domingo, 9 de fevereiro de 2025

Pedagogia: apreço à pluralidade do aprender, ensinar, pesquisar e divulgar

 

Pedagogia

Cristina Maria Rosa


A Pedagogia pode ser compreendida, conceituada, percebida como uma estratégia política? A pedagogia se conforma, se organiza como “práticas e experiências” que visam ensinar algo? Ela poderia ser conceituada como “articuladora” de processos educativos? Por haver múltiplos lugares de aprendizagem ela seria uma das profissões envolvidas em diferenciados processos educativos? Perguntando de outro modo, padrões de consumo moldados pela publicidade empresarial podem ser considerados fruto de políticas educativas? Há uma “pedagogia” para consumo?  Neste caso, artefatos midiáticos[1] poderiam ser produtores de "pedagogias"?

A existência de relações de ensino e aprendizagem em diferentes nichos sociais regulados pela cultura seria o imperativo pedagógico contemporâneo? Por ocorrem em vários lugares da cultura e não apenas na escola, as plurais e diversas mediações que intencionam o ensino e aprendizagem seriam “pedagogias”?

 O novo milênio, recém iniciado e já finalizando seu primeiro quarto, engendra poucas e nem sempre novas questões para todos nós, profissionais da educação cujo produto não pode ser conhecido sem o passar do tempo. A distinção ou pretensa igualdade entre os termos Pedagogia e seu plural – pedagogias – é uma destas “questões”.

Formação pedagógica

Parte da formação continuada em qualquer profissão é ler. Sobre a formação, o exercício e os impactos dela na sociedade. Mas não só...

Pedagoga, há algum tempo tenho me defrontado com o uso – em textos, propostas e comunicações – da expressão Pedagogias.

Ao ler o substantivo Pedagogia pluralizado, aciono a possibilidade de compreender o termo como sinônimo, entre outros, de atividades pedagógicas estratégicas ou ferramentas planejadas com o objetivo de promover o aprendizado. Ou ainda, métodos e processos específicos para um público selecionado e até proposições dirigidas a níveis ou modalidades de ensino. Pedagogia, nestes exemplos, seria um modo, um meio, uma fórmula ou tática, um mecanismo e/ou dispositivo e, até, um artifício ou esquema e até uma técnica que, uma vez aprendida, ao ser acionada produziria os resultados desejados.

Neste espectro conceitual, caberia mencionar as variadas e consolidadas proposições teóricas e metodológicas que ao fim do século XIX e durante todo o XX, deram margem e até mesmo engendraram o uso do vocábulo “pedagogias”: as tendências pedagógicas. Estas, de orientação liberal ou progressista, assumiram para si e como suas, a totalidade da profissão, especialmente em escolas. Ao me convencer de suas verdades, teria havido, durante todo esse tempo, a formação de docentes (pedagogos e pedagogas, em especial), para o exercício de uma educação liberal e, em seu oposto, para uma educação progressista, cada uma delas fracionada por categorias mais ou menos conservadoras ou libertárias. Penso que a concomitância dessas abordagens, poderia, sim, ter dado impulso ao uso do termo pedagogia em sua flexão de número: pedagogias.

Mais recentemente, expressões como pedagogias ativas (incentivado a participar ativamente da construção do conhecimento com foco na autonomia, criatividade e protagonismo, nesta abordagem o educando é centro do processo de aprendizagem), pedagogias renovadas – cujo foco é a adaptação a exigências da sociedade globalizada do conhecimento – e pedagogias culturais – invenção originada na ampliação da noção de lugares de aprendizagem e de processos educativos que extrapolam o âmbito escolar – têm sido mencionadas

Pedagogia

Quase uma sinédoque – recurso estilístico que se serve da figura de linguagem para substituir uma palavra por outra pela proximidade de sentidos entre ambas – em raras publicações sobre esses termos a Pedagogia, como profissão, é conceituada. Aproveitando-se da compreensão generalizada, do senso comum sobre parte dos saberes que circulam sobre essa profissionalidade – a profissão e seu exercício em sociedade – usuários do termo “pedagogias” ignoram ou fazem questão de não mencionar que a Pedagogia é um campo da ciência que estuda o ensino e a aprendizagem. Envolve a compreensão de como as pessoas aprendem, como as diferenciadas gerações dão sentido e significado ao conhecimento, à cultura, às relações éticas e políticas.

Área de estudo focada na educação e no desenvolvimento humano, a Pedagogia intenciona compreender fenômenos educativos em larga escala e também individualmente, uma vez que a aprendizagem de cada um é fundamental para a vida em sociedade. É por sua importância na vida individual e de pequenos grupos assim como na dos demais, que há tantas modalidades de educação no país.

A Pedagogia, também, é capaz de indicar quais os mais eficientes e eficazes modos de uma nação obter, via processos de estudo, pesquisa, organização metodológica e publicização de saberes, as aprendizagens essenciais, as habilidades e as competências que todos têm o direito de ter, mobilizar, usufruir.

Por estar assentada sobre áreas consistentes de pesquisa – psicologia, linguagem, sociologia, história, política e ciências, entre outras – e ser integrada por suas descobertas e consensos, a Pedagogia oportuniza olhar para processos de ensino e de aprendizagem a partir de diferentes perspectivas. Apesar de ter como imperativo profissional responder socialmente pelas aprendizagens essenciais circunscritas por conhecimentos, habilidades, atitudes e valores que devem ser mobilizados, articulados e integrados pelos “sujeitos educados”, a Pedagogia extrapola o “fazer”.

Por sonhar, desejar, investir em uma sociedade que tenha como princípio a liberdade e tenha como ideal a solidariedade humana, a Pedagogia pode e deve ser pautada pela igualdade de acesso e permanência de todos em processos educativos. Através da defesa de um utópico pluralismo de ideias, a Pedagogia indica ter apreço à tolerância e respeito à diversidade, pluralidade e liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar saberes.  Em busca de um padrão de qualidade de aprendizagem e ensino, mas, também, de acesso a processos educativos e suas variadas consequências, a Pedagogia importa-se com o eu, o nós e o outro.

Ao desejar, desde tenra idade, que todos façamos parte de uma educação ao longo da vida, ou seja, que todos sejamos aprendizes e ensinantes do que temos de melhor em busca do sermos capazes de contribuir com a sociedade de forma significativa, produtiva, ética, priorizando o bem comum, a Pedagogia se insere e se pauta nos ideais e princípios da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, uma conquista de toda  nação. Inspirada em princípios, a Pedagogia como campo de formação de profissionais tem por finalidade o pleno desenvolvimento humano, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho.

Pedagogias e seus quetais...

A Pedagogia, por se ocupar com habilidades e competências necessárias para que todos se desenvolvam de forma a que tenham condições e oportunidades de contribuir para a sociedade, tem sido confundida.

Confundida com métodos, processos, artimanhas e estratégias.

Sim, há métodos, na Pedagogia.

E sim, há processos, artimanhas e estratégias no fazer pedagógico.

Sim, não se pode negar que a Pedagogia oferece a professores, gestores e a outros profissionais não tecnicamente habilitados para os processos formais do educar, ferramentas e técnicas que tem como intuito melhorar a qualidade dos procedimentos de aquisição de saberes não apenas formais, escolares, listados em diretrizes, bases e parâmetros. A Pedagogia tem o bom hábito de não escolher destinatários: ela é pública e de qualidade e não se nega a promover o desenvolvimento de habilidades educacionais amplas que possam vir a ser generalizadas.

E, com certeza, o conhecimento produzido pela Pedagogia, apesar de peculiar por todos os seus atributos como campo de saber que extrapola mas não prescinde do fazer, pode vir a ser aplicado para melhorar outros e variados “métodos”.

Intencionalmente criados para os processos que ocorrem na escola – maior e mais consistente local de convivência desde tenra idade no Brasil – os modos de ser e estar pedagógicos se relacionam mais intimamente de que conseguimos supor com o projeto de nação que temos. Individualmente e como país. Esses “modos de ser e estar”, no entanto, são autorizados, cerificados, diplomados.

Instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano, as Universidades brasileiras se caracterizam pela produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional e nacional.

Assim, é nela, a Universidade, que a Pedagogia é tratada. Comprometida com todas as leis que regem e normatizam a educação escolar no país, seus currículos são reavaliados sistematicamente, seus egressos são experimentados nos diferenciados locais de trabalho e seus efeitos são conhecidos em graus e níveis de escolaridade, domínio de saberes e usufruto da cultura no sentido amplo. Não há nenhuma outra profissão que abranja tantos processos, tantas pessoas, tanta importância, pois não há um só pesquisador ou profissional técnico e tecnológico “de ponta”, em qualquer outra profissão, que não tenha aprendido a ler e escrever.

Finalizando...

Em um texto intitulado Discursos sobrte o profissionalismo docente: paradoxos e alternativas conceptuais, Maria Assunção Flores indica que "mudanças sociais, culturais e políticas têm tido repercussões no trabalho" de professores de uma maneira geral. Entre elas, "maior ceticismo em relação à sua autoridade, uma cultura consumista e transformações nas tecnologias de informação e comunicação". A autora, porém, observa que, apesar disso, "os professores têm respondido de diferentes modos a esses desafios em diversos contextos, com implicações ao nível do profissionalismo docente e das suas identidades profissionais".

Nesta mesma linha e finalizando, penso que, embora muitas vezes seja associada à prática de algum ensino, a Pedagogia é uma forma de pensamento e linguagem, atitude e intervenção, sonho e realidade que, em contraste com as demais já experimentadas e convivendo com a pluralidade de todas elas, se oferece como base para a educação na vida das pessoas em sociedade.

Saber mais...

Para saber mais de Maria Assunção Flores leia Discursos sobrte o profissionalismo docente: paradoxos e alternativas conceptuais. Disponível em:  https//www.scielo.br/j/rbedu/a/nRWmGDz4XZ6zZWSzpV5VWLS/





[1] Produtos ou elementos criados e disseminados por meio de diferenciadas plataformas como jornais, rádio, televisão, revista e internet, artefatos midiáticos são textos, imagens, áudios, vídeos, animações, infográficos ou outros, criados para entretenimento, educação, publicidade, informação e/ou outras finalidades. Podem desempenhar papel importante na forma como consumimos e interagimos com a informação e a cultura.

Aprendizagens essenciais: um desejo

 

Aprendizagens essenciais: um desejo

Cristina Maria Rosa

A Base Nacional Comum Curricular, aprovada no país em 2017, é resultante de trâmites que envolveram diversos atores: professores, gestores, pesquisadores, estudiosos, juristas, entre outros. Ao fim de um período de estudos e proposições, o Ministério da Educação entregou ao Conselho Nacional de Educação o texto para que, em audiências públicas de caráter consultivo em Manaus, Recife, Florianópolis, São Paulo e Brasília, fossem colhidas contribuições para a elaboração final da norma.

A BNCC, como é conhecida, precisou do CNE – órgão normativo do sistema nacional de educação – que tem como dever apreciar (ler, compreender, avaliar e avalizar, de acordo com a Lei 9131/95) o “rascunho” para produzir um parecer com destino a um projeto de resolução que, ao ser homologado pelo Ministro da Educação, se transformou em norma nacional.

Assim, em uma forma simples de conceituar, a BNCC pode ser descrita como um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico – pertinente e articulado – e progressivo (que se complexifica com o avançar dos anos de escolaridade), de aprendizagens essenciais que todos as crianças, adolescentes e jovens que estão inseridos no sistema de educação devem desenvolver ao longo das etapas (educação infantil, ensino fundamental e médio) e modalidades (EJA, educação especial, EAD, indígena, do campo, quilombola, bilíngue de surdos e profissional e tecnológica) da Educação Básica.

O foco dessa normativa é assegurar os direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei no 9.394/1996) e a Constituição Federal de 1988.

Parecem muitas regras, pareceres, normativas? Todas elas são necessárias e, de algum modo, atualizam a pauta sobre o que devemos, como sociedade, oferecer às novas gerações em termos de escola, conhecimentos, habilidades, valores e atitudes. Orientado pelos princípios éticos, políticos e estéticos que visam à formação humana integral e à construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva, a BNCC foi elaborada e é destinada exclusivamente à educação escolar e integra as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica.

 

As consultas públicas

Nas reuniões que ocorreram em todo o país durante a apreciação da proposição, 235 documentos foram protocolados com contribuições recebidas no âmbito das audiências públicas, além de 283 manifestações orai, consideradas essenciais para que os conselheiros tomassem conhecimento das posições e contribuições advindas de diversas entidades e atores da sociedade civil e, assim, pudessem deliberar por ajustes necessários para adequar a proposta considerando as necessidades, interesses e pluralidade da educação brasileira.

No dia 15 de dezembro, o parecer e o projeto de resolução apresentados pelos conselheiros relatores do CNE foram votados em Sessão do Conselho Pleno e aprovados com 20 votos a favor e 3 contrários. Com esse resultado, seguiram para a homologação no MEC, que aconteceu no dia 20 de dezembro de 2017.

 

Valendo...

E no dia 22 de dezembro de 2017 foi publicada a Resolução CNE/CP nº 2, que institui e orienta a implantação da Base Nacional Comum Curricular a ser respeitada obrigatoriamente ao longo das etapas e respectivas modalidades no âmbito da Educação Básica.  Lembrando que a BNCC aprovada se refere à Educação Infantil e ao Ensino Fundamental, sendo que a Base do Ensino Médio será objeto de elaboração e deliberação posteriores.

Quer saber tudo sobre esta importante normativa?

Acesse http://portal.mec.gov.br/conselho-nacional-de-educacao/base-nacional-comum-curricular-bncc

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Pedagogia ou pedagogias?

      
Pedagogia ou pedagogias?

Cristina Maria Rosa


O entendimento sobre o que significa ser um/uma Pedagogo/a, a partir do quadro legal e curricular e de plurais modos de ser e de estar na profissão, depende das perspectivas, possibilidades e consequências de processos formadores e de práticas profissionais. Diante de diferenciados e exigentes tempos e locais em que a educação de pessoas – bebês, crianças, jovens e velhos – é ofertada em uma sociedade complexa como a nossa, formação, exercício profissional e avaliação andam “de mãos dadas” não só no recreio.

Observando textos que podem acionar saberes sobre o termo Pedagogia flexionado em número, encontrei o intitulado Educar no século XXI: modelos pedagógicos que preparam para a incerteza [1]. Nele, Eliane Moreira Marques (2025) sugere que a evolução tecnológica interfere e pode ser motor dos domínios cognitivo, intrapessoal e interpessoal. Interessada em circunscrever as habilidades [2] do século XXI – um conjunto de competências que os estudantes necessitam para ter sucesso – a autora se refere a elementos da aprendizagem e inovação (como criatividade, pensamento crítico, comunicação e colaboração), e, também, consciência crítica, organização, responsabilidade e dedicação ao trabalho, procuradas ou necessárias para fazer diferença no mundo acadêmico, no mercado de trabalho e na participação social.

Em seu ensaio, Marques (2025) informa que há “quatro modelos pedagógicos” referenciados em metodologias que pressupõem o recurso às tecnologias. Esses modelos são: a) o trabalho de projeto baseado na pesquisa; b) a aprendizagem através da resolução de problemas; c) a aprendizagem cooperativa e d) o experimentalismo.

Focada nos processos de ensino e aprendizagem e nas dinâmicas de trabalho em sala de aula, a autora considera o professor como um facilitador do conhecimento e mentor em busca da adoção de metodologias de trabalho mais consoantes com o desenvolvimento da autonomia e independência na vida adulta. Seu foco seria a aquisição de uma cidadania crítica e participativa. Para tal, indica a necessidade de adequação da formação inicial e contínua de professores aos novos desígnios educativos.

Outro uso do termo pedagogias que tenho observado é o que diz respeito ao aparecimento, disseminação e uso do conceito no campo dos Estudos Culturais em Educação, especialmente no cenário acadêmico brasileiro [3]. Nesta abordagem, um dos mais instigantes textos que aborda a “invenção" da expressão é o intitulado Nos rastros do conceito de pedagogias culturais: invenção, disseminação e usos, de autoria de Paula Deporte de Andrade e Marisa Vorraber Costa. Nele, as autoras abrem mão de “tentar capturar o momento fundante do emprego do termo pedagogias” e indicam o desejo de “apontar e problematizar algumas das muitas e variadas condições que possibilitaram a emergência/invenção dessa expressão/conceito”. Para isso, lançam mão de “autores que se dedicaram a vislumbrar e analisar as pedagogias atuantes em uma multiplicidade de espaços, para além daqueles que delimitam territórios escolares ou escolarizados”.

Nos exemplos acionados acima, os saberes necessários, adequados, desejados, vislumbrados e a serem adquiridos, seriam apenas algumas das atribuições da profissão que, no Brasil, tem significado instituído. A Pedagogia é uma profissão regulamentada por lei – a LDB 9.394/96 – que demanda formação superior para seu exercício, defesa e efetivo desempenho de fundamentos éticos e alinhamento com os objetivos e fins da educação nacional.

Instigada pelos binarismos – na política, na vida privada e até na língua portuguesa, pois não há um homônimo sem um parônimo para fazer rir e pensar – estou me propondo a pensar na Pedagogia, a profissão, como radicalmente diferente de seus pretensos sinônimos ou correlatos, as “pedagogias”.

Sem intencionar reduzir os “nomes inventados” à ideia de modelos pedagógicos referenciados em metodologias, procedimentos ou políticas de desencadeamento de modos de ver e formar o outro, os outros e nós, me disponho a pensar e escrever sobre este caminhar. Uma pedagoga pensando sobre a Pedagogia, esse o meu intuito.

Inspirada nos princípios da liberdade e nos ideais da solidariedade humana, a educação no Brasil tem como finalidade o pleno desenvolvimento do educando, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. É um princípio acordado. Que tem poder de lei, ou seja, de se fazer cumprir. É um consenso. Um possível, dentre tantos outros. Diante disso, pergunto a mim mesma: qual a função do/a Pedagogo/a neste projeto de país e processo educacional já que os currículos dos cursos de formação de docentes têm como referência a LDB (1996) e a Base Nacional Comum Curricular (2017)?

 

 Pedagogia: arte, ciência, profissão, formação superior, metodologia ou escolha ética?

Regida pela LDB 9.394/96, a formação necessária para o exercício dessa profissão que tem, entre outras atribuições, conquistar a plena alfabetização das crianças na escola, está especialmente pautada no Artigo 62º:

A formação de docentes para atuar na educação básica é realizada em nível superior, em curso de licenciatura plena, sendo admitida também a formação em nível médio, na modalidade normal, para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental. Além disso, a formação continuada é considerada um direito para todos os profissionais que trabalham em estabelecimentos de ensino. 

 Nesta mesma lei, entramos em contato com a prerrogativa de que os currículos dos cursos de formação de docentes devem ter por referência a Base Nacional Comum Curricular (BNCC/2017). Portanto, há um regramento que, ao instituir o projeto de criança, jovem e adulto educado/educada que como nação queremos, temos de “cumprir”. Na escola. Para todos. Indistintamente.

Profissão que exerço desde janeiro de 1990, quando a UFSM me entregou o Diploma de Licenciada em Pedagogia, tenho apreço por indagar o que as pessoas que me cercam pensam sobre esta tão interessante profissão que interfere profundamente na vida de todos em sociedade. Fundada na formação e exercício da docência, para ser uma Pedagoga, qualidades, habilidades, saberes e sabores são desejáveis, necessários e imprescindíveis. E, não se pode esquecer, há diferença entre um professor (que pode ser até de cirurgia cerebral, por exemplo) e uma pedagoga, um pedagogo.

Onde reside a diferença? Como se “formam” os profissionais que ensinam outros a serem o que quiserem? Quais as habilidades que só a Pedagogia confere, possuiu? O que a diferencia dos demais profissionais que exercem a docência e das demais atividades profissionais? Quais os "imperativos" que lhe são únicos?

Uma das pessoas que pensou e escreveu sobre o tema foi Maurice Tardif. Sociólogo e Filósofo canadense, ao reunir resultados de suas pesquisas na obra Saberes Docentes e Formação Profissional, elencou um grupo saberes que servem de base ao ofício de professor e indicou qual a natureza desses saberes.

Ao demonstrar que “o saber literário compõe o conjunto de saberes docentes ligados ao trabalho cotidiano em sala de aula, mesmo quando esse trabalho não está diretamente ligado ao ensino de língua e literatura”, Graça Paulino em Saberes literários como saberes docentes (2004), extrapolou as formulações de Maurice Tardif e, por isso, tornou-se uma herança intelectual potente. Atribuo a essas duas fontes teóricas, meus saberes mais atuais quando preciso conceituar o que é um profissional da educação e, em especial, uma pedagoga.

Uma pedagoga, um pedagogo se diferenciam dos demais professores porque possui, como ninguém, o saber – e poder que dele advém – de incitar cada novo cidadão que acorre à escola em qualquer nível ou modalidade, a se tornar um usuário competente da língua escrita. É este profissional que tem, como compromisso social, aprimorar, entre crianças, jovens e velhos, a arte complexa que é conhecer, usar, usufruir, inventar e se divertir com a linguagem, essa “faculdade cognitiva exclusiva da espécie humana” (Marcos Bagno, 2014).

Por saber que a linguagem é a maior conquista da espécie, o domínio e o usufruto dessa arte é raro, instigante, encantador e inigualável e nós, sociedade, atribuímos a uma profissão – a Pedagogia – a condição de ser mediadora de processos do ensinar e aprender. Com os que desejam e precisam aprender, o "compromisso da docência", o dever do pedagogo, da pedagoga, é estudar a linguagem em toda a sua diversidade e, profundamente, os processos de apresentação, aquisição, uso e deleite.  A mediação, função principal, pode e deve ser exercida através do respeito aos demais saberes, mesmo que insipientes, pois todos estamos em processo.

Por fim, é preciso afirmar que saber ler e saber ensinar a ler é o que nos distingue! Utilizar essa faculdade exclusiva e tornar os demais apaixonados pelo vigor e insondável beleza que advém da Linguagem, e, em especial, da Literatura é nosso compromisso. E, no exercício desse saber, a alfabetização literária é imprescindível!


Quer ler mais sobre isso? Clique em:

https://crisalfabetoaparte.blogspot.com/2025/02/pedagogia-apreco-pluralidade-do.html

https://crisalfabetoaparte.blogspot.com/2024/12/o-gosto-pelas-coisas-simples.html

https://crisalfabetoaparte.blogspot.com/2024/10/algumas-muitas-ideias-sobre.html

https://crisalfabetoaparte.blogspot.com/2023/06/ler-e-pertencer.html



[1] De autoria de Eliane Moreira Marques, PhD student em Supervisão Pedagógica, Universidade do Minho, Portugal, o texto está disponível em: https://www.scielo.br/j/ensaio/a/y64h3W9sMRXvJsKLqjndf8h/

[2] No texto a autora utiliza o termo Skills, que, em tradução livre, significa habilidades ou capacidades. Na Língua Inglesa o termo é empregado para se referir à capacidade de concretização, eficiente e rapidamente, de determinado objetivo. Pode ser entendido, ainda, como competência, aptidão, modo e destreza aplicados por cada pessoa em determinada tarefa.

Ana, um conto rural

 


Ana

Cristina Maria Rosa

 

Ontem eu visitei a Ana. Ela não mora só. Airton, o pai, e Daniela, a mãe, também moram lá. Mais a Nonna – que gosta de uvas brancas – e o Nonno Ailor, que cuida das ovelhas e faz vinho.

Quando eu cheguei, a Ana decidiu me apresentar sua criação de galinhas. Primeiro vimos três pintinhos. Um branco, um malhado e um preto. Eles moram em uma gaiola de passarinhos, de dia. E dentro de casa, à noite.

Gostam tanto da Ana que passeiam com ela pelo sítio. No colo e nos ombros. De vez em quando, voam. O Airton, pai da Ana, disse que se eles caírem, podem quebrar as patinhas e, então, a Ana solta os pequenos pelo chão.

Só um pouquinho.

Logo depois, recolhe e os guarda na gaiola. Nela, tem água e alimento.

Esqueci de dizer que cada pintinho é do tamanho de uma mão. Mão da Ana, não a minha, que é maior. E lembrei que a Ana consegue carregar os três no colo, bem juntinhos. Eu, quando os peguei, percebi que estavam com o papo cheio e bem quentinhos.

Depois que conhecemos os filhotes, fomos em direção ao galinheiro grande: nele havia sol, sombra das árvores, uma casinha bem reforçada e muitos galos, galinhas e alguns filhotes. Cada um de um tipo: prateados, brancos, pretos e marrons; alguns arrepiados, outros com penas macias como veludo; alguns com franja nos olhos, alguns de pescoço pelado.

Aí, sim, foi uma festa!

A Ana me apresentou um a um.

Passava por uma porta com tranca, abria a tranca, ia lá dentro do galinheiro, buscava alguém, me apresentava.

Se tinha nome, dizia.

Se não tinha nome, dizia que não tinha.

A Aninha, um galinho garnisé do qual a Ana mais gosta, dança quando ela chama o seu nome. Ele é o preferido porque, desde pequeninho, foi confundido. Ele é “ele”, mas tem nome de “ela”, Aninha. Eu peguei a aninha no colo e parece que ela ficou minha amiga.

A Aninha é uma galinha-anã. Ela é bem menor que as galinhas que existem aqui no meu sítio. Apesar de ser bem pequeninha, a Aninha tem tudo que as demais galinhas têm: penas, asas, dois pés com quatro dedos em cada, bico, crista, olhos e vontade de voar.

Ela só tem vontade...

Não consegue, mas tenta!

Depois que fui apresentada a todas as galinhas, galos e filhotes que vivem no galinheiro dos Cantelli, fomos conhecer os novos vinhedos. E os tomates, a plantação de melancia, mandioca, feijão e chuchu. No caminho, a Ana ia me mostrando cada uma e perguntando:

– Tu gostas de chuchu?

– Viste as melancias?

Quando chegamos no vinhedo, a Ana logo me direcionou para as uvas brancas, suas preferidas. Primeiro, desconfiamos que a Nonna já havia colhido tudo. E foi um susto pensar que não haveria nem um cachinho para experimentar...

Mas, logo depois, a Ana encontrou. E escolheu um cacho. Como ela ainda é criança e não alcança os frutos que ficam lá no alto da parreira, eu colhi e dei para ela. Em seguida, escolhi um cacho para mim.

E fomos adiante: comendo, conversando e olhando as demais uvas...

Todas as outras uvas – pretas, como a Ana chama – estavam prontinhas para serem colhidas. Tinha Isabel, Bordô, Carmem...

É que estamos na Vindima, o tempo da colheita dos frutos das videiras aqui na serra gaúcha. E a família da Ana planta, cuida, colhe e vende as uvas. Mas, também, faz vinho e suco de uva, presenteia amigos com cachos deliciosos e ensina como se deve fazer para obter uvas saudáveis e cachos repletos.

Esqueci de dizer que bem no comecinho de nosso passeio, logo depois que eu conheci os três pintinhos que vivem na casa da Ana, eu ganhei dela uma flor.

Eu trouxe comigo esta flor e a coloquei em minha mesa de estudo. Ela é linda! Suas pétalas são de cor rosa pertinho do miolo e vermelha, na parte externa. O miolo tem pequeninhas florezinhas amarelas. Quando a Ana me presenteou, eu disse a ela que havia flores como essa no jardim da minha Nonna Elvira, lugar que eu visitava quando era pequeninha.

Aí eu senti que a Ana, com seus curiosos olhos azuis, ficou me olhando, me observando...

Pensei: será que a Ana acreditou? Ou ela imagina que eu já nasci adulta?

Ao fim desse passeio, voltamos sobre nossos passos e, além de ganhar um chuchu, fomos ver as ovelhas. Elas são divididas em dois grupos: os filhotes e os adultos. Mas todos vivem no mesmo quintal e são gordinhos.

O gato da Ana – que tem casa iluminada, galopa como um potro e sobe em árvores –, andava por ali, interessado em saber quando iria ganhar colo. A Ana entendeu. E trouxe o gatinho para perto. Como tu sabes, eu adoro felinos. Aqui em casa há quatro, três fêmeas e o Nonninho, um gato muito manhoso que prefere carne crua, toma leite e não recusa carinho.

Com o gato da Ana – que agora não lembro mais o nome, mas é todo preto com umas partezinhas brancas –, falei como se ele entendesse a minha língua. E dei umas amassadinhas em suas orelhas e nuca. Parece que ele gostou...

Como eu te disse lá no início, ontem eu estive no sítio da família Cantelli. Eles vivem na comunidade São Pedro, bem pertinho dos Caminhos de Pedra, aqui em Bento Gonçalves.

Hoje, estudando, descobri que esta família tem até um livro registando suas histórias. Nesse livro, conheci o Gioachino, o primeiro Cantele que chegou, em 1881, no interior do Município. Vindo da Comune di Breganze, província italiana di Vicenza, Gioachino Cantele foi “rebatizado”, quando chegou ao brasil. Passou a ser conhecido como Joaquim Cantelli.

Ele e sua esposa, Maria Teresa, tiveram oito filhos: Maria, Matteo, Fortunata, Angela, Giovani, Amália, Antonio e Giovana. Como essas pessoas ficaram velhinhas e não mais estão vivas, são os novos da família que podem contar as histórias.

No livro sobre a família Cantelli, uma das herdeiras contou quase tudo.

Quase...

Agora que a Ana, minha amiga Cantelli está aprendendo a ler e escrever, quem sabe ela não conta mais coisas? Eu gostaria de ler...

Alfabeteando...

Um "Alfabeto à parte" foi criado em setembro de 2008 e tem como objetivo discutir a leitura e a literatura na escola. Nele disponibilizo o que penso, estudos sobre documentos raros e meus contos, além de uma lista do que gosto de ler. Alguns momentos importantes estão aqui. 2013 – Publicação dos estudos sobre o Abecedário Ilustrado Meu ABC, de Erico Verissimo, publicado pelas Oficinas Gráficas da Livraria do Globo em 1936; 2015 – Inauguração da Sala de Leitura Erico Verissimo, na FaE/UFPel; 2016 – Restauro e ambientação da Biblioteca na Escola Fernando Treptow, inaugurada em 25 de novembro; 2017 – Escrita da Biografia literária de João Bez Batti, a partir de relatos pessoais. Bilíngue – português e italiano – tornou-se um E-Book; 2018 – Feira do Livro com Anna Claudia Ramos (http://annaclaudiaramos.com.br/). 2019 – Produção de Íris e a Beterraba, um livro digital ilustrado por crianças; 2020 – Produção de Uma quarentena de Receitas, um livro criado para comemorar a vida; 2021 – Ruas Rosas e Um abraço e um chá, duas produções com a UNAPI; 2022 – Inicio de Pesquisa de Pós-Doutorado em acervos universitários. Foco: Há livros literários para crianças que abordem o ECA? 2023 – Tragicamente obsoletos: Publicação de um catálogo com livros para a infância.

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