que li Selma foi em uma livraria. Penso que foi em Belo Horizonte, quando realizava um pós-doutorado com a Graça Paulino.

Não lembro qual livraria...

Teria sido a Quixote[1]?

Me abracei na obra e saí com ela.

Deveria ter comprado dez exemplares.

Comprei só um e este, com o tempo, desapareceu.

Para tê-lo novamente me minha biblioteca, tive que buscá-lo em outras línguas, pois a editora brasileira já não mais existe. E os exemplares de Selma, em português, raríssimos, estão em preços impraticáveis.

Nas aulas de literatura que ofereço na UFPel, causo entre os e as alunas presentes, ao ler, a sensação de “não vivo mais sem este livro”!

Se leres Selma, vais entender...



[1] Em Belo Horizonte há duas Quixote - Livraria e Café: uma na Pampulha (Prédio da FaFiCH, sala 1032 - 1º andar no Campus UFMG) e outra na Savassi (Fernandes Tourinho, 274). Conheci-as e comprei livros em ambas. Mas há, também, o livreiro que atua na Faculdade de Educação há anos, o William Livros (wegmg@uai.com.br ou williamfae@gmail.com).


domingo, 4 de dezembro de 2022

Alfabetização literária: aprimorando o conceito

Alfabetização Literária: Aprimorando um conceito

Cristina Maria Rosa


Alfabetização literária é um processo de apresentação do mundo da literatura a todos: bebês, crianças, adolescentes, adultos, velhos. Demanda deliberação, constância e critérios pois, a formação do gosto não é um atributo genético.

Para alfabetizar literariamente é preponderante a seleção de obras fascinantes e atitudes de encantamento com a  arte da palavra pois, a “verdadeira” literatura se realiza através de um pacto: a interação autor/texto/leitor. 

O processo de encantamento com esta arte requer um sujeito que ama – o mediador –, um sujeito que deseja – o futuro leitor –, e o objeto de desejo: o livro.

Na alfabetização literária é imprescindível deliberação, ou seja, desejar, imaginar, planejar e propor a leitura. É indispensável constância: propor e ler, frequentemente, textos literários. Na escola, ao menos uma vez ao dia. Por fim, é imprescindível ter critérios, ou seja, formação e qualificação para selecionar obras e atuar com habilidade.

terça-feira, 15 de novembro de 2022

Lulu e o direito à dignidade

 


Lulu:
direito à liberdade, ao respeito e à dignidade.

Cristina Maria Rosa

 

Em “Cinco livros para falar sobre o ECA: um olhar literário e pedagógico”, descrevo e analiso obras literárias que podem ser acionados por educadores quando o foco é apresentar e/ou dialogar sobre os Direitos das Crianças e dos Adolescentes garantidos pelo ECA (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990). Do acervo da Sala de Leitura Erico Verissimo selecionei Lulu, de Fabrício Carpinejar (Edelbra, 2014) como “representante” do direito à liberdade, ao respeito e à dignidade. Nele, implicitamente, há informações e construções literárias que sustentam um diálogo sobre essas três palavras-chave.

Metodologia de estudo

A análise documental tem sido preponderante para a configuração de um rol de obras a serem acionadas na formação de professoras e professores, bibliotecárias e bibliotecários e gestoras e gestores escolares, além de ofertarem aos docentes em exercício, mediações possíveis.

Meus procedimentos foram:

a) Conhecer o acervo;

b) Ler todas os livros;

c) Selecionar as obras vinculadas ao foco da investigação;

d) Descrevê-las gráfica, editorial e biograficamente;

e) Analisá-las criticamente quanto a seu caráter literário e pedagógico.

Após a leitura de parte considerável do acervo, selecionei cinco como os mais potentes para os objetivos.

Resultados

Por que Lulu de Fabrício Carpinejar pode ser um potente instrumento para apresentar e dialogar sobre o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade?

Obra instigante, complexa, escrita por um autor brasileiro respeitado, à primeira vista, Lulu não é o que parece.

Iniciando pelo título.

Lulu costuma ser um apelido ou um diminutivo. Ao ler a capa, sou convidada a pensar em uma bebê, uma criança pequena ou mesmo em algum adulto que manteve o apelido de infância. No entanto, logo depois das primeiras frases inscritas na primeira página – Lulu não escuta a chaleira chiando. Lulu não escuta o sussurro. Lulu não escuta a grama encurvando antes da chuva... – é minha emoção que passa a acompanhar a forma poética de perceber a singularidade do cotidiano da personagem.

Carpinejar, o autor, sussurra em meus ouvidos ouvintes que o silêncio existe. E, depois disso, nunca mais pude esquecer que sim, há som quando a grama encurva antes da chuva! E há vida quando se doma o medo, quando não se mostra vantagem nem superioridade.

Escrito em frases curtas e marcantes, narra poeticamente o silêncio na vida de uma menina, a Lulu do título. Com capa acartonada e ilustrações de Serena Riglietti,  Lulu se sustenta literariamente. Mais que isso, é uma porta aberta a pensar a singularidade. E por isso, cabe tão bem na lista de sugestões para abrigar diálogos sobre direitos.

Neste caso, direito à liberdade, ao respeito e à dignidade.

Lulu, ainda, tem qualidades pedagógicas. Pode ser destinado à formação de leitores sobre o tema acima referido e que integra o ECA, mas, também, pode vir a apresentar aos pequenos, um modo de vida de um grupo de pessoas: as que ouvem pouco ou não ouvem nada. Necessita, para a leitura em voz alta, para si e para os outros, de delicadeza, fôlego e resiliência. Demanda um leitor ciente de seus limites, de suas possibilidades de mediador, de suas qualidades pedagógicas, de suas potencialidades como letrado.

O livro de 32 páginas é em Português e, ao fim, inclui minibiografia do autor e da ilustradora. Foi lançado pela Editora Edelbra em 2014. Fenômeno de vendas à época, não se encontra na maioria das listas de livros do escritor quando se busca, na rede, informações sobre sua biobibliografia.

Provavelmente, por ser “para crianças”.

Para mim, é um dos melhores e mais profundos livros do autor.

Universal por escrever sobre uma infância que não ouve, em Lulu Carpinejar aborda o medo.

E...

Quem não tem medo?

Por que Lulu representa o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade?

Investir em modos de pensar, em pluralidade de ideias é permitir que o silêncio se instale entre os leitores e os ouvintes. Que lugar mais adequado que a sala de aula para isso? Potente desencadeador de reflexões e diálogos, Lulu oportuniza reflexões sobre o conceito de dignidade e respeito.

Instiga a considerar o que é respeito.

O que é dignidade.

O que é liberdade.

Carpinejar, no livro, apresenta conceitos. Silêncio, batimentos cardíacos, barulho do estômago, chio de chaleira, “galhos cerzindo casacos de frutas”. Apresenta noções de percentual de escuta, ao escrever: “Cinquenta por cento num ouvido, quarenta no outro. Lulu não escuta” (2014: páginas 18 e 19). Lulu reúne, assim, qualidades suficientes para um mediador oferecer, através da leitura literária, contato profundo com uma nova e inesperada existência, que podemos experimentar se “taparmos” ou ouvidos. No livro, a “diferença” da personagem não é menos nem falta.

Pelo seu poder reverberador, me ensina a pensar em aprimorar minha escuta. Não a orgânica, biológica. A escuta das pessoas e do mundo que nos cerca.

Mais...

Quer saber mais sobre este livro? Encontrei uma resenha bem interessante. Leia em: https://olhandoporai.wordpress.com/2015/03/12/resenha-lulu-fabricio-carpinejar/

No site da Livraria da Travessa (https://www.travessa.com.br/lulu-1-ed-2014/artigo/00db6ada-efa7-4ec9-b4b5-99d3cc5b04ed) há outra resenha. Leia:

Este livro traz um tipo de personagem normalmente distante das histórias infantis: Lulu é uma menina com deficiência auditiva. Fabrício Carpinejar apresenta de forma poética e com uma percepção muito singular, o cotidiano de uma menina observadora e sensível. O cotidiano de Lulu é diferente? Tudo para Lulu é menos complicado do que pode parecer, assim como são simples as coisas para todas as crianças. E neste livro as ilustrações de Serena Riglietti enchem de cor a poesia das coisas simples.

domingo, 13 de novembro de 2022

A morte na encruzilhada


 Três moças em uma encruzilhada...

Cristina Maria Rosa

 

Se tu ainda não conheces As Três moças de encruzilhada, do Mario Quintana, não sabes o que já perdeste. É um conto inserido em Sapato Furado (1994), um dos livros que apresenta a “prosa poética” do escritor aqui do Rio Grande do Sul. No livro, há "de tudo" de Quintana.

Como sabes, o poeta não escrevia apenas poemas...

Poemas nunca são “apenas”.

Expressei-me mal.

O que eu queria dizer é que nas quarenta e oito páginas deste “Sapato”, há vinte e nove textos sobre variados temas, indicados em um organizado sumário, ao final. Editado pela Global, é possível entrar em contato com humor, precisão, delicadeza, originalidade. Mais. Com o inusitado de uma personagem que não tem receio de se apresentar ao leitor: a Morte.

Assim mesmo, com letra maiúscula.

Sim.

Em Sapato Furado, esta velha senhora é levada a sério!

Pois é...

Mas não é o livro e nem o conto que quero te convidar a ler...

O que eu quero é te contar que foi o conto de Quintana que nos inspirou a dar nome às nossas três primeiras ovelhas crioulas aqui do sítio Nonna Ambrogio.

Foi assim...

Sem nome, passaram a viver entre o gramado e os arbustos. Comendo sem parar – tudo que é verde elas experimentam – se recolhem a cada pequena ameaça de chuva, sol forte ou latido de algum de nossos cães. Nessas andanças nutritivas, nos deram, por um tempo, a oportunidade de observá-las.

Após suas decisões e indecisões, ocorreu um link com Quintana, um entre nossos autores prediletos

São três moças, nossas três ovelhas.

Sozinhas em “em bando”, enfrentam, todos os dias, encruzilhadas.

Correr sítio acima ou disparar para o canteiro de lírios? Fugir ou enfrentar os cães? Comer ou não as videiras? Namorar ou não o carneiro Nero? Deixar-se tosquiar ou não? Balir ou silenciar?

Dar nomes...

A mais nova, filhote ainda, mostrou-se a de maior personalidade e, por isso, a nomeamos “Sim”. De boca cheia, grita por mais comida. Reúne as demais e as toca para o abrigo. Se elas se revoltam, corre sozinha. Procura Nero como avalista de suas empreitadas ou como refúgio, quando as outras duas se enraivecem. Ao mesmo tempo, afronta o carneiro, arrancando de sua boca um naco de grama.

A mais velha, forte, decidida, orgulhosa, corajosa, nomeamos “Não”. Sempre que está contrariada, bate a pata direita dianteira no chão, como a dizer: – Não passarás! É altiva, olha longe, encara a todos antes de decidir. Não recua.  Grita, se necessário. Ignora o carneiro, que está louco por um namoro. Passa perto e dispara. Ela nega encontros. Justifica-se a escolha.

E a terceira, quase uma solteirona pois já é adulta e nunca namorou, demos o nome de “Talvez”. Talvez não é preta nem branca e, ora corre, hora descansa; ora se empolga, ora respira; ora observa, ora descarta; ora come, ora dorme.

Talvez, vez ou outra, segue o bando. Às vezes, faz carreira solo.

Três moças. Três ovelhas.

E a Morte?

Leia sobre ela em...

Mais...

Para saber mais sobre Mario Quintana, Sapato Furado e As três moças de Encruzilhada, leia: https://crisalfabetoaparte.blogspot.com/2016/08/sapato-furado-de-mario-quintana.html

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Infância em livros na Dom Quixote Bento Gonçalves

 

Infância em livros na Dom Quixote Bento Gonçalves.

Cristina Maria Rosa

 

Na quarta-feira, dia 21 de outubro, por duas horas, estive na Dom Quixote, uma livraria charmosa que existe em Bento. Estrategicamente localizada em uma rua de amplo fluxo, lugar repleto de consultórios médicos, cafés, estacionamentos e “esperas”, a livraria é também sebo e café, além de estar integrada a eventos ligados ao mundo do livro e da leitura como feiras, sessões de autógrafos e diálogos com autores.

Meu intuito era conhecer o acervo dedicado às crianças. Nele, meu foco era localizar, ler e adquirir obras que pudessem ser indicadas a Professoras, Pedagogas, Bibliotecárias e Gestoras escolares que desejem conhecer, abordar e se tornar letradas em direitos das crianças que, no Brasil, estão garantidos no Estatuto da Criança e do Adolescente. Os títulos que pretendo reunir em uma lista, devem ter sido publicados a partir de 1990, ano do decreto e sancionamento da Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, conhecida como ECA.

Dom Quixote Livraria & Cafeteria

Livraria é uma raridade na Serra Gaúcha.

Infelizmente.

Na “capital” do vinho, a Dom Quixote “combina” com o nome. Resiste bravamente à desilusão. Como “armas” em sua cruzada, é plena de livros – usados e novos, próprios e consignados – sem se descuidar das futuras gerações: o setor infantil, embora bem pequeno se comparado ao espaço tomado pelos demais livros, é bem fornido. No acervo com em torno de 900 títulos, encontrei até uma raridade: A festa das letras, de Cecília Meireles e Josué de Castro, originalmente publicado em 1937. Se não sabes por que este livro é raro, leia sobre em: http://crisalfabetoaparte.blogspot.com/2014/01/1948-o-batalhao-das-letras-de-quintana.html.

Entrevistando o homem do casal de proprietários, descobri que há clientes fiéis, bons contatos com Editoras (em especial, duas), uma relação cultivada com o público e orgulho de ter bons títulos no acervo. O café, inserido na rotina como um odor necessário e bem-vindo, oferece apenas duas mesas com dois assentos cada. Suficiente para o meu estudo. E para os clientes que durante as duas horas em que ali estive, circularam por lá. “Uma água, um pingado e uma fatia de bolo”, “dois expressos”, “dois sucos”, “uma água e um expresso”. Esses os pedidos dos demais que, como eu, ali entraram entre as 13 e as 15 horas de quarta-feira, dia 26 de outubro de 2022. Tomam um cafezinho, espiam um livro ou outro, perguntam por algum título, batem um papinho e saem. Alguns vem focados: adquirem e saem.

Conversando com uma das atendentes, descobri que a Dom já foi grande (em torno de 100 metros quadrados) e nela havia muito espaço para estudar, o que era comum até entre jovens frequentadores. Mas, de acordo com ela, os clientes gostam muito da nova configuração: pequena, acolhedora, suficiente.

Tradição entre os gaúchos – “frequentar” uma livraria “de calçada” – não é bem o que ocorre ali. O espaço é bem pequeno, tem apenas duas grandes e repletas paredes com livros em toda a extensão, tanto longitudinal como transversalmente. No meio, entre os dois espaços destinados a tomar um café, há uma estante menor, também com livros. Percebo agora que dei pouca importância a este espaço. Vou ter que voltar lá. Ao fundo, o caixa, uma pequena cozinha onde são preparados os cafés e um banheiro bem cuidado.

O que interessa, na Dom, no meu entender, é o acervo. E, a possibilidade de ali estudar, herdada, talvez, de tempos idos. Eu fui bem recebida, me permitiram ler e manipular livros e pude conversar abertamente sobre o que é qualidade literária e editorial. Te surpreende? A mim também.


Pesquisando...

Meu propósito, já conheces. Conhecer o acervo em termos de quantidade e qualidade. O literário desse acervo é minha maior curiosidade pois, sim, há muitos livros sendo produzidos que se restringem ao desejo de "educar" o leitor, seja lá que a que educação se referem.

Me interessa também e muito, ver se há autores brasileiros, mais especialmente do Rio Grande do Sul, entre os títulos expostos. Encontrei, entre os 156 títulos observados, apenas dois aqui do Sul: Caio Riter (Sete patinhos na Lagoa, da Biruta, 2012) e Carlos Urbim (Dever de casa, da Projeto, 2011).

E encontrei alguns de André Neves, que nasceu no Recife e é radicado em Porto Alegre. É dele o melhor título que encontrei no acervo da Dom: Obrigado. Narrativa poética que reúne poemas verbais e visuais, apresenta poetas que marcaram sua trajetória de vida e o constituíram leitor, ilustrador e escritor. Premiado, maduro, Neves revela delicadezas sobre o processo de criação deste maravilhoso livro em uma entrevista à Revista Crescer. Quer ler? Clique em: https://revistacrescer.globo.com/Entretenimento/noticia/2020/09/andre-neves-e-o-lugar-da-poesia-na-infancia.html. Quer conhecer o escritor? Veja em: https://www.bing.com/videos/search?q=andr%c3%a9+neves+vive+em&docid=608019197549297549&mid=27964EB61F66D3F5D83B27964EB61F66D3F5D83B&view=detail&FORM=VIRE.

 

Atitudes e números desta visita...

Após a observação do espaço ocupado pelo acervo total da livraria (oito colunas em cada lado e 10 separações transversais em cada uma), contei quantos livros havia em uma parte de uma das estantes e multipliquei por todas para obter um valor aproximado de títulos. Quase não há duplicação de títulos na livraria, o que ajudou o resultado do cálculo a ser mais preciso.

Depois, comparei o espaço ocupado por livros no local restrito a crianças. Neste caso, a relação foi de 16 para um, ou seja, o espaço infantil é uma parte do total de 17 “estantes” da livraria. Para ser mais precisa, contei, manualmente, todos os títulos em uma das partes na estante do setor infantil. Por fim, multiplicando pelas demais, deduzi que ali se encontrava a quantidade aproximada de 600 títulos. Tanto a atendente quanto o proprietário declararam não saber o número de títulos disponíveis e ambos mencionaram estar desfalcado o acervo, em função das atividades fora da livraria (feiras do livro) que mobilizam parte considerável dos livros.

Primeira seleção

Organizei um espaço para separar (reservar para ler e descartar os que não leria). Nesta primeira escolha, 20 foram para a mesinha de café e 53 foram deixados na estante. Assim, percorri o olhar sobre 73 primeiros títulos. Me desloquei para a mesa e, diante dos 20 “separados para leitura”, fotografei todas as capas, li 18 e fotografei mais alguns detalhes dos que, entre eles, mais gostei. Dois desse grupo – Quem sou eu?, de Ana Maria Machado e O coelho, o escuro e a lata de biscoitos, de Nicola O’Byrne (Brinque-Book, 2021 – não pude ler: estavam envolvidos em papel filme e o proprietário não permitiu abrir.

Quatro destaques desta primeira seleção: Obrigado, de André Neves (Editora Pulo do Gato, 2021), Lua noite e dia, de André Neves (Paulinas, 2019), Pedro e Tina: uma amizade muito especial, de Stephen Michael King (Brinque-Book, 2015) e Diversidade, de Tatiana Belinky, editado pela Editora Quinteto, em 1999 e reeditado pela FTD, em 2015. Nesta obra, em versos que primam pela rima, a autora “argumenta” que não basta reconhecer diferenças nos aspectos físicos, comportamentais ou de personalidade. É preciso respeitá-las. Cor da pele, textura do cabelo, humor ou temperamento são fatores de diversidade e não tornam as pessoas melhores ou piores, mas diferentes, como todos os seres humanos, de acordo com Belinky (1999). Todos os quatro ficaram depositados na mesa, para a decisão final: adquirir?

Segunda seleção

Entre os 47 títulos observados nessa segunda investida no acervo, escolhi 10 e os demais 37 foram deixados na estante. Diante dos 10 “separados para leitura”, fotografei todas as capas, li todos e selecionei quatro: Vira lata, de Stephen Michael King (Brinque-Book, 2015); Ismael e Chopin, de Miguel Souza Tavares Companhia das Letrinhas, 2011); Os direitos das crianças segundo Ruth Rocha (Companhia das Letras, 2002 e Salamandra, 2014) e Grandes mulheres que fizeram história, de Kate Pankhurst (Editora Vergara & Riba, 2018). Este último, destaca-se por abordar a igualdade de gênero, a presença e a importância de mulheres na história e o empreendedorismo feminino.

Terceira seleção:

Por fim, selecionei mais 7 entre 36 títulos, todos da mesma e parte da estante do setor infantil. Diante deles e sentada apreciando cada um, fotografei todos e alguns detalhes de alguns, como introdução e última capa, por exemplo e destaquei para ler de novo, ao fim, apenas um: Não me toca, seu boboca, de Andrea Viviana Taubman (Aletria, 2021). Não que outros não fossem interessantes, apenas não de adequavam a minha busca temática.


Fim da "visita"

Ao sair da Dom Quixote – eram 15 horas e trinta minutos de uma quarta-feira – eu me encontrava feliz da vida!

Tinha conseguido ler 37 livros.

Alguns integram minha biblioteca e, mesmo assim, os reli.

Nos meus braços, embalados na sacola com os dizeres “Juntos fazemos o moinho da vida girar. Aprecie sua leitura”, da Dom Quixote livraria & Cafeteria, dois títulos: Ismael e Chopin, de Miguel Souza Tavares e Os direitos das crianças segundo Ruth Rocha.

O primeiro, adquiri por ser desconhecido. Ao ler uma parte, me apaixonei. Já estou lendo e, depois te conto tudo. O segundo, por motivos óbvios: trata dos direitos das crianças segundo uma grande autora de obras para a infância. Já possuía, mas comprei por ter sido publicado por outra Editora doze anos após a anterior.

Após entrar em contato com 156 títulos (26% ou quase um terço do acervo da livraria), tendo lido 37 destes (23,71%), consegui indicar nove livros a integrem minha lista de obras possíveis e adequadas a abordarem os direitos das crianças contidos no ECA. Considero que tenha sido uma excelente tarde de pesquisa!

Mais...

Para conhecer a Dom, clique em https://pt-br.facebook.com/dom.quixote.livraria.cafeteria/

Para saber mais sobre Obrigado, de André Neves clique em: https://ambrosia.com.br/infantil/obrigado-de-andre-neves-conta-em-poesia-a-infancia-de-grandes-poetas-brasileiros/

Alfabeteando...

Um "Alfabeto à parte" foi criado em setembro de 2008 e tem como objetivo discutir a leitura e a literatura na escola. Nele disponibilizo o que penso, estudos sobre documentos raros e meus contos, além de uma lista do que gosto de ler. Alguns momentos importantes estão aqui. 2013 – Publicação dos estudos sobre o Abecedário Ilustrado Meu ABC, de Erico Verissimo, publicado pelas Oficinas Gráficas da Livraria do Globo em 1936; 2015 – Inauguração da Sala de Leitura Erico Verissimo, na FaE/UFPel; 2016 – Restauro e ambientação da Biblioteca na Escola Fernando Treptow, inaugurada em 25 de novembro; 2017 – Escrita da Biografia literária de João Bez Batti, a partir de relatos pessoais. Bilíngue – português e italiano – tornou-se um E-Book; 2018 – Feira do Livro com Anna Claudia Ramos (http://annaclaudiaramos.com.br/). 2019 – Produção de Íris e a Beterraba, um livro digital ilustrado por crianças; 2020 – Produção de Uma quarentena de Receitas, um livro criado para comemorar a vida; 2021 – Ruas Rosas e Um abraço e um chá, duas produções com a UNAPI; 2022 – Inicio de Pesquisa de Pós-Doutorado em acervos universitários. Foco: Há livros literários para crianças que abordem o ECA? 2023 – Tragicamente obsoletos: Publicação de um catálogo com livros para a infância.

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