Cristina Maria Rosa
Lendo o jornal, me deparei com Sandra Cecília.
Eu ainda não a conhecia.
Ao ler a frase "Jornalisticamente, eu não estou aqui.
Não averiguei nada, não verifiquei nada, nada além das minhas dores,
[...]", de pronto me interessei. Li tudo. E decidi solicitar a ela o
texto, para enviar e meus colegas de grupo de estudo. Enviado e e-mail, ela respondeu:
“Oi, Cristina! É uma honra para mim que meu texto seja do uso de mais reflexão.
Segue o texto bruto e sem revisão”.
A autora de "Eu não queria falar de estupro, mas...", publicado na segunda semana de julho no jornal O Pioneiro (Caxias do Sul) e em Zero Hora (Porto Alegre), é Jornalista, gestora de marketing, escritora e se declara “louca de amores pela vida”. A seguir, o texto da Sandra Cecília:
Eu não queria falar de
estupro, mas...
Jornalisticamente, eu
não estou aqui. Não averiguei nada, não verifiquei nada, nada além das minhas
dores, nada além dos choros de milhares de mulheres que pude tristemente
acompanhar em aproximadamente 16 anos de vida e trabalho em prol da igualdade
de gênero. E, é por cada lágrima vertida em seus rostos que escrevo hoje. Eu
poderia dizer que estou aqui somente para defendê-las, mas, não. Estou aqui,
também, por uma Sandra criança que sofreu no couro a adjacência de ser gente
pequena, porém grande nas responsabilidades indevidas sobre seu corpo. Estou
aqui por ser mãe de uma menina. Não tenho a mínima intenção de falar de mim, me
mantenho nessa história somente para marcar que o lugar do réu no julgamento
social sempre fora das mulheres e eu sou uma delas. Sendo assim, de credo
propósito, encerro a minha história e, com ela, abro a machado essa reflexão.
Sim, mulheres são estupradas a todo momento, em todo lugar. Se você não aceita
esse fato, você faz parte do problema. Sim, faz. Não questiono, afirmo. É por
gente como você, que não aceita que nossos corpos ainda são encarados como
domínio público que a sociedade não evolui. É por gente assim como você que
seguimos violentadas, violadas, traumatizadas. Te digo mais: suas costas
carregam nossos gritos surdos de socorro. Lide com isso, dentro da sua
permanência insistente em ser tradicional nesse mundo social que já devia ter
acabado. Esse universo conservador alimenta a cultura do estupro e do
feminicídio, sim. É ele quem não aceita nossas liberdades e direitos, mesmo
quando amparados por lei. É ele quem nos aponta a maternidade compulsória,
mesmo quando fruto de fruto de violência sexual. É ele quem dá palco e mídia a
inúmeros ‘Leos Dias’ por aí. Uma menina de 11 anos grávida, como pode? Pode e acontece.
Vítima de estupro, sim. Independentemente das condições do ato sexual, ela não
tem a mínima condição de responder por si, nem afetivamente e, muito menos,
sexualmente. Mas eu vi vocês aí tentando justificar o injustificável. Eu vi
vocês aí condenando o aborto dela. Sabe, sou mãe e sei que um parto é um
momento ímpar, denso e forte. Fui mãe com decisão e vontade de sê-lo, tendo um
parceiro ao lado e, ainda sim, foi duro.
Com a certeza de quem pariu uma bebê saudável por vias naturais e dá a
vida para mantê-la, digo: uma criança não pode parir, muito menos após uma
violência mortal. Tão menos ela pode ser
mãe. Assisti com o estômago revirado, uma juíza tentar manipular uma criança
estuprada a manter a gravidez. Uma mulher adulta, que entende as agruras de ser
quem somos, sabe lá em nome de quê, levou uma menina de vítima a ré. Eu me
senti envergonhada e triste por fazer parte de uma sociedade assim. N’outro
lugar, uma jovem atriz exposta midiaticamente em sua dor imensurável e mortal.
Ela foi estuprada, engravidou, deu à luz ao bebê, o entregou corretamente à
adoção legal e, mesmo assim, foi para o paredão do fuzilamento social. Delatada
pelos mesmos profissionais que a deveriam proteger, cuidar das suas feridas
íntimas e emocionais. Definitivamente, o mundo não ama as mulheres, ele as usa”.
Gentilmente, Sandra Cecília Peradelles.
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