terça-feira, 28 de setembro de 2021

Um grupo de pesquisa: terceira parte...

 


Um grupo de pesquisa

Cristina Maria Rosa

Graça Paulino, há dois anos, fechou os olhos e não mais abriu. Foi um choque para todos que a amávamos e a queríamos perto. Séria, rindo, irônica, brava, concentrada, lendo, brincando com seus cães, apreciando um café da manhã com ovo e iogurte, no almoço uma galinha caipira com couve e um espumante ou vinho no Bem Bom, de qualquer jeito ou a qualquer hora era a Graça que queríamos ter perto. Foi muito bom viver e sempre é alentador lembrar detalhes, momentos, frases, olhares e o tom de voz que ficou impresso na memória de quem, como eu, teve o privilégio de tê-la.

Graça foi minha orientadora em um momento muito especial. Com ela descobri quem sou na "coluna vertebral" que sustenta a pesquisa científica sobre e leitura literária no Brasil. Por ela me tornei uma pesquisadora mais focada, mais voltada à Pedagoga que sempre fui, mais comprometida com a escola e as crianças que nela circulam.

 Tributo

Para homenagear Graça, para mantê-la perto, lembrada, amada, nós que a conhecemos reunimos memórias. Dela e sobre ela. Algumas, já publiquei; outras, ainda pretendo. Em julho, no dia dois, Rildo me enviou uma cartinha. Ele escreveu:

 

Cristina,

Entrei de férias e resolvi fazer uma limpa em velhas pastas de arquivo. Eis que encontrei este texto que Graça escreveu e não sei se publicou em algum lugar. Talvez lhe interesse, talvez você já o tenha. De qualquer maneira, segue. Abraço, Prof. Rildo Cosson. Programa de Pós-Graduação em Letras – UFPB.

 

Emocionada por ter sido lembrada como destinatária e pela delicadeza de Rildo, publico aqui a terceira parte do presente recebido.

3. O Grupo de Pesquisas de Literatura Infantil e Juvenil do CEALE

No ano de 1994, se organizou, no CEALE, o Grupo de Pesquisas de Literatura Infantil e Juvenil, a partir de uma iniciativa das professoras da Faculdade de Educação da UFMG, Maria Therezinha Bedran e Aracy Evangelista, juntamente com Heliana Brina, professora da UFOP. Ivete Walty e eu fomos convidadas a integrar o Grupo, no final do mesmo ano de 1994, como professoras recém-aposentadas da Faculdade de Letras da UFMG, interessadas pelo objeto de pesquisa escolhido.

Optamos por iniciar um levantamento crítico dos critérios de avaliação de literatura infantil – poesia e prosa - que tivessem aceitação por parte da crítica literária em geral, mas que pudessem ser acessíveis aos professores das séries iniciais da Educação Básica. Nesse ínterim, passariam também a integrar o Grupo Maria Zélia Versiani Machado, mestranda em Teoria Literária e professora da rede estadual de ensino de Sabará, Aparecida Paiva, professora da FAE, recém-doutora em Literatura Comparada, e Vera Lúcia Casa Nova, professora de Letras. Contávamos ainda com três bolsistas de Iniciação Científica. A aposentadoria de Therezinha Bedran logo a afastaria do Grupo, e o interesse de Vera Casa Nova pela Semiótica a faria tomar outros rumos de trabalho.

Os outros participantes nos fixamos nos objetivos dessa primeira pesquisa, cujos resultados, além do Relatório Final, se socializaram com a publicação pela Editora Formato, em 1996, de um Caderno CEALE, intitulado Leitores e textos em construção, com artigos de Aracy Evangelista, Ivete Walty e Zélia Versiani. No ano anterior de 1995, o Grupo organiza o primeiro "Jogo do Livro Infantil", encontro acadêmico que se propunha discutir as instâncias de produção e recepção do livro para crianças no País. Foram convidados a participar de mesas redondas ou a apresentar palestras especialistas conhecidos nacionalmente na pesquisa, escritura, ilustração, editoração, divulgação, mediação escolar e leitura. Como resultado, sairia, através da Editora Dimensão, um livro por mim organizado, O Jogo do livro infantiltextos selecionados para a atualização de professores, com tiragem de 10 mil exemplares, compondo a "Coleção Lendo e Ensinando", da mesma Editora de Belo Horizonte. Dentre os autores estão, por exemplo, Bartolomeu Campos Queirós, Fanny Abramovich, Glória Bordini, Magda Soares, Regina Zilberman, Vera Casa Nova e Terezinha Taborda Moreira, professora da PUC-Minas, a qual passa a integrar o Grupo no final do ano 2000, como, como também dois professores do Centro Pedagógico da UFMG, Adelina Martins Mendes e Marcelo Chiaretto.

Em 1996 tornara-me professora do setor de Linguagem da Faculdade de Educação da UFMG. Como tinha completado o Doutorado em 1990, e já orientara cinco dissertações em Letras, fui credenciada para compor o quadro docente da Pós-Graduação em Educação, a partir de 97. Em 1998, iniciei o trabalho de orientação no Doutorado, com Eliana Borges Albuquerque, da UFPE, e Hércules Tolêdo Corrêa, do UNIBH. A primeira pesquisadora analisa a recepção de propostas de renovação curricular, especialmente na área de leitura literária, pelos professores da rede municipal de ensino do Recife. O segundo compara as leituras de duas narrativas, uma francesa e outra brasileira, por estudantes de faixas etárias e formações culturais diferentes. Em 1999, comecei a orientar também a tese de Maria Zélia Versiani, que pesquisou a recepção de livros consagrados pela crítica especializada por parte de alunos de uma escola privada destinada à "classe A" e por alunos de uma escola pública da periferia de Belo Horizonte. Na mesma linha, no nível de Mestrado, Isabel Gomes Ribeiro comparou dois programas governamentais de incentivo à leitura literária, o PROLER e o PROLEITURA, tentando analisar seus pressupostos ideológicos e estéticos manifestados em documentos e práticas.

Antes disso, no próprio ano de 1997, o Grupo organizaria o segundo "Jogo do Livro Infantil", tornado encontro bienal, que teve, nesta versão, como tema, a escolarização da leitura literária, suas estratégias e seus efeitos. Houve nele a participação de Anne-Marie Chartier, pesquisadora francesa que proferiu palestra sobre os saberes que a leitura literária envolve, contextualizando suas reflexões em torno da ficção científica que foi lida na França durante o século XIX. Em 1999, como resultado desse encontro acadêmico, publicar-se-ia o livro intitulado A escolarização da leitura literária, pela Editora Autêntica, organizado por Aracy Evangelista, Heliana Brina e Zélia Versiani. Com a saída de Ivete Walty, o grupo ficaria restrito, entre 1998 e 1999, a cinco participantes: as três citadas mais Aparecida Paiva e eu. Em 2000 se afastaria Heliana Brina, o que fez com que a organização do terceiro "Jogo" ficasse sob a responsabilidade apenas de quatro pesquisadoras. Propusemos que a temática abrangesse a questão da diversidade de suportes, gêneros e leituras característica do final do século. Desse Encontro surgiria um terceiro livro, No fim do século: a diversidade, por nós organizado, publicado pela Editora Autêntica, tendo como autores Ana Elizabeth Lopes, André Brasil, Aparecida Paiva, Aracy Evangelista, Graça Paulino, Hércules Toledo Corrêa, Ivete Walty, Luciana Sander, Márcia Abreu, Maria Teresa Freitas, Solange Jobim, Sônia Kramer e Zélia Versiani.

Durante os anos de 1997 e 1998, desenvolvemos uma pesquisa empírica de grande extensão, envolvendo  os professores de Português em exercício na rede municipal de ensino de Belo Horizonte. O objetivo era traçar o perfil desses possíveis leitores literários, analisando a relação entre seu acesso a livros na infância, sua formação literária e seu gosto pela leitura literária no presente. Foram aplicados 138 questionários, atingindo 20% do total de professores. Apresentado na ANPED em setembro de 98, o trabalho seria também publicado no periódico Educação em Revista, da FAE, com o título "A formação de professores leitores literários: uma ligação entre infância e idade adulta?". Resultaria também dessa pesquisa inicial um aprofundamento significativo, realizado no trabalho de doutorado de Aracy Evangelista, que ampliou as bases teórico-metodológicas e a confiabilidade de conclusões levantadas no primeiro momento de reflexão do Grupo, do qual a pesquisadora desde 1994 continuou participando ativamente, sem interromper suas produções integradas, mesmo no período de afastamento temporário das atividades docentes.

Enquanto isso, desde 1997 o Grupo se tornaria um dos jurados responsáveis por delimitar o quadro especial de produções literárias consideradas altamente recomendáveis para crianças e jovens, segundo critérios estabelecidos pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, representante brasileiro do IBBY – International Board on Books for Young People – um braço literário da UNESCO para selecionar internacionalmente produções de qualidade dentre materiais impressos no mundo inteiro para leitores jovens. Num contexto de situação democrática do País, a Fundação assume importante função e sentido, diferentes do de 68. Na verdade, esse trabalho com a FNLIJ deu continuidade a outro, de 1996, quando, a convite da ALB, desenvolvemos uma análise crítica da produção literária para crianças no Brasil, com o objetivo de compor acervos de qualidade em escolas públicas de Ensino Fundamental.

Alguns membros do Grupo têm participado também de programas de capacitação de professores do MEC, da Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais, de secretarias municipais, especialmente no que diz respeito ao trabalho com a diversidade de textos, nas instâncias de produção e recepção, sempre tendo a preocupação de atuar no sentido de auxiliar a formação de leitores literários.  Um convênio estabelecido com o PROLER nesse sentido permitiu que essas atividades se multiplicassem.

Durante o ano de 2000, desenvolvemos parte de um projeto de pesquisa comparativa que procurava semelhanças e diferenças na produção literária para jovens no Brasil e em outros países, com o objetivo de verificar alcances e limites do processo de globalização cultural, especificidades de propostas de leitura implícitas nas estruturas dos textos, nas estratégias editoriais e nas interações literárias possibilitadas pelos processos sociais e estéticos contemporâneos. Essa pesquisa será desenvolvida por Maria Zélia Versiani, como parte de suas atividades ligadas a Bolsa de Recém-Doutor na PUC Minas.

Nossas publicações, individuais e coletivas, nossas participações em congressos nacionais e internacionais, nossas visitas a escolas e bibliotecas de variados níveis e sistemas, nossas iniciativas de aperfeiçoamento, orientação, ensino, pesquisa e extensão demonstram que o Grupo, alinhado aos direcionamentos da linha de pesquisa que integra, tem se firmado de forma produtiva no trabalho acadêmico e social voltado para as questões do letramento literário no País. A partir de 2001, explicitando essa amplitude de ações, passaria a denominar-se Grupo de Pesquisa do Letramento Literário –GPELL- , do CEALE

Ainda em 2001, preocupados em pensar a literatura no cotidiano da escola brasileira, optamos por apresentar ao CNPQ o Projeto “Letramento literário no contexto da biblioteca escolar”, que foi aprovado e financiado. Após dois anos envolvidos nessa pesquisa integrada, estamos encerrando-a em agosto deste ano corrente, e propondo outra que nos ocupará no próximo biênio. A professora da PUC Minas Terezinha Taborda deixa o Grupo, enquanto nele se insere Rildo Cosson, novo professor de Educação e Linguagem da FaE UFMG, não por acaso com doutoramento em Literatura Comparada, num momento em que as interfaces se ampliam e se aprofundam, podendo tornar-se já um considerável objeto de estudos acadêmicos.

Bônus: Os demais textos estão em:

https://crisalfabetoaparte.blogspot.com/2021/08/lendo-e-escrevendo-graca-que-queriamos.html

https://crisalfabetoaparte.blogspot.com/2021/08/pesquisa-das-relacoes-literaturaescola.html


BIBLIOGRAFIA

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Educação em Revista. Belo Horizonte, n. 30, dez 1999

Educação em Revista. Belo Horizonte, n. 31, jun 2000

Alfabeteando...

Um "Alfabeto à parte" foi criado em setembro de 2008 e tem como objetivo discutir a leitura e a literatura na escola. Nele disponibilizo o que penso, estudos sobre documentos raros e meus contos, além de uma lista do que gosto de ler. Alguns momentos importantes estão aqui. 2013 – Publicação dos estudos sobre o Abecedário Ilustrado Meu ABC, de Erico Verissimo, publicado pelas Oficinas Gráficas da Livraria do Globo em 1936; 2015 – Inauguração da Sala de Leitura Erico Verissimo, na FaE/UFPel; 2016 – Restauro e ambientação da Biblioteca na Escola Fernando Treptow, inaugurada em 25 de novembro; 2017 – Escrita da Biografia literária de João Bez Batti, a partir de relatos pessoais. Bilíngue – português e italiano – tornou-se um E-Book; 2018 – Feira do Livro com Anna Claudia Ramos (http://annaclaudiaramos.com.br/). 2019 – Produção de Íris e a Beterraba, um livro digital ilustrado por crianças; 2020 – Produção de Uma quarentena de Receitas, um livro criado para comemorar a vida; 2021 – Ruas Rosas e Um abraço e um chá, duas produções com a UNAPI; 2022 – Inicio de Pesquisa de Pós-Doutorado em acervos universitários. Foco: Há livros literários para crianças que abordem o ECA? 2023 – Tragicamente obsoletos: Publicação de um catálogo com livros para a infância.

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