Cristina Maria Rosa.
Por que devemos ler
literatura para as crianças na escola[1]?
O primeiro grande
motivo para ler literatura, é por que literatura é muito bom! Muitas vezes, nós,
adultos, nos afastamos do convívio familiar, abrimos um espaço no nosso tempo
que é muito ocupado para ler em silêncio em algum lugarzinho. E isso significa
que nós queremos “ficar a sós”, nós e o livro. Esse hábito – ler em silêncio,
ler sozinhos, isolados, afastados dos demais – é um habito de leitores que leem
frequentemente; de leitores que priorizam o momento como seu, único, um momento
de respeito a si e ao livro.
Na escola, quando muito
pequenos, as crianças ainda não conhecem esse modo de cultuar, de cultivar, de
aproveitar a leitura. Isso significa que elas precisam aprender. Aprender esse
prazer, aprender esse afrontamento com o texto literário. E grande parte das
crianças que estão nas nossas escolas, infelizmente, ainda não tem bons livros
em casa.
Então, a escola – preparada
que foi para educar a todos e, por isso, é nomeada “escola pública” – pode e
deve ofertar livros às crianças. O sistema público de ensino, que é “para todos”,
foi organizada pelo Estado para que todos adquiram, entrem em contato, se
acerquem de um grupo de saberes que são do país. Saberes que o país organizou
para que as nossas crianças, todas, conheçam um currículo mínimo, um grupo, um
rol de informações que nos tornam “brasileiros”.
Pelo saber, pelo
conhecimento, pela informação, pelas metodologias, podemos ser usuários
competentes da nossa língua. É para isso que foi criada a escola: para
universalizar saberes e competências, que são cruciais para que o Brasil
permaneça um país. Para que o Brasil permaneça um lugar onde nós nascemos e
podemos viver.
Todos os países do
mundo se organizam a partir da sua língua, para disseminar saberes sobre si e
os demais, na escola. Nós não somos diferentes dos outros países.
Línguas praticadas...
No Brasil, apesar de
termos como língua oficial o Português, temos muitas línguas escritas,
gesticuladas, faladas: as línguas indígenas, a Língua Brasileira de Sinais, as
línguas estrangeiras praticadas por comunidades como as pomeranas, alemãs,
italianas, polonesas, russas, judaicas, holandesas, entre outras. Além disso, a
Língua Portuguesa e os outros vários modos de falar (dialetos e/ou modos de
cada estado da federação), anunciam a variedade e a pluralidade que
indiscutivelmente existe.
Na escola, nós temos
apenas uma língua a ser ensinada. Em raríssimas exceções, em alguns lugares do
Brasil se ensina uma segunda língua na escola. A prioridade, no entanto, é o conhecimento
da língua portuguesa. E se nós observamos a infância, as crianças bem pequenas,
podemos perceber que o melhor modo de ensinar a nossa língua, a língua
portuguesa, é fazendo uso da Literatura.
Essa frase que acabei
de formular – a Literatura é o melhor meio para ensinar a língua – é consenso entre
vários educadores do país. No entanto, às vezes, é incompreendida. Por quê?
Porque nós, os
professores, pela avidez que temos em ensinar as nossas crianças a falar
corretamente o português, a escrever corretamente o português, a ler com
fluência os textos que os livros didáticos contêm e outros textos que circulam
na sociedade e que integram a cultura escrita de um lugar, de uma cidade, de um
estado, de um país, nós, professores atropelamos esse momento: do conhecer e
fruir a língua escrita que há nos textos literários.
Por desejo de ensinar
tudo logo, imediatamente recorremos à leitura de textos mais duros, mais
rígidos, mais formais, mais escolares e, muitas vezes, inclusive, interrompemos
um processo de aquisição do mais belo que tem em nossa língua, que é a poesia e
a narrativa literária.
Então, eu estou
convidando vocês, professoras e professores, para pensar sobre isso. Eu sei que
nós, sozinhos na nossa sala de aula, não temos o poder de mudar o currículo escolar.
Mas eu sei, por experiência própria, que sozinhos na sala de aula, com os
nossos alunos, temos o poder de abrir um livro, uma vez por dia. E ler para
nossas crianças, por alguns minutos. Isso é suficiente, isso faz a diferença. E,
para não ficar só “blablabando”, eu vou abrir o primeiro livro que separei para
vocês...
Ele é uma descoberta recente
que fiz, se intitula “Nuno e as Coisas
Incríveis” e foi escrito pelo André Neves. O André Neves iniciou-se na vida
profissional como ilustrador. Nasceu no Recife, hoje mora em Porto Alegre, se
declara apaixonado pelo Rio Grande do Sul. E tem, ele diz, o privilegio de poder
desenhar tudo o que ele deseja, porque hoje as pessoas o leem, todos os seus livros
são bem vindos: no mercado editorial, nas mãos de quem gosta de ler, entre os
braços das avós, das mães que leem para seus filhos. E são bem vindos pelas
professoras que acessam o escritor.
“Nuno e as Coisas Incríveis”, foi lançado em 2016. Não é um livro
novo. Mas é novo em minhas mãos e este é um fenômeno interessante: os livros
vivem o que nós vivemos quando nos encontramos com o livro! Quando nós o
encontramos, para nós ele é novo, ele é recém feito e parece que foi feito para
nós. Em “Nuno e as coisas incríveis”, há desenhos incríveis e poucas palavras.
Uma frase, ou duas, a cada duas páginas. Um misto de palavras com ilustrações
que tornam o livro único.
Ler
todos os dias...
Este argumento que eu
acabei de lançar – o livro de literatura pode ser lido todos os dias nas
escolas – implica em uma consequênmcia que gosto de ressaltar: se lermos um
texto literário por dia, as nossas crianças receberão, terão contato, serão
apresentadas, conhecerão, ao final de um ano letivo, duzentos textos
literários. Ao final de cinco anos de escolaridade, mil textos literários.
Vocês já pensaram
nisso?
Imaginem como seria se
as crianças, ao entrarem no sexto ano escolar, diante da pergunta da professora
de língua portuguesa e Literatura sobre seus conhecimentos literários pudessem
responder: “Eu conheço mil textos literários, porque as minhas professoras do
primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto ano, leram para mim todos os dias.
De cada duzentos dias letivos, destes anos que estive na escola, um texto literário
por dia”.
Já imaginaram?
Vocês, professoras e
professores, consideram isso impossível? Eu não!
[1] Primeira parte do texto produzido a partir de Conferência realizada a professores da rede pública
municipal a convite do CETEP/SMED. Pelotas, 13 de maio de 2021. Agradeço à
Luzia Helena Brandt Martins pela transcrição.
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