Flores para a professora
Cristina Maria Rosa
No dia 07 de julho, estarei diante de minhas novas alunas,
na UFRGS.
Elas são, todas, professoras na Educação Infantil. Em Porto Alegre. São 80, essas que serão, a partir desse dia, minhas alunas em um curso de qualificação e aperfeiçoamento do que já fazem bem: inserir crianças no mundo da escola. Ou seja, ensiná-las a amar a literatura!
Depois que meu único filho se tornou adulto, mais e mais penso na primeira infância. Uma idade e um tempo em que nem sempre somos capacitados para educar. Mesmo que amemos muito. Mesmo que sejamos como eu, Pedagoga.
Pensando neste processo - educar crianças bem pequenas - que me inspirei a escrever a elas, essas minhas novas alunas. E, ao mesmo tempo, pude homenagear minhas últimas alunas na UFPel, minhas queridas velhinhas da UNAPI. A seguir, o que escrevi:
Violetas
Era professora.
Tinha alunas, colegas, diretora, coordenadora. Tinha até orientadora
educacional!
Tinha ex-colegas.
E ex-professoras.
Na vida privada, tinha mãe, irmã, cunhadas, sobrinhas, tias
e primas.
E amigas.
Tinha ainda, vizinhas, conhecidas, algumas que ouvira
falar...
Gostava da vida. Ia à feira, ao parque, à orla do Guaíba, de
vez em quando.
Ia à academia, ao carnaval, à praia, no verão.
Ia ao Brique da Redenção, vez ou outra, à Casa de Cultura Mario Quintana.
E à igreja, eventualmente.
Em abril, conhecera o Iberê. A fundação, não o pintor, que este já é morto.
Era professora, mas acreditava em cartomante. Ia até ela, quando a coisa estava leve.
E ao terreiro, quando a coisa estava braba.
Na escola, no trabalho, nas reuniões, era professora.
Suas teorias e métodos, aplicava todos os dias.
E, ao fim do ano, comemorava com os que passavam, lamentava
com os que não conseguiam, chorava com as violetas que ganhava.
Até que certo dia...
Ouviu um murmúrio na escola.
As gurias tinham sabido que a prefeita estava procurando uma
escola para colocar sua filha.
Bah! Ninguém sabia que a prefeita tinha uma filha! E em
idade escolar?
Todas ficaram curiosas em saber onde a prefeita colocaria a guria.
Quem seria sua professora?
Quem receberia as violetas da menina?
A quem a prefeita, ao fim do ano, agradeceria?
Depois de muitas especulações, risos, projetos, desejos, o
assunto foi esmorecendo.
Na volta das férias, ninguém mais lembrava. Nem ela.
Ano novo, tudo novo, turma nova.
Ela era professora.
Do primeiro ano.
Assim, todos os anos, 20 e poucas crianças, novinhas em folha,
lhe chegavam às mãos.
Primeiro dia de aula, as crianças ali, ela lembrou...
Será que a menininha da prefeita está entre as minhas crianças?
Não teve coragem de perguntar a ninguém. Pareceria pretensão? Preconceito? Melhor nem saber...
Decidiu que sim, a guriazinha da prefeita era uma das suas.
com alista de chamada nas mãos, especulou mentalmente.
Poderia ser a Laura. Ou a Ruth. Ou Mercedes. Seria a Marilei? A Otacília?
A Graça tinha jeito de filha de prefeita?
A Anna é que seria? Ou a Cirlete?
A Cleusa dava os ares...
Ou seriam as que sentavam ao fundo da sala, as amigas Rosa e
Leonor?
Será que a prefeita havia escolhido Tereza para nome de sua
herdeira? Ou preferira Zaira, Tania, Maria Helena? Será que a menininha se
chamava Alci? Helena? Eloíza? Geni?
Decidiu que sim, ela seria a professora da filha da
prefeita.
Já imaginava, ao fim do ano, os olhos úmidos da prefeita da
capital, se deslocando em carro oficial para receber da professora, a filhinha leitora. E entregando a ela, professora, rosas. Ou margaridas. Violetas?
A professora, neste momento, se enterneceu.
Algumas lágrimas, de emoção profunda, verteram de seus
olhos.
Mas...
Ela era professora.
Então, abriu o primeiro livro e, diante de todas aquelas
guriazinhas, iniciou seu ano letivo. Suas primeiras palavras foram:
– Era uma vez...
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