Os livros literários: outra linha de argumentação.
Cristina Maria Rosa
Por que devemos ler
literatura para as crianças na escola[1] ?
Quem é que fornece
os livros literários para a escola? Podemos responder que é o Estado. É
verdade. Quem é que sustenta o Estado? Nós. As crianças que estão na tua sala
de aula. Tu, que estás na tua sala de aula. Eu que estou na minha. Esse valor
que pagamos em impostos, se transforma em livros, entre outras coisas...
Mas nós estamos aqui
tratando de livros. Portanto, os livros que estão nas escolas, são nossos. São
livros teus, professora. Não existe diretora que possa impedir o acesso do
professor aos livros. Os livros não são da diretora; são também dela. Os livros
não podem ficar guardados nas estantes. Por que eles são materiais considerados
não permanentes. Ou seja, o Estado Brasileiro já sabe que aquele livro estraga,
então, eles são considerados materiais não permanentes. Material que pode vir a
ser substituído.
Pessoas não podem
ser substituídas. Livros podem...
Os livros são
nossos. São das nossas crianças. São dos processos educativos. Os livros são
materiais para uso na escola. Não é para enfeitar estantes. Não precisam
permanecer intactos. Não devem ficar em caixas. Não devem ficar naquele
plástico bem fininho em volta, que alguns chamam de plástico filme.
Os livros foram
impressos para serem abertos. Foram enviados à escola, para serem lidos,
manipulados. Eventualmente vão estragar? Sim, eventualmente, vão estragar. E é
por isso que todos os anos livros novos podem vir a ser adquiridos pela escola,
para que eles sejam conhecidos, lidos, folheados, espiados, conversados,
trocados, emprestados, entregues, devolvidos, cuidados, usados.
E o fundamental
nestes livros, são as palavras. Nem é a capa, muito menos a imagem, embora isso
possa contar muito no processo de alfabetização literária, mas o mais
importante nos livros são as palavras.
As palavras é que
são a base da educação brasileira. Elas que são à base de toda a escola. Sem
palavras, sem plurais, sem conjugações, sem leitura, as crianças não vão
aprender a qualidade, a preciosidade que é saber se expressar com competência
na nossa língua.
Onde elas aprenderão
a falar o português que vocês querem que elas falem? Onde elas aprenderão a ler
a beleza de tudo que há escrito na nossa língua, se não na escola, na
biblioteca da escola? Onde elas aprenderão a ler?
É contigo
professora. Não adianta empurrar para a professora do ano anterior; se ela não
fez a parte dela, perdeu o tempo ela. Não perca, tu, o teu tempo.
Não resolve dizermos
que, “O professor anterior não soube/não fez/não foi capaz.” Isso eu aprendi lá
na universidade, embora eu já imaginasse...
Aprendi quando tive
a oportunidade, bem jovem, de trabalhar com a alfabetização de crianças nas
escolas. Depois, quando eu tive a oportunidade de trabalhar com jovens e
adultos em processos de alfabetização, ou seja, pessoas que inclusive, tinham
perdido a autoestima por não saber ler e escrever. Com elas eu aprendi que não
resolveria jamais, eu dizer que “O estado não providenciou a alfabetização
daquelas pessoas”.
Elas estavam ali, na
minha frente, eram pessoas reais, e o Estado realmente estava descomprometido
com elas. Então, eu tomei para mim. Eu fiz de conta que também era o Estado.
Como professora de uma instituição publica, eu sou o Estado. Eu sou uma
partezinha dele. E se eu “fizer de conta” que aquelas pessoas não precisam de
conhecimento, eu estou fazendo igualzinho ao estado que eu critico, então eu
resolvi fazer. E foi assim que eu me tornei a professora que eu sou.
Eu busco fazer todos
os dias na minha sala de aula aquilo para o qual eu me formei, eu me
qualifiquei. Quando eu aceito o diploma de Pedagoga, quando eu assinei o meu
diploma, lá reitoria da Universidade Federal de Santa Maria em 1990, eu estava
recebendo uma licença para exercer um poder. O do conhecimento que a Pedagogia
me deu. E isso, para mim, foi uma verdade que eu segui durante toda minha vida
profissional. E ainda sigo.
Hoje estou aqui,
manifestando a vocês o que penso do Diploma que recebi.
Quando assinei,
recebi o direito de trabalhar nesse país. E, recebi o dever de trabalhar nesse
país e por esse país.
Ao elegermos
prefeitos, governadores e presidentes, ao participarmos de uma eleição, estamos
legitimando o sistema democrático. Nesses momentos, concordamos com a
existência das eleições, com a existência das regras das eleições. Se para
prefeito é assim, para diretor da escola também é. Ao votar e mesmo não votando
ou votando em branco, declaramos conivência com o sistema eleitoral que está em
curso no país. Se não concordamos, temos argumentos para questionar, quem sabe
até, modifica-lo. Mas, quando entramos em uma eleição, sabemos que podemos
perder. E perder integra a democracia. Essa é a parte do cidadão e, ter ciência
disso é ser adulto.
Agora, não dar aula
por que eu perdi as eleições, extrapola – no meu entendimento, óbvio – o que
significa democracia. E eu não estou falando de greves, estou falando em não
entregar o produto do nosso conhecimento.
Para mim, não dar
aula, não é não ir à escola. É ir à escola e não trabalhar. É ir à escola e não
usar a biblioteca. É ir à escola e não abrir um livro. É ir à escola e ignorar
que a maior parte das crianças brasileiras não conhecem o texto literário.
Penso que, se não
apresentarmos o texto literário a elas, as crianças, elas nunca conhecerão.
E...
Este é o compromisso
de um professor: ensinar as crianças a amar a literatura, a se apaixonar por
ela.
A pergunta que sempre
retorna...
O professor precisa
gostar de ler, para ensinar a gostar de ler?
Sim. Eu tenho certeza
que sim.
E sei que se tu não
gostas de ler, tu podes vir a aprender a gostar.
Essa é a minha
tarefa.
É isso que eu faço
na Licenciatura em Pedagogia.
Eu ensino a amar os
livros e seus conteúdos...
Queres e podes fazer
isso na escola?
[1] Texto produzido a
partir de Conferência realizada a professores da rede pública municipal a
convite do CETEP/SMED. Pelotas, 13 de maio de 2021. Agradeço à Luzia Helena
Brandt Martins pela transcrição.
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