Como “seres muito particulares” afirma Marcos Bagno (2014), temos a
“capacidade admirável de significar, isto é, de produzir
sentido por meio de símbolos, sinais, signos, ícones”. Para ele, “nenhum
gesto humano é neutro, ingênuo, vazio de sentido”. Pelo contrário, gestos são
repletos de sentido e cabe “à nossa capacidade de
linguagem interpretar o sentido implicado em cada manifestação dos
outros membros da nossa espécie”.
A leitura de histórias, reais ou inventadas, para crianças e demais
leitores, parte do pressuposto que temos, como sociedade letrada e cultuadora
dos acordos por escrito, de manter viva a memória do que nos torna humanos: a
presença da linguagem como mediadora da existência.
Marcos Bagno define linguagem em dois sentidos: a primeira, como
“faculdade cognitiva exclusiva da espécie humana que permite a cada indivíduo
representar e expressar simbolicamente sua experiência de vida, assim como
adquirir, processar, produzir e transmitir conhecimento”. A segunda, como “todo
e qualquer sistema de signos empregados pelos seres humanos na produção de
sentido, isto é, para expressar sua faculdade de representação da experiência e
do conhecimento”. Para o estudioso, é dessa segunda acepção de linguagem “que
provém uma distinção fundamental: a de linguagem
verbal e linguagem não verbal”
E o que seria a linguagem verbal?
Para o autor do verbete Linguagem no Glossário CEALE
(2014), a linguagem verbal é aquela que “se expressa por meio do verbo, ou
seja, da língua, que é, de longe, o sistema de signos mais completo,
complexo, flexível e adaptável de todos. Mais: para ele, “toda linguagem é
sempre uma “imitação da língua”, uma tentativa de produção de sentido tão
eficiente quanto a que se realiza linguisticamente.
O escritor Marcos Bagno (2014) informa em seu texto que a linguagem
verbal “pode ser oral, escrita ou gestual”, e que
a linguagem não verbal “é a que se vale de outros signos” como
“cores, sons, figuras, bandeiras, fumaça, ícones”. Em suas palavras:
É essa riqueza de possibilidades de representação e expressão que nos
permite falar de linguagem musical, linguagem cinematográfica, linguagem
teatral, linguagem corporal, linguagem da dança, da pintura, da escultura, da
arquitetura, da fotografia, incluindo as linguagens secretas, que exigem o
domínio de códigos reservados a poucos iniciados.
Tema
O tema deste pequeno texto é a diferença cultural entre ler e contar histórias, duas habilidades, técnicas e/ou metodologias de apresentação do verbal ao leitor.
Primeiro, quero afirmar que sim, há diferença entre ler e contar. Mas
não há menoridade intelectual nem artística entre essas duas práticas, entre
essas duas possibilidades de uso da linguagem verbal. Pelo contrário, há
pertencimento. As duas formas de apresentar o texto pertencem à arte de reapresentar a humanidade ao humano.
A leitura é uma arte que acessa o
escrito, uma das formas de comunicação que, por escrito, tem suas marcas,
normas, regras, formas. E suas desobediências: os estilos, as escolhas,
os gêneros, as rimas, a pontuação, os silêncios.
É fundamental evidenciar as marcas do escrito. São elas que revelam a
história da cultura escrita. É uma história que sucede a cultura do
oral. Mas não elimina esta ancestralidade, que é universal.
É importante considerar que há povos, ainda hoje, que não utilizam a escrita. Como exemplo, pode-se mencionar os que antecederam os navegadores portugueses, holandeses, ingleses e demais, que chegaram ao Brasil no século XVI e posteriormente. Eles utilizavam uma linguagem verbal não escrita, apenas oral. E ainda a utilizam, com exceções. Esta marca – a diferença entre essas duas linguagens (verbal oral e verbal escrita) e suas formas de expressão – integram os saberes sobre elas, são a sua história.
É importante considerar que há povos, ainda hoje, que não utilizam a escrita. Como exemplo, pode-se mencionar os que antecederam os navegadores portugueses, holandeses, ingleses e demais, que chegaram ao Brasil no século XVI e posteriormente. Eles utilizavam uma linguagem verbal não escrita, apenas oral. E ainda a utilizam, com exceções. Esta marca – a diferença entre essas duas linguagens (verbal oral e verbal escrita) e suas formas de expressão – integram os saberes sobre elas, são a sua história.
Não considero que a cultura do escrito é melhor, mais
elaborada, mais complexa ou mais importante que a cultura do oral quando o tema é a leitura e a contação de histórias na escola. Penso que
cada manifestação tem seu lugar no mundo da cultura. No entanto, como
professora alfabetizadora, tenho o compromisso de apresentar, às novas
gerações, o culto ao escrito e à cultura do escrito.
O que são essas duas categorias?
O culto ao escrito é o elogio à capacidade humana de
produzir signos que busquem comunicar de forma completa, complexa, flexível e
adaptável as ideias, sentimentos, conclusões, descobertas, investigações e
demais possibilidades que nosso cérebro tem de se relacionar com o
conhecimento. Cultuar é elogiar. É reverenciar. Cultuar é admirar, amar, fazer
viver, evidenciar, promover.
O culto ao escrito pode ser presenciado no uso, frequente e competente,
da leitura e da escrita. De seus inventores e divulgadores. De seus estilos e
manifestações.
O culto ao escrito se apresenta a nós, leitores, como a possibilidade de
viver vidas não nossas, de outros mas, logo, logo, nossas por empréstimo. A
ponto de não mais podermos prescindir de suas superfícies e profundidades.
O culto ao escrito, em suma, é o respeito ao produto: à língua em suas
mais diversas manifestações escritas: à poesia, à narrativa, à composição
musical, ao teatro, à lenda. E a todas as demais formas de arte em que a
palavra é portadora de significado, de sentido e de sentimento.
E o que é o culto à cultura do escrito?
Cultura
do escrito é tudo que envolve a preservação, reconhecimento e uso do
que, como humanidade, produzimos como registro/memória. Por escrito.
Utilizando
os códigos disponíveis em cada uma das épocas, a cultura do
escrito é integrada pelo repertório e acervo produzido e preservado.
Assim, o culto à cultura do escrito é o processo de conhecer,
evidenciar, respeitar e utilizar os saberes concernentes à
cultura do que está escrito, ou seja, conhecer e utilizar o repertório e o
acervo preservado.
Isso
significa conhecer que sim, escrevemos para não esquecer,
lemos para nos informar e para nos emocionar, criamos templos do
escrito (os sebos, as bibliotecas, as salas de leitura, as escolas,
os acervos particulares) e selecionamos, no pouco tempo que temos de vida, o
que mais nos interessa conhecer e divulgar, pessoal e socialmente falando.
O
culto à cultura do escrito, quando vinculado ao exercício profissional - no
caso do mediador de leitura - é mais do que uma escolha pessoal. Demanda um
saber do que é relevante publicamente, ou seja, o que deve ser apresentado ao
leitor. E é neste momento que informações a respeito do que
é relevante para a humanidade entra em jogo. Critérios de
escolha, metodologias de ensino e procedimentos com relação ao
escrito devem ser acionados para que o culto à cultura do escrito passe de
escolhas pessoais a escolhas universais.
Leitura e contação de histórias: diferenças?
Ao pensar sobre o culto ao escrito e à cultura do escrito necessário
marcar a diferença entre ler e contar.
Sim, há diferença entre ler e contar.
Ler
é emprestar a voz ao texto de outrem, ou até mesmo ao teu próprio
texto. É mais que escrever. É sonorizar o silêncio, inclusive.
Ler
é partilhar as formas e os signos escolhidos por alguém para
emocionar os demais. É um dos usos possíveis da linguagem verbal em sua forma
escrita.
Ler
prescinde da escrita, é sua condição de existência. A escrita passa a existir
quando é lida e ler é manter o culto ao escrito em exercício.
Ler
em público é cultuar a cultura do escrito. É afirmar, publicamente, o respeito
e a admiração pelas palavras inventadas de alguém, sua forma e ritmo, seus
trejeitos e suspiros, suas escolhas e acertos, seus caminhos
e desencontros. Ler em público é restituir a existência de um autor, um
gênero, um texto.
Quando
leio, vivo intensamente a arte de ler: eu não invento, eu apresento. Eu não
acrescento: eu confio. Eu não suprimo: eu sou fiel. Eu não omito: eu banco o
escrito. Eu não atrapalho: eu oportunizo.
Contar
é outra arte...
Contar
é utilizar a voz para rememorar e não há contação sem texto. Sempre há
um texto, quando há contação; nem sempre, porém, o texto está escrito.
Quando
contamos, utilizamos um repertório pessoal para rememorar o que já foi escrito
ou mesmo inventar o que ainda não foi grafado por ninguém. Ao contar
novamente a história de Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, me
utilizo do escrito por Charles Perrault (Contos de Outrora,
1697). Estou "rememorando" o que já foi escrito. Do meu modo, com meu repertório, com meus sentimentos, medos e certezas. Com meu ritmo e intensidade, com a memória e o esquecimento.
Ao contar um "causo" acontecido comigo ou pessoas que me cercam, estou inventando um texto que, por oral, pode ou não, ser escrito. Neste caso, vivo, com intensidade, a arte do contar. E também utilizo todas as minhas capacidades.
Contar e ler, ambas, encantam.
E
quem conta um conto...Ao contar um "causo" acontecido comigo ou pessoas que me cercam, estou inventando um texto que, por oral, pode ou não, ser escrito. Neste caso, vivo, com intensidade, a arte do contar. E também utilizo todas as minhas capacidades.
Contar e ler, ambas, encantam.
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