domingo, 4 de setembro de 2022

Vermelho Amargo: direito à vida e à saúde.

 

Vermelho Amargo, de Bartolomeu Campos de Queirós

Cristina Maria Rosa

Por que Vermelho Amargo, de Bartolomeu Campos de Queirós pode ser um potente instrumento para apresentar e dialogar sobre o direito à vida e à saúde, um dos princípios para as infâncias inscrito no Estatuto da Criança e do Adolescente?

Em Cinco livros para falar sobre o ECA: um olhar literário e pedagógico – trabalho mais recente em que descrevo e analiso cinco obras literárias que podem ser acionados por educadores para apresentar os Direitos das Crianças e dos Adolescentes garantidos pelo ECA (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), indico Vermelho Amargo, de Bartolomeu Campos de Queirós como representante do direito à vida e à saúde.

Ao indicar livros literários que, de maneira explícita ou implícita, tratem de personagens e/ou enredos vinculados aos direitos das crianças e possam subsidiar a informação e o diálogo nos anos escolares iniciais (educação infantil e primeiro ao quinto ano do Ensino Fundamental), investi meu olhar para o acervo que disponho e que repliquei para a Sala de Leitura Erico Verissimo (estrutura que criei para subsidiar a formação de professores na Licenciatura em Pedagogia da Faculdade de Educação da Ufpel).

Entre muitas opções, escolhi cinco livros que pudessem ser consideradas as melhores opções para o propósito de conhecer e abordar a) o direito à vida à vida e à saúde; b) à liberdade, ao respeito e à dignidade; c) à convivência familiar e comunitária; d) à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer; e) à profissionalização e à proteção no trabalho, assegurados no ECA.

Como realizei esta escolha? Responsável pela composição de meu próprio acervo e, de parte considerável do acervo da SLEV, conheço todas as obras ali assentadas. Assim, percorri a lista de livros que tenho organizada por ordem alfabética de autor/autora e escolhi apenas cinco delas. Por quê? Quantificar sempre é uma responsabilidade delicada. O foco, inicialmente, foi apresentar obras potentes, instigantes, complexas. Como adendo, terem sido escritas por autores/autoras respeitados. Sim, há outras obras de mesmo valor literário e pedagógico nos acervos estudados e, em breve, pretendo indicar mais uma ou duas em cada uma das categorias. Mas, neste trabalho, me dedicarei a Vermelho amargo.

Metodologicamente, realizei uma “análise documental”, ou seja, uma descrição densa do artefato livro (gráfica, editorial e biograficamente) e de suas qualidades literárias e pedagógicas, visto que se destina à formação de leitores sobre um tema. Ao abordar as metodologias de pesquisa nos estudos literários, Durão (2015, p 379), pondera que “[...] discutir teoria literária em sua acepção mais ampla terá sempre como pressuposto a capacidade que a literatura exibe para ser algo epistemologicamente produtivo”. Assim, penso que a análise documental (leitura, descrição, categorização, análise crítica) é um excelente meio para a indicação da obra. Objetivando a formação de professoras e professores, bibliotecárias e bibliotecários e gestoras e gestores escolares, intento dizer como pode ser utilizada por mediadores – docentes em exercício – quando estes estiverem com suas crianças na escola.

Vermelho amargo, de Bartolomeu Campos de Queirós

Pungente, amargo, impactante e profundo, Vermelho Amargo é uma obra que necessita de delicadeza para ser lido. Para si e para os demais. Demanda um leitor ciente de seus limites, de suas possibilidades de mediador, de suas qualidades pedagógicas, de suas potencialidades como letrado.

O livro de 72 páginas é em Português, tem capa dura e suas dimensões são 20,32 por 11,18 x 1,02 cm. Foi lançado pela Cosac Naify em 2011, não é ilustrado e não foi escrito para crianças. Isso não significa que não pode ser lido para crianças. A obra – prosa poética de cunho autobiográfico – foi vencedora in memoriam da categoria Melhor Livro do Ano do Prêmio São Paulo de Literatura 2012.

Biográfico, em seu enredo Bartolomeu descreve a dor real e de alma que antecipou a morte da mãe. A dor da mãe e a dor do filho que a perdeu. Descreve, em uma impactante figura de linguagem, como o menino que ainda não lia, aprendeu as letras e o Alfabeto ao ver, nas mãos do farmacêutico e reiteradas vezes, a caixinha com a palavra “morfina”. Bartolomeu também descreve a tentativa de usurpação do lugar da mãe no coração do pai pela madrasta e como esta, dia após dia, ao fatiar tomate após tomate – o vermelho do título, mas não só –, descartava filho após filho.

No lançamento de Vermelho Amargo, em 2011, Bartolomeu disse ter sentido, ao escrever, “passando a vida a limpo”, em um “processo lento de escrita”,  “Não foi um trabalho apressado” e, “cada frase que eu escrevia, é quase que uma reflexão sobre o que está presente na minha memória ainda hoje e que eu não consegui esquecer” (Queirós, 14/04/2011).

Por que Vermelho amargo representa o direito à vida e a saúde?

Investir em modos de pensar, em pluralidade de ideias é permitir que o silêncio se instale entre os leitores e ouvintes. Que lugar mais adequado que a sala de aula para isso? Potente desencadeador de reflexões e diálogos, Vermelho amargo oportuniza reflexões sobre o conceito de vida e morte. Instiga a dialogar sobre o “valor” da vida. Apresenta conceitos como saudade, memória, abandono, responsabilidade, paternidade e infâncias. Reúne, assim, qualidades suficientes para um mediador oferecer, através da escrita literária, contato profundo com o humano, mesmo que dilacerado pela dor. Vermelho amargo é um convite à capacidade de ressignificar cada uma das vidas ali narradas e, por extensão e pelo seu poder reverberador, a nossa própria.

Dica

Neste vídeo a seguir, Bartolomeu Campos de Queirós menciona o processo de escrita de seu livro. Assista: https://www.bing.com/videos/search?q=vermelho+amargo+de+bartolomeu&docid=608022332822739329&mid=9F10B334E99CC9D60ECB9F10B334E99CC9D60ECB&view=detail&FORM=VIRE

Os outros livros...

Acompanhe aqui a argumentação a respeito dos demais livros por mim indicados. Eles são: Lulu, de Fabrício Carpinejar, referente ao direito à liberdade, ao respeito e à dignidade; Bem do seu tamanho, de Ana Maria Machado, referente ao direito à convivência familiar e comunitária; d) Como as histórias de espalharam pelo mundo, de Rogério Andrade Barbosa, referente ao direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer; e) Os meninos da rua da praia, de Sergio Capparelli, referente ao direito à profissionalização e à proteção no trabalho.

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Um "Alfabeto à parte" foi criado em setembro de 2008 e tem como objetivo discutir a leitura e a literatura na escola. Nele disponibilizo o que penso, estudos sobre documentos raros e meus contos, além de uma lista do que gosto de ler. Alguns momentos importantes estão aqui. 2013 – Publicação dos estudos sobre o Abecedário Ilustrado Meu ABC, de Erico Verissimo, publicado pelas Oficinas Gráficas da Livraria do Globo em 1936; 2015 – Inauguração da Sala de Leitura Erico Verissimo, na FaE/UFPel; 2016 – Restauro e ambientação da Biblioteca na Escola Fernando Treptow, inaugurada em 25 de novembro; 2017 – Escrita da Biografia literária de João Bez Batti, a partir de relatos pessoais. Bilíngue – português e italiano – tornou-se um E-Book; 2018 – Feira do Livro com Anna Claudia Ramos (http://annaclaudiaramos.com.br/). 2019 – Produção de Íris e a Beterraba, um livro digital ilustrado por crianças; 2020 – Produção de Uma quarentena de Receitas, um livro criado para comemorar a vida; 2021 – Ruas Rosas e Um abraço e um chá, duas produções com a UNAPI; 2022 – Inicio de Pesquisa de Pós-Doutorado em acervos universitários. Foco: Há livros literários para crianças que abordem o ECA? 2023 – Tragicamente obsoletos: Publicação de um catálogo com livros para a infância.

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