Clássicos, sempre eles...
Cristina Maria Rosa
Profundamente inserida na tradição
cultural do ocidente e ainda bastante protegida das novas formulações acerca do
que é “cultura”, a Literatura como arte da palavra se mantém como consenso. Em A
literatura contra o efêmero, um dos ensaios de Umberto Eco[1],
ele escreveu:
Se “o mundo da literatura” pode ser
“inspirador da fé na existência de certas proposições que não podem ser postas
em dúvida” ou um “modelo de verdade, ainda que imaginário” (Umberto Eco, 2003),
a defesa da literatura e de um grupo de obras – o cânone literário – é objeto
caro. Para Umberto Eco (Sobre algumas funções da
literatura, 2003) e para Harold Bloom, que o defende e lista em Contos e
Poemas para crianças extremamente inteligentes (2004). Também para Italo
Calvino, que argumenta por eles em Por que ler os clássicos (1993). E
ainda para Tzvetan Todorov, que é categórico ao afirmar que a “Literatura
não é teoria, é paixão” (2010). São palavras de quatro reconhecidos
pesquisadores[2]
que impactaram, com suas ideias e registros, o conturbado e interessante Século
XX. Uma expressão dessa argumentação pode ser conhecida ao lermos Eco:
O
que nos perturba na leitura dos clássicos não é tanto o fato de os antigos
serem capazes de identificar de uma forma essencial algo que é verdadeiro e terrível,
mas que nós, mais de 2000 anos depois, continuemos a errar nos nossos caminhos
sem termos assimilado a lição daqueles (ou depois de a termos assimilado
demasiado bem). A modernidade dos clássicos é devida ao fato de eles serem
tragicamente obsoletos.
[1]
Publicado no
Jornal Corriere della Sera e traduzido integralmente por Sergio Molina
para o Caderno Mais da Folha de São Paulo em 2001 sob o título A literatura
contra o efêmero, Umberto Eco em Para que serve a literatura? discursa
sobre as funções da literatura. Em suas palavras, “a função das narrativas
imodificáveis é justamente essa: contrariando nosso desejo de mudar o destino,
nos fazem experimentar a impossibilidade de mudá-lo. E assim, que seja a
história que elas contem, contarão também a nossa, e é por isso que as lemos e
as amamos. Necessitamos de sua severa lição "repressiva". A narrativa
hipertextual pode educar para o exercício da criatividade e da liberdade. Isso
é bom, mas não é tudo. As histórias "já feitas" nos ensinam também a
morrer. Creio que essa educação para o fado e para a morte é uma das principais
funções da literatura. Talvez existam outras, mas agora me escapam”. Disponível
em: https://biblioteca.folha.com.br/1/02/2001021801.html
[2] Harold
Bloom é um dos mais atuantes e polêmicos críticos literários
contemporâneos. Professor de Literatura e detentor de muitos prêmios, é um
valente e briguento militante da palavra escrita. Costuma criticar duramente as
novas mídias e o espaço que elas ocupam na vida de crianças e jovens. Diante de
muitos livros que considera ruins e de poucos desafios linguísticos e voos de
beleza literários, decidiu fazer uma extensa antologia do que considera
essencial que seja lido antes da idade adulta e por toda a vida. O título da
antologia gerou polêmica, mas ele explica que inteligente é toda criança que
não tem medo de deixar a fantasia invadir seu cotidiano. Por que ler os
clássicos, de Italo Calvino contém artigos e ensaios sobre escritores,
poetas e cientistas que o marcaram. No livro, reitera que a qualidade da
leitura de um autor passa pela influência local, isto é, também cultural e que
envolve identidades que são tanto geográficas como históricas. Clássicos, para
ele, são os livros que “chegam até nós
trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os
traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais
simplesmente na linguagem ou nos costumes)”. Escritor, filósofo, semiólogo,
linguista e bibliófilo italiano, Umberto Eco Omri foi “reunido” em Sobre
a literatura: ensaios, uma coletânea para estudiosos, críticos e amantes da
literatura. Conferencista brilhante, contador de anedotas, interlocutor
espirituoso e amante dos livros, na obra há escritos centrados no problema da
literatura expressos pelo intelectual em encontros, simpósios, congressos ou
antologias. “Todos os escritos foram adaptados para este livro, às vezes,
abreviados, às vezes ampliados, outras ainda desembaraçados de referências
demasiado ligadas à situação”, explicou Umberto Eco. Tradução de Eliana Aguiar,
foi publicado no Brasil em 2003 pela Record. Tzvetan Todorov, filósofo e
teórico literário búlgaro adotou Paris, em 1963, como sua. Ele tinha 24 anos,
era curioso e Sófia, inserida no projeto comunista para o leste europeu o
deixava atônito. Referência do pensamento europeu contemporâneo, traduzido para
mais de 25 idiomas, sua obra inspira críticos literários, historiadores e
estudiosos do fenômeno cultural do mundo todo. Em A Literatura em Perigo,
Todorov faz um mea culpa raro, entre intelectuais: estudos literários
cheios de “ismos”, afastaram os jovens da leitura de obras originais, dando
lugar ao culto estéril da teoria. Em 2010, de Paris, em entrevista por telefone
a Anna Carolina Mello e André Nigri – jornalistas da Revista Bravo – Todorov
afirmou que “Literatura não é teoria, é paixão”.
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