quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Um desabafo, por Guilherme Moreira

 

Um desabafo

Guilherme Moreira - Pedagogo

 

Sinto-me desrespeitado perante a lei dos humanos. Se você entende o conceito de empatia, peço que se coloque no meu lugar e responda às minhas questões, pois estou perdido. Vocês, sociedade em geral, me julgam, me apontam como agressivo, bravo, e às vezes até descompassado. Vivem me julgando, me medindo... O que vocês chamam de "bravo" e "agressivo" é a única forma que encontrei para exigir respeito, pois sou desrespeitado diariamente e sou obrigado a engolir calado.

Sou obrigado a respeitar e seguir uma conduta baseada em leis municipais, estaduais, federais e universais, e sinceramente, eu me esforço muito para cumprir todas elas. No entanto, quando necessito de suporte dessas mesmas leis que sigo, parece que elas me faltam. Sou forçado a cumprir deveres, cada vez mais deveres, enquanto meus direitos são constantemente negligenciados, mesmo sendo garantidos por lei.

Como funcionário público do município de Franca, SP, devo respeitar todos os artigos municipais, estaduais e federais sobre o funcionário público estatutário. Para exercer minha função, preciso ser respeitado e, atualmente, estou sendo desrespeitado. Sou professor da educação básica, e o artigo 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Nº 9.394/1996), prevê que a educação é um trabalho conjunto entre professor, família, estado e sociedade. No entanto, as cobranças e responsabilidades têm recaído apenas sobre nós, professores públicos, que respondemos à lei e obedecemos aos mandatos de gestores eleitos. Toda a responsabilidade está sobre os professores. Eu pergunto: quem lembra de cobrar a gestão eleita?

Sinto-me desrespeitado, pois a lei garante tanto ao professor quanto aos estudantes materiais necessários e adequados para realizar as atividades, de acordo com o Artigo 208, inciso VII da Constituição Federal de 1988. Na realidade, somos limitados aos materiais disponibilizados pelos nossos gestores públicos. Muitos de nós, professores, tiramos dinheiro do próprio salário para conseguir apresentar um trabalho digno e de qualidade, desrespeitando assim a lei que deveria nos amparar.

Sinto-me desrespeitado ao ter que cumprir todas as leis educacionais que regem os currículos da educação brasileira, enquanto sou bombardeado com reclamações de responsáveis quando solicito algo dos estudantes, como tarefas ou trabalhos. A sensação que tenho é que estão se esquecendo de sua responsabilidade na educação das crianças, que também devem acatar as leis estabelecidas (art. 205 da Constituição Federal de 1988). Quando informo indisciplina ou dificuldades na aprendizagem que requerem atenção especializada, sou confrontado com grosserias por parte de familiares, desrespeitando a lei que protege os servidores públicos contra agressões (DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940, Art. 331].

Sinto-me desrespeitado pois, perante o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990, art. 53), caso um educador perceba alguma dificuldade na aprendizagem, ele deve informar seus gestores imediatos, que dão continuidade ao processo. Quando isso ocorre, o professor faz a demanda à equipe gestora, que notifica as famílias. Cabe então à família buscar auxílio especializado. A lei também garante que toda pessoa tem direito a atendimento médico público de qualidade, e que crianças com quadros de neurodivergência e saúde mental devem ter atendimento ágil e adequado. Contudo, na minha realidade, em Franca, SP, o processo no SUS é muito demorado, e a oferta de soluções é insuficiente. Mais uma vez, a responsabilidade recai sobre a escola e os professores, enquanto os gestores públicos eleitos, que deveriam ser responsabilizados, são ignorados.

 

Sinto-me desrespeitado, pois tanta carga emocional tem deixado nós, professores, doentes, sobrecarregados de trabalho, e mesmo com ensino superior, nossos salários continuam sendo dos mais baixos para quem possui esse nível de educação (Constituição Federal de 1988, art. 206, inciso V). Meu estado emocional e minha psique estão abalados; não só os meus, mas os de milhares de professores neste país. A lei me garante, enquanto cidadão e trabalhador, o direito à saúde pública de qualidade, de acordo com a Constituição Federal de 1988 em seu Artigo 196). Mas, ao buscar os serviços do SUS, enfrento os mesmos problemas que as crianças: demora, falta de profissionais e de seguimento dos protocolos médicos.

Sinto-me desrespeitado, pois, apesar de estar sobrecarregado e com a psique abalada, a lei me garante atendimento contínuo, seguro e eficiente, especialmente enquanto diagnosticado com transtorno mental (Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001). No entanto, preciso realizar exames particulares, pois não são cobertos pelo SUS, e a demora entre consultas é exasperante. Tenho feito terapia quinzenalmente, com a única psicóloga disponível para todos os servidores públicos da Prefeitura Municipal de Franca, oferecida pelo SIAS, que tem me ajudado muito nessas questões.

Sinto-me desrespeitado, pois a lei garante (Constituição Federal de 1988, art. 5º, inciso XXXIV) que tenho o direito e o dever de denunciar quando as leis não estão sendo respeitadas. Eu faço minha parte, encaminhando as demandas para os gestores imediatos e superiores, protocolando reclamações e buscando ajuda. Contudo, sou deixado à mercê das vontades dos gestores públicos eleitos. Estou cobrando as leis daqueles que são responsáveis por executá-las, mas não recebo resposta.

Retomando, sinto-me desrespeitado perante a lei dos humanos! Tenho que passar por tudo isso, sendo apontado como agressivo, bravo, e às vezes descompassado. Vocês vivem me julgando, me medindo... O que chamam de bravo e agressivo é a única forma que encontrei para ser respeitado, pois sou desrespeitado todos os dias e sou obrigado a engolir calado. Estou lutando sozinho, como cidadão que necessita da saúde pública, como professor e funcionário público, sem uma rede de apoio robusta.

Minha rede de apoio é minha fé, que vive sendo atacada, principalmente por eu ter crenças de matriz africana, kardecista e outras linhas pouco conhecidas no Brasil (Constituição Federal de 1988, art. 5º, inciso VI). Sinto-me desrespeitado por minha fé. Minha rede de apoio é minha família, que sofre quando estou desregulado. Eles são os que mais sofrem, pois não tenho onde recorrer. Os ataques de raiva, frustração e indignação recaem sobre eles, o que vai contra a própria lei que protege a família (Constituição Federal de 1988, art. 226).

 

Eu me sinto desrespeitado, pois, sempre que fico desregulado, todo o trabalho de qualidade, todo o tempo, dinheiro, concentração e esforço mental que investi para cumprir minhas obrigações legais são esquecidos, e só lembram de mim como alguém agressivo, bravo, encrenqueiro...

Minha questão final é: quanto mais eu tenho que aguentar? Qual é o limite para ser tão desrespeitado e ter que ficar quieto, imóvel, esperando as coisas acontecerem? Até quando vou ser responsabilizado pela falta de direitos garantidos por lei a todo e qualquer cidadão?

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Um "Alfabeto à parte" foi criado em setembro de 2008 e tem como objetivo discutir a leitura e a literatura na escola. Nele disponibilizo o que penso, estudos sobre documentos raros e meus contos, além de uma lista do que gosto de ler. Alguns momentos importantes estão aqui. 2013 – Publicação dos estudos sobre o Abecedário Ilustrado Meu ABC, de Erico Verissimo, publicado pelas Oficinas Gráficas da Livraria do Globo em 1936; 2015 – Inauguração da Sala de Leitura Erico Verissimo, na FaE/UFPel; 2016 – Restauro e ambientação da Biblioteca na Escola Fernando Treptow, inaugurada em 25 de novembro; 2017 – Escrita da Biografia literária de João Bez Batti, a partir de relatos pessoais. Bilíngue – português e italiano – tornou-se um E-Book; 2018 – Feira do Livro com Anna Claudia Ramos (http://annaclaudiaramos.com.br/). 2019 – Produção de Íris e a Beterraba, um livro digital ilustrado por crianças; 2020 – Produção de Uma quarentena de Receitas, um livro criado para comemorar a vida; 2021 – Ruas Rosas e Um abraço e um chá, duas produções com a UNAPI; 2022 – Inicio de Pesquisa de Pós-Doutorado em acervos universitários. Foco: Há livros literários para crianças que abordem o ECA? 2023 – Tragicamente obsoletos: Publicação de um catálogo com livros para a infância.

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