quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Obra literária: o que é isso?

O que é uma obra literária? O que caracteriza uma obra literária e a torna diferente de um outro impresso?
Essa foi uma das questões que, durante o CIC/UFPel, recebemos durante a apresentação de nosso trabalho "Leitura Literária na Escola".
Motivação encontrada, vamos à resposta.

Literatura é arte. Doce e útil, a literatura tem o compromisso de encantar o leitor e, ao mesmo tempo, torná-lo mais culto, mais perspicaz, mais inteligente, mais curioso...
Obra literária é um livro de narrativas ou de poesia cujo função primordial é apresentar ao leitor uma visão estética da palavra e da forma como essa palavra se organiza em um texto.
Para a infância, a obra literária é, primordialmente o conto de fadas, os recontos, as narrativas modernas, as fábulas e lendas. Letras de música e canções de roda bem como adivinhas e travalínguas podem ser consideradas obras literárias pelo seu caráter lúdico e poético.

Exemplos, bons exemplos...
Bons exemplos de contos de fadas ou de encantamento são os textos de Charles Perrault, dos Irmãos Grimm e de Hans Christian Andersen. No Brasil temos uma profusão de bons autores, quase todos do século XX, a começar por Monteiro Lobato. Depois dele, bem mais modernamente, temos Ana Maria Machado, Eva Furnari, Ruth Rocha, Fernanda Lopes de Almeida e Bartolomeu Campos Queiroz entre tantos outros bons. Na poesia, Cecília Meireles, Mário Quintana, Tatiana Belinky, Vinícius de Moraes e José Paulo Paes são deliciosos.

Características de um texto literário
Entre muitas das características que definem ou mesmo organizam um texto para que ele seja considerado como pertencente ao campo da arte literária estão a imaginação, a ancestralidade, a presença de um elemento mágico, a lingagem metafórica/poética e a ludicidade.
Assim, textos literários são:
1. Texos que estabelecem uma conexão imediata com a imaginação, com o mundo que existe como desejo, possibilidade. O texto literário nos remete a situações inusitadas e podemos, através dele, transgredir (a ordem, as leis, as regras, as idades) ou mesmo só pensar que se faz isso. Através dele podemos brincar de ser outro, mais novo, mais velho, com poder, sem nenhum, com muito ouro, com quase nada...
2. Textos que apresentam vínculo com a ancestralidade, com nossa condiçao de humanos em sociedade. O texto literário nos faz pertencer e nos ensina que, um dia, em torno do fogo, ouvíamos e contávamos e, desse modo, inventávamos a linguagem...
3. Textos que prevêem a existência de elementos mágicos, fantásticos, inverossímeis que, na trama, são absolutamente possíveis de existir, como a pó de pirlimpimpim...
4. Texos caracterizados pela presença de linguagem metafórica e em alguns casos, de palavras ou expressões inventadas, que produzem tamanho efeito no leitor que ele acaba acreditando nelas.
Ex: "NO REINO DA BESTOLÂNDIA, HAVIA UM JOVEM PRÍNCIPE CHAMADO PANDOLFO. PANDOLFO NADA ENTENDIA DE AMOR OU AMIZADE...". Pronto, já entrei no reino, visulaizei Pandolfo, ele é jovem, não entende nada de amor ou amizade, o reino existe e quero saber o que será dito na próxima página. É Eva Furnari e sua invencionices. Literatura pura, da mais alta qualidade!
5. Um texcto literário é um brinquedo inventado por nós, através de um mecanismo incrível, o nosso cérebro e nossa imaginação. Não há máquina que imite, é criação pura, invencionice, bobices e gostosuras, como diz Fanny Abramovich.

Leitura literária 
Ler literatura é um direito que aporta em cada um de nós, leitores, prazer, encantamento, reflexão, possibilidade de pensar o mundo para além de nós mesmos, para além de nossas cotidianas tramas.
Ler literatura, no entanto, não tem sido uma prática frequente entre os brasileiros.
Nesta semana li para meus alunos A Alegoria da Caverna, em A República, de PLatão. Gostei mais da versão da Marilena Chauí. Preocupada que está em ser entendida, a linguagem é moderna e sedutora em seu livro, um convite ao filosofar. No livro "original", (Biblioteca do ICH 184 P716r)  o diálogo acontece no livro VII, à página 267. Vale a pena ler, é encantador. Utilizei essa leitura como mote para discutir a origem da linguagem. Escolhi a alegoria da caverna por ser literatura: dulce e utile.

Diferença entre literatura e realidade
Literatura e literário vem de littera (letra), e poderia ser entendido como tudo que é escrito com arte ou mesmo a "arte da escrita criativa". O texto literário (em prosa ou verso) é uma representação da realidade. Como representação, pode e tem laços com a realidade, mas não é a realidade, não se compromete com o real, só com a emoção, seja de que origem for...

O poeta e o ficcionista, através de seus textos, recriam a realidade.
E escolhem fazer isso por vários motivos: para autorizar-se a pensar o mundo, para suavizar a amargura do real, para inventar uma realidade sem amargura, para questionar a realidade, para subvertê-la.
Poetas e ficcionistas recriam, através de seu trabalho cotidiano com a palavra, o maravilhoso. Nessa recriação é que está a arte - a arte do texto literário.

Quem define o que é arte?
Acredito que é a nossa sensibilidade, essa habilidade humana para se tornar mais humano.
No entanto, a nossa sensibilidade educada, em conjunto, define, em alguns casos, o que é arte de um povo, em um tempo. A arte brasileira, por exemplo. E é por isso que temos escritores respeitados, admirados, elogiados. Uns apenas em sua casa, outros em sua cidade e alguns, no Brasil todo. Quando lemos Cecília Meireles não temos dúvida do por quê ela é respeitada, elogiada, admirada...
Uma bula de remédio, um página de jornal, uma revista científica, um anúncio de cartomante, um rótulo de biscoito, um certidão de nascimento e um livro didático não são obras literárias. O que diferencia esses textos da arte literária é a função que exercem em sociedade: uns nasceram para perecer (a atualidade, no caso do jornal), outros para serem eternos (um documento de pertença), outros só para informar. Alguns para encantar e representar uma época, para serem apreciados, no caso da arte. Assim, uma obra literária tem compromisso com o deleite, com o prazer, com o diálogo. Tem compromisso apenas com a nossa imaginação, através da imaginação de quem escreveu.
A obra litierária não tem a tarefa de informar, embora possa fazer isso, não tem a tarefa de educar, apesar de poder. Tem compromisso com a imaginação, a emoção, a estética...
Simples assim...
E basta! E é muito!


Alfabeteando...

Um "Alfabeto à parte" foi criado em setembro de 2008 e tem como objetivo discutir a leitura e a literatura na escola. Nele disponibilizo o que penso, estudos sobre documentos raros e meus contos, além de uma lista do que gosto de ler. Alguns momentos importantes estão aqui. 2013 – Publicação dos estudos sobre o Abecedário Ilustrado Meu ABC, de Erico Verissimo, publicado pelas Oficinas Gráficas da Livraria do Globo em 1936; 2015 – Inauguração da Sala de Leitura Erico Verissimo, na FaE/UFPel; 2016 – Restauro e ambientação da Biblioteca na Escola Fernando Treptow, inaugurada em 25 de novembro; 2017 – Escrita da Biografia literária de João Bez Batti, a partir de relatos pessoais. Bilíngue – português e italiano – tornou-se um E-Book; 2018 – Feira do Livro com Anna Claudia Ramos (http://annaclaudiaramos.com.br/). 2019 – Produção de Íris e a Beterraba, um livro digital ilustrado por crianças; 2020 – Produção de Uma quarentena de Receitas, um livro criado para comemorar a vida; 2021 – Ruas Rosas e Um abraço e um chá, duas produções com a UNAPI; 2022 – Inicio de Pesquisa de Pós-Doutorado em acervos universitários. Foco: Há livros literários para crianças que abordem o ECA? 2023 – Tragicamente obsoletos: Publicação de um catálogo com livros para a infância.

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