Cristina Maria Rosa
Por que Vermelho Amargo,
de Bartolomeu Campos de Queirós pode ser um potente instrumento para apresentar
e dialogar sobre o direito à vida e à saúde, um dos princípios para as
infâncias inscrito no Estatuto da Criança e do Adolescente?
Em Cinco livros para
falar sobre o ECA: um olhar literário e pedagógico – trabalho mais recente em
que descrevo e analiso cinco obras literárias que podem ser acionados por
educadores para apresentar os Direitos das Crianças e dos Adolescentes
garantidos pelo ECA (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), indico Vermelho
Amargo, de Bartolomeu Campos de Queirós como representante do direito à
vida e à saúde.
Ao indicar livros
literários que, de maneira explícita ou implícita, tratem de personagens e/ou
enredos vinculados aos direitos das crianças e possam subsidiar a informação e
o diálogo nos anos escolares iniciais (educação infantil e primeiro ao quinto
ano do Ensino Fundamental), investi meu olhar para o acervo que disponho e que
repliquei para a Sala de Leitura Erico Verissimo (estrutura que criei para
subsidiar a formação de professores na Licenciatura em Pedagogia da Faculdade
de Educação da Ufpel).
Entre muitas opções,
escolhi cinco livros que pudessem ser consideradas as melhores opções para o
propósito de conhecer e abordar a) o direito à vida à vida e à saúde; b) à
liberdade, ao respeito e à dignidade; c) à convivência familiar e comunitária;
d) à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer; e) à profissionalização e à
proteção no trabalho, assegurados no ECA.
Como realizei esta
escolha? Responsável pela composição de meu próprio acervo e, de parte
considerável do acervo da SLEV, conheço todas as obras ali assentadas. Assim,
percorri a lista de livros que tenho organizada por ordem alfabética de
autor/autora e escolhi apenas cinco delas. Por quê? Quantificar sempre é uma
responsabilidade delicada. O foco, inicialmente, foi apresentar obras potentes,
instigantes, complexas. Como adendo, terem sido escritas por autores/autoras respeitados.
Sim, há outras obras de mesmo valor literário e pedagógico nos acervos
estudados e, em breve, pretendo indicar mais uma ou duas em cada uma das
categorias. Mas, neste trabalho, me dedicarei a Vermelho amargo.
Metodologicamente,
realizei uma “análise documental”, ou seja, uma descrição densa do artefato
livro (gráfica, editorial e biograficamente) e de suas qualidades literárias e
pedagógicas, visto que se destina à formação de leitores sobre um tema. Ao
abordar as metodologias de pesquisa nos estudos literários, Durão (2015, p
379), pondera que “[...] discutir teoria literária em sua acepção mais ampla
terá sempre como pressuposto a capacidade que a literatura exibe para ser algo
epistemologicamente produtivo”. Assim, penso que a análise documental (leitura,
descrição, categorização, análise crítica) é um excelente meio para a indicação
da obra. Objetivando a formação de professoras e professores, bibliotecárias e
bibliotecários e gestoras e gestores escolares, intento dizer como pode ser
utilizada por mediadores – docentes em exercício – quando estes estiverem com
suas crianças na escola.
Vermelho amargo, de Bartolomeu Campos de Queirós
Pungente, amargo,
impactante e profundo, Vermelho Amargo é uma obra que necessita de
delicadeza para ser lido. Para si e para os demais. Demanda um leitor ciente de
seus limites, de suas possibilidades de mediador, de suas qualidades pedagógicas, de suas potencialidades como letrado.
O livro de 72 páginas é
em Português, tem capa dura e suas dimensões são
20,32 por 11,18 x 1,02 cm. Foi lançado pela Cosac Naify em 2011, não é ilustrado
e não foi escrito para crianças. Isso não significa que não pode ser lido para
crianças. A obra – prosa poética de cunho autobiográfico – foi vencedora in memoriam da categoria Melhor
Livro do Ano do Prêmio São Paulo de Literatura 2012.
Biográfico, em seu
enredo Bartolomeu descreve a dor real e de alma que antecipou a morte da mãe. A
dor da mãe e a dor do filho que a perdeu. Descreve, em uma impactante figura de
linguagem, como o menino que ainda não lia, aprendeu as letras e o Alfabeto ao
ver, nas mãos do farmacêutico e reiteradas vezes, a caixinha com a palavra “morfina”.
Bartolomeu também descreve a tentativa de usurpação do lugar da mãe no coração
do pai pela madrasta e como esta, dia após dia, ao fatiar tomate após tomate –
o vermelho do título, mas não só –, descartava filho após filho.
No lançamento de Vermelho Amargo, em 2011, Bartolomeu disse ter sentido, ao escrever, “passando a vida a limpo”, em um “processo lento de escrita”, “Não foi um trabalho apressado” e, “cada frase que eu escrevia, é quase que uma reflexão sobre o que está presente na minha memória ainda hoje e que eu não consegui esquecer” (Queirós, 14/04/2011).
Por que Vermelho amargo representa o direito à vida e a saúde?
Investir em modos de
pensar, em pluralidade de ideias é permitir que o silêncio se instale entre os
leitores e ouvintes. Que lugar mais adequado que a sala de aula para isso? Potente
desencadeador de reflexões e diálogos, Vermelho amargo oportuniza reflexões
sobre o conceito de vida e morte. Instiga a dialogar sobre o “valor” da vida.
Apresenta conceitos como saudade, memória, abandono, responsabilidade,
paternidade e infâncias. Reúne, assim, qualidades suficientes para um mediador
oferecer, através da escrita literária, contato profundo com o humano, mesmo
que dilacerado pela dor. Vermelho amargo é um convite à capacidade de
ressignificar cada uma das vidas ali narradas e, por extensão e pelo seu poder
reverberador, a nossa própria.
Dica
Neste vídeo a seguir, Bartolomeu Campos de Queirós menciona o processo de escrita de seu livro. Assista: https://www.bing.com/videos/search?q=vermelho+amargo+de+bartolomeu&docid=608022332822739329&mid=9F10B334E99CC9D60ECB9F10B334E99CC9D60ECB&view=detail&FORM=VIRE
Os outros livros...
Acompanhe aqui a
argumentação a respeito dos demais livros por mim indicados. Eles são: Lulu,
de Fabrício Carpinejar, referente ao direito à liberdade, ao respeito e à
dignidade; Bem do seu tamanho, de Ana Maria Machado, referente ao
direito à convivência familiar e comunitária; d) Como as histórias de
espalharam pelo mundo, de Rogério Andrade Barbosa, referente ao direito à
educação, à cultura, ao esporte e ao lazer; e) Os meninos da rua da praia,
de Sergio Capparelli, referente ao direito à profissionalização e à proteção no
trabalho.
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