terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Ensinar a morrer: literatura

 


Clássicos, sempre eles...

Cristina Maria Rosa

Profundamente inserida na tradição cultural do ocidente e ainda bastante protegida das novas formulações acerca do que é “cultura”, a Literatura como arte da palavra se mantém como consenso. Em A literatura contra o efêmero, um dos ensaios de Umberto Eco[1], ele escreveu:


A literatura mantém a língua em exercício e, sobretudo, a mantém como patrimônio coletivo. A língua, por definição, vai para onde ela quer, nenhum decreto superior, nem político nem acadêmico, pode interromper seu caminho nem desviá-lo para situações que se pretendem ótimas. A língua vai para onde quer, mas é sensível às sugestões da literatura.

 

Se “o mundo da literatura” pode ser “inspirador da fé na existência de certas proposições que não podem ser postas em dúvida” ou um “modelo de verdade, ainda que imaginário” (Umberto Eco, 2003), a defesa da literatura e de um grupo de obras – o cânone literário – é objeto caro. Para Umberto Eco (Sobre algumas funções da literatura, 2003) e para Harold Bloom, que o defende e lista em Contos e Poemas para crianças extremamente inteligentes (2004). Também para Italo Calvino, que argumenta por eles em Por que ler os clássicos (1993). E ainda para Tzvetan Todorov, que é categórico ao afirmar que a “Literatura não é teoria, é paixão” (2010). São palavras de quatro reconhecidos pesquisadores[2] que impactaram, com suas ideias e registros, o conturbado e interessante Século XX. Uma expressão dessa argumentação pode ser conhecida ao lermos Eco:

 

O que nos perturba na leitura dos clássicos não é tanto o fato de os antigos serem capazes de identificar de uma forma essencial algo que é verdadeiro e terrível, mas que nós, mais de 2000 anos depois, continuemos a errar nos nossos caminhos sem termos assimilado a lição daqueles (ou depois de a termos assimilado demasiado bem). A modernidade dos clássicos é devida ao fato de eles serem tragicamente obsoletos.

 Mas, mais que perturbar, Eco elogia a capacidade que a literatura tem de nos contrariar ao afirmar a impossibilidade de mudar destinos. E argumenta pela necessidade de criatividade e liberdade que ela nos oferece ao nos “ensinar a morrer”.



[1] Publicado no Jornal Corriere della Sera e traduzido integralmente por Sergio Molina para o Caderno Mais da Folha de São Paulo em 2001 sob o título A literatura contra o efêmero, Umberto Eco em Para que serve a literatura? discursa sobre as funções da literatura. Em suas palavras, “a função das narrativas imodificáveis é justamente essa: contrariando nosso desejo de mudar o destino, nos fazem experimentar a impossibilidade de mudá-lo. E assim, que seja a história que elas contem, contarão também a nossa, e é por isso que as lemos e as amamos. Necessitamos de sua severa lição "repressiva". A narrativa hipertextual pode educar para o exercício da criatividade e da liberdade. Isso é bom, mas não é tudo. As histórias "já feitas" nos ensinam também a morrer. Creio que essa educação para o fado e para a morte é uma das principais funções da literatura. Talvez existam outras, mas agora me escapam”. Disponível em: https://biblioteca.folha.com.br/1/02/2001021801.html

[2] Harold Bloom é um dos mais atuantes e polêmicos críticos literários contemporâneos. Professor de Literatura e detentor de muitos prêmios, é um valente e briguento militante da palavra escrita. Costuma criticar duramente as novas mídias e o espaço que elas ocupam na vida de crianças e jovens. Diante de muitos livros que considera ruins e de poucos desafios linguísticos e voos de beleza literários, decidiu fazer uma extensa antologia do que considera essencial que seja lido antes da idade adulta e por toda a vida. O título da antologia gerou polêmica, mas ele explica que inteligente é toda criança que não tem medo de deixar a fantasia invadir seu cotidiano. Por que ler os clássicos, de Italo Calvino contém artigos e ensaios sobre escritores, poetas e cientistas que o marcaram. No livro, reitera que a qualidade da leitura de um autor passa pela influência local, isto é, também cultural e que envolve identidades que são tanto geográficas como históricas. Clássicos, para ele,  são os livros que “chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes)”. Escritor, filósofo, semiólogo, linguista e bibliófilo italiano, Umberto Eco Omri foi “reunido” em Sobre a literatura: ensaios, uma coletânea para estudiosos, críticos e amantes da literatura. Conferencista brilhante, contador de anedotas, interlocutor espirituoso e amante dos livros, na obra há escritos centrados no problema da literatura expressos pelo intelectual em encontros, simpósios, congressos ou antologias. “Todos os escritos foram adaptados para este livro, às vezes, abreviados, às vezes ampliados, outras ainda desembaraçados de referências demasiado ligadas à situação”, explicou Umberto Eco. Tradução de Eliana Aguiar, foi publicado no Brasil em 2003 pela Record. Tzvetan Todorov, filósofo e teórico literário búlgaro adotou Paris, em 1963, como sua. Ele tinha 24 anos, era curioso e Sófia, inserida no projeto comunista para o leste europeu o deixava atônito. Referência do pensamento europeu contemporâneo, traduzido para mais de 25 idiomas, sua obra inspira críticos literários, historiadores e estudiosos do fenômeno cultural do mundo todo. Em A Literatura em Perigo, Todorov faz um mea culpa raro, entre intelectuais: estudos literários cheios de “ismos”, afastaram os jovens da leitura de obras originais, dando lugar ao culto estéril da teoria. Em 2010, de Paris, em entrevista por telefone a Anna Carolina Mello e André Nigri – jornalistas da Revista Bravo – Todorov afirmou que “Literatura não é teoria, é paixão”.

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