terça-feira, 22 de junho de 2021

Por que ler literatura?

 


Leitura literária na escola: muito prazer!

Cristina Maria Rosa.

 

Por que devemos ler literatura para as crianças na escola[1]?

O primeiro grande motivo para ler literatura, é por que literatura é muito bom! Muitas vezes, nós, adultos, nos afastamos do convívio familiar, abrimos um espaço no nosso tempo que é muito ocupado para ler em silêncio em algum lugarzinho. E isso significa que nós queremos “ficar a sós”, nós e o livro. Esse hábito – ler em silêncio, ler sozinhos, isolados, afastados dos demais – é um habito de leitores que leem frequentemente; de leitores que priorizam o momento como seu, único, um momento de respeito a si e ao livro.

Na escola, quando muito pequenos, as crianças ainda não conhecem esse modo de cultuar, de cultivar, de aproveitar a leitura. Isso significa que elas precisam aprender. Aprender esse prazer, aprender esse afrontamento com o texto literário. E grande parte das crianças que estão nas nossas escolas, infelizmente, ainda não tem bons livros em casa.

Então, a escola – preparada que foi para educar a todos e, por isso, é nomeada “escola pública” – pode e deve ofertar livros às crianças. O sistema público de ensino, que é “para todos”, foi organizada pelo Estado para que todos adquiram, entrem em contato, se acerquem de um grupo de saberes que são do país. Saberes que o país organizou para que as nossas crianças, todas, conheçam um currículo mínimo, um grupo, um rol de informações que nos tornam “brasileiros”.

Pelo saber, pelo conhecimento, pela informação, pelas metodologias, podemos ser usuários competentes da nossa língua. É para isso que foi criada a escola: para universalizar saberes e competências, que são cruciais para que o Brasil permaneça um país. Para que o Brasil permaneça um lugar onde nós nascemos e podemos viver.

Todos os países do mundo se organizam a partir da sua língua, para disseminar saberes sobre si e os demais, na escola. Nós não somos diferentes dos outros países.

Línguas praticadas...

No Brasil, apesar de termos como língua oficial o Português, temos muitas línguas escritas, gesticuladas, faladas: as línguas indígenas, a Língua Brasileira de Sinais, as línguas estrangeiras praticadas por comunidades como as pomeranas, alemãs, italianas, polonesas, russas, judaicas, holandesas, entre outras. Além disso, a Língua Portuguesa e os outros vários modos de falar (dialetos e/ou modos de cada estado da federação), anunciam a variedade e a pluralidade que indiscutivelmente existe.

Na escola, nós temos apenas uma língua a ser ensinada. Em raríssimas exceções, em alguns lugares do Brasil se ensina uma segunda língua na escola. A prioridade, no entanto, é o conhecimento da língua portuguesa. E se nós observamos a infância, as crianças bem pequenas, podemos perceber que o melhor modo de ensinar a nossa língua, a língua portuguesa, é fazendo uso da Literatura.

Essa frase que acabei de formular – a Literatura é o melhor meio para ensinar a língua – é consenso entre vários educadores do país. No entanto, às vezes, é incompreendida. Por quê?

Porque nós, os professores, pela avidez que temos em ensinar as nossas crianças a falar corretamente o português, a escrever corretamente o português, a ler com fluência os textos que os livros didáticos contêm e outros textos que circulam na sociedade e que integram a cultura escrita de um lugar, de uma cidade, de um estado, de um país, nós, professores atropelamos esse momento: do conhecer e fruir a língua escrita que há nos textos literários.

Por desejo de ensinar tudo logo, imediatamente recorremos à leitura de textos mais duros, mais rígidos, mais formais, mais escolares e, muitas vezes, inclusive, interrompemos um processo de aquisição do mais belo que tem em nossa língua, que é a poesia e a narrativa literária.

Então, eu estou convidando vocês, professoras e professores, para pensar sobre isso. Eu sei que nós, sozinhos na nossa sala de aula, não temos o poder de mudar o currículo escolar. Mas eu sei, por experiência própria, que sozinhos na sala de aula, com os nossos alunos, temos o poder de abrir um livro, uma vez por dia. E ler para nossas crianças, por alguns minutos. Isso é suficiente, isso faz a diferença. E, para não ficar só “blablabando”, eu vou abrir o primeiro livro que separei para vocês...

Ele é uma descoberta recente que fiz, se intitula “Nuno e as Coisas Incríveis” e foi escrito pelo André Neves. O André Neves iniciou-se na vida profissional como ilustrador. Nasceu no Recife, hoje mora em Porto Alegre, se declara apaixonado pelo Rio Grande do Sul. E tem, ele diz, o privilegio de poder desenhar tudo o que ele deseja, porque hoje as pessoas o leem, todos os seus livros são bem vindos: no mercado editorial, nas mãos de quem gosta de ler, entre os braços das avós, das mães que leem para seus filhos. E são bem vindos pelas professoras que acessam o escritor.

Nuno e as Coisas Incríveis”, foi lançado em 2016. Não é um livro novo. Mas é novo em minhas mãos e este é um fenômeno interessante: os livros vivem o que nós vivemos quando nos encontramos com o livro! Quando nós o encontramos, para nós ele é novo, ele é recém feito e parece que foi feito para nós. Em “Nuno e as coisas incríveis”, há desenhos incríveis e poucas palavras. Uma frase, ou duas, a cada duas páginas. Um misto de palavras com ilustrações que tornam o livro único.

Ler todos os dias...

Este argumento que eu acabei de lançar – o livro de literatura pode ser lido todos os dias nas escolas – implica em uma consequênmcia que gosto de ressaltar: se lermos um texto literário por dia, as nossas crianças receberão, terão contato, serão apresentadas, conhecerão, ao final de um ano letivo, duzentos textos literários. Ao final de cinco anos de escolaridade, mil textos literários.

Vocês já pensaram nisso?

Imaginem como seria se as crianças, ao entrarem no sexto ano escolar, diante da pergunta da professora de língua portuguesa e Literatura sobre seus conhecimentos literários pudessem responder: “Eu conheço mil textos literários, porque as minhas professoras do primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto ano, leram para mim todos os dias. De cada duzentos dias letivos, destes anos que estive na escola, um texto literário por dia”.

Já imaginaram?

Vocês, professoras e professores, consideram isso impossível? Eu não!



[1] Primeira parte do texto produzido a partir de Conferência realizada a professores da rede pública municipal a convite do CETEP/SMED. Pelotas, 13 de maio de 2021. Agradeço à Luzia Helena Brandt Martins pela transcrição.

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Alfabeteando...

Um "Alfabeto à parte" foi criado em setembro de 2008 e tem como objetivo discutir a leitura e a literatura na escola. Nele disponibilizo o que penso, estudos sobre documentos raros e meus contos, além de uma lista do que gosto de ler. Alguns momentos importantes estão aqui. 2013 – Publicação dos estudos sobre o Abecedário Ilustrado Meu ABC, de Erico Verissimo, publicado pelas Oficinas Gráficas da Livraria do Globo em 1936; 2015 – Inauguração da Sala de Leitura Erico Verissimo, na FaE/UFPel; 2016 – Restauro e ambientação da Biblioteca na Escola Fernando Treptow, inaugurada em 25 de novembro; 2017 – Escrita da Biografia literária de João Bez Batti, a partir de relatos pessoais. Bilíngue – português e italiano – tornou-se um E-Book; 2018 – Feira do Livro com Anna Claudia Ramos (http://annaclaudiaramos.com.br/). 2019 – Produção de Íris e a Beterraba, um livro digital ilustrado por crianças; 2020 – Produção de Uma quarentena de Receitas, um livro criado para comemorar a vida; 2021 – Ruas Rosas e Um abraço e um chá, duas produções com a UNAPI; 2022 – Inicio de Pesquisa de Pós-Doutorado em acervos universitários. Foco: Há livros literários para crianças que abordem o ECA? 2023 – Tragicamente obsoletos: Publicação de um catálogo com livros para a infância.

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