A obra "Escritas, Leitores e História da Leitura" lançado na 40ª Feira do Livro de Pelotas foi tema do programa Diálogos na Casa de Simões na terça, 11/12/2012.
O prefácio foi elaborado pela Drª Letícia Fonseca Richthofen de Freitas do Centro de Letras e Comunicação (UFPel) e pode ser conhecido abaixo:
A obra “Escritas, leitores e história da leitura” estava, para mim, até bem pouco, guardada muda, no nascedouro das palavras, esperando que a leitura a fizesse despertar. Felizmente, cada vez que um leitor desbravar as páginas deste livro, despertará palavras plurais, porém convergentes, em relação a um tema que a nós, professores, pesquisadores, estudantes é tão caro: a leitura e a escrita.
O livro reúne dez ensaios de professores e de pesquisadores de diversas áreas e de diversos pontos do país preocupados com o tema da leitura e da escrita, tema esse bastante recorrente em várias publicações, mas cada vez mais importante, premente e atual. Os textos, cada um a sua maneira, dialogam com todos aqueles que também se inquietam com as questões educacionais do nosso país e com a formação de leitores. Por tudo isso, esta é uma iniciativa acadêmica que indico com entusiasmo e prazer intelectual.
A partir de sua memória pessoal de leitora, Aparecida Paiva, no capítulo 1, discute a importância da biblioteca escolar para a formação de leitores. De acordo com o que é levantado pela autora, existem três aspectos cruciais que devem ser levados em conta para o bom funcionamento da biblioteca escolar e, consequentemente, para que ela possa promover o encontro do leitor com o livro nesse ambiente: em primeiro lugar, há a questão do ambiente físico, que não pode ser tomado, como na maioria dos casos, como um depósito de livros, mas sim como um espaço de vivência de leituras. Em segundo lugar, há que se considerar o acervo da biblioteca, que além de bem selecionado, deve ser acessível ao leitor. Por fim, Aparecida Paiva ressalta o papel do mediador, figura decisiva para a formação do leitor literário.
No capítulo 2, Cristina Rosa questiona qual o papel dos formadores de professores com base em uma pesquisa desenvolvida com professoras alfabetizadoras do município de Pelotas (RS), com o objetivo de conhecer se havia momentos de leitura e de que tipo era a leitura realizada por elas em sala de aula. O interessante estudo conseguiu mapear não só se as professoras liam, mas também o que era lido, quais os autores e títulos mais lidos, com que frequência e como elas descrevem os eventos de leitura. Os resultados da pesquisa apontam para o fato de as professoras entrevistadas não serem protagonistas da leitura literária na escola. Isso fica explícito ao serem confrontadas as respostas colhidas: apesar de a totalidade das entrevistadas ter afirmado ler diariamente, a leitura não era de textos literários. Também foi constatado que as professoras não diferenciam a leitura literária das demais leituras. Em vista disso, pertinentemente a autora provoca o leitor ao questionar o papel dos pesquisadores e dos formadores de professores, já que, para se formar leitores na escola, é necessário antes formar professores leitores.
Em consonância com o capítulo 2, Elaine Maria da Cunha Morais também trata, no capítulo 3, da questão da formação de professores leitores. A autora corrobora a ideia de que a maior parte do professorado do Brasil não é leitora e apresenta um projeto de extensão desenvolvido pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que busca interferir no letramento literário dos professores, a fim de melhorar a sua atuação como mediadores de leitura. Tal projeto parte da seleção de textos disponíveis no Portal Domínio Público, sendo elaborados, a partir dos textos escolhidos, livros que também abordam a vida e a obra de cada autor selecionado – como Lima Barreto e Júlia Lopes de Almeida, por exemplo. Depois da confecção dos livros, eles são distribuídos no primeiro ciclo do Ensino Fundamental de escolas públicas da região metropolitana de Belo Horizonte, no curso de Pedagogia e na Licenciatura em Educação no campo da UFMG. O ensaio trata ainda de um interessante estudo de recepção de tal material entre os alunos do curso de Pedagogia da UFMG, que mostra a abrangência e a importância de tal iniciativa, a qual, na minha opinião, merece ser levada a outras cidades do país.
Em “O Amor na Literatura Infantil: Uma Questão de Gênero?”, que compõe o capítulo 4, Jane Felipe e Suyan Ferreira analisam, de maneira perspicaz, como as relações amorosas são apresentadas ao público infantil. Com base na obra “Como mamãe e papai se apaixonaram” e sob a perspectiva teórica dos Estudos Culturais e das Relações de Gênero, as autoras examinam quais são e de que maneira certas identidades são legitimadas e reforçadas. As análises efetuadas no capítulo integram um estudo maior e apontam, a partir das imagens e do texto escrito, alguns eixos recorrentes que tratam da idealização do amor romântico, que se configuraria como um estado de plenitude, capaz de superar problemas e dificuldades. Além disso, o casamento também aparece como sendo o ápice de uma relação de amor. Por outro lado, são abordados também temas como a finitude das relações amorosas e a possibilidade de se estar feliz solteiro/sozinho.
No capítulo 4, em um instigante artigo, Graça Paulino discute o papel do intelectual e a sua relação, atualmente, na sociedade brasileira, com a formação de leitores. A partir de tal discussão, a autora questiona a desvalorização dos cursos de licenciatura e o abandono da docência na Graduação por parte daqueles intelectuais mais qualificados que atuam nas Universidades, uma vez que eles, geralmente, por várias razões, privilegiam as aulas e o trabalho na Pós-Graduação. De maneira lúcida e corajosa, Graça Paulino defende que os professores em formação dos cursos de Graduação merecem “aulas brilhantes”, assim como as oferecidas em cursos de Pós-Graduação. Ainda segundo a autora, a função social dos professores universitários é se deslocar para fora dos muros acadêmicos, pois somente com investimento - tanto financeiro quanto intelectual – seremos capazes de formar mediadores de leitura qualificados e consequentemente leitores críticos.
Mais um ponto alto do livro organizado por Cristina Rosa é a presença de dois textos – capítulos 6 e 10 – que, na convergência da preocupação com a leitura, com a escrita e com a formação de leitores, versam sobre a obra de um determinado autor. Sendo assim, em um esmerado ensaio a respeito de quatro livros de Bartolomeu Campos de Queirós, Hércules Toledo Corrêa discute, no capítulo 6, os traços autobiográficos presentes nas referidas obras. Com base em teóricos como Lejeune e Maingueneau, o autor ressalta a ausência de limites entre a escrita ficcional e a da memória e entre a poesia e a prosa, sublinhando o fato de a escrita autobiográfica “procurar uma articulação em que o vivido participa da criação”. Além disso, Hércules Toledo Corrêa destaca que o escritor em questão tinha uma preocupação com a educação e com a leitura e que, embora não escrevesse propriamente livros de Literatura Infantil, registrava “o infantil na Literatura”.
Seguindo a ordem de cada capítulo do livro, Maria Zélia Versiani Machado nos oferece, no capítulo 7, uma criteriosa análise de mediações escolares de poemas em propostas de leitura presentes em materiais didáticos das décadas de 1950, 1960 e 1980. De acordo com a pesquisadora, o conjunto de poemas e as propostas de leitura foram feitas a partir de um recorte diacrônico, a fim de “recuperar o movimento de formação de leitores que se imprime nos exemplos de cada época selecionada”, que abrange desde as primeiras antologias escolares até os livros didáticos. Nos primeiros materiais analisados, da década de 1950, a autora aponta para o fato de as atividades apresentadas não se sobreporem ao texto literário. Entretanto, a pesquisa mostra uma ruptura, na década de 1960, já havendo, nesse período, uma preocupação didática na maneira de abordar os poemas, com orientações para os professores. Uma outra mudança que vai aos poucos se configurando em relação às mediações de leitura diz respeito ao espaço que as antologias vão perdendo para os livros didáticos. Nesses últimos, o poema se mistura a outros gêneros literários e, nessa relação com outros textos, as propostas didáticas de leitura desconsideram suas especificidades. Com essa didatização, a leitura poética que se fazia anteriormente na escola vai se perdendo. Por fim, Maria Zélia Versiani Machado ressalta que, atualmente, o contato com poemas não se faz somente por meio do livro didático e considera que é essencial se pensar naquilo que se oferece às crianças, já que, como tão bem afirma a autora, “o cuidado nessa oferta pode ser o toque fundamental para se ter algum êxito nas mediações”.
Norma Sandra de Almeida Ferreira apresenta, no capítulo 8, um primoroso estudo sobre as interpretações e os sentidos da obra “Páginas Infantis”, de Presciliana Duarte de Almeida, uma das precursoras, no Brasil, de livros infantis voltados para crianças. Com base em paratextos – informações contidas na capa de uma das edições do livro, na página de rosto, no índice apresentado nas páginas finais – e sem desmerecer o livro, a autora mostra uma rede discursiva que vai conferindo legitimidade e importância à obra de Presciliana Duarte de Almeida. Além de sua importância como escritora, os paratextos analisados – como as cartas-honrosas escritas por educadores da época – permitem ainda que sejam percebidas certas estratégias editoriais no sentido de também reconhecer seu valor no campo educacional, legitimando a obra a fim de ela poder estar presente no ambiente escolar. De maneira perspicaz e interessante, Norma Sandra de Almeida Ferreira demonstra, a partir do material analisado, que tal legitimidade também é construída por meio de certas características pessoais atribuídas à escritora, como o fato de ela ser mulher, mãe e esposa, e que, mesmo tendo conquistado espaço em um mundo masculino, não se descuidava dos afazeres domésticos. Por fim, com base nesses diversos elementos apontados no artigo, o livro “Páginas Infantis” também é considerado adequado para crianças por sua temática, por seu conteúdo e por sua forma linguística.
Baseada na sua experiência como leitora de Clarice Lispector, Sílvia Oberg propõe, no capítulo 9, uma reformulação de práticas e de mediações literárias a favor de uma educação estética. A autora discute a questão da assim chamada “gratuidade” – entendida aqui como uma coisa que não possui uma finalidade imediata – da fruição literária como um modo específico de produção e de construção de sentidos. Conforme argumenta Sílvia Oberg, à medida que as crianças avançam na escola, cada vez mais sua relação coma literatura vai perdendo esse caráter de gratuidade, sendo substituída por uma relação permeada de “níveis de formalização calcados na instrumentalização da leitura”. Dessa forma, a educação literária passa a ser feita em detrimento da fruição e da gratuidade. A reformulação dessas práticas e das mediações literárias deve ser feita, segundo a autora, considerando “a leitura literária como um ato que se justifica nele mesmo”.
Por fim, encerrando a excelente coletânea de ensaios e de artigos, Vera Lopes também nos fala, no capítulo 10, de maneira sutil e competente, da fruição literária e da experiência estética. O eixo central do ensaio diz respeito ao fato de o leitor poder revisitar uma obra, e a autora nos deleita com sua experiência com Guimarães Rosa. Para Vera Lopes, ler é uma ato de contemplação, que exige do leitor justamente esse movimento de retomar, de reler, de revisitar uma obra. Ao fazer isso é que se decifra um texto – “quanto maior o contato, maior o deciframento” -, e esse é um ato solitário do qual o leitor é peça chave.
Nenhum comentário:
Postar um comentário