terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Literatura ao sul: uma coleção de tirar o fôlego...

 


Bagé e uma Biobibliografia para Pedro Wayne

Cristina Maria Rosa


Em 2024, publiquei, junto com um grande grupo de estudiosos, um de meus mais importantes escritos. Foi em O rumo Moderno, segundo tomo da coleção História da Literatura no Rio Grande do Sul:

Organizada por Luís Augusto Fischer, professor de Literatura na UFRGS, o projeto se estendeu por produtivos 14 anos e, finamente, foi publicado e lançado na 70ª Feira do Livro de Porto Alegre. Não é pouco!

Comunicando o acontecido a amigos, um deles lembrou de um texto que fiz para mencionar meu livro – Um alfabeto à Parte – em seu blog. Por que mencionar meu livro sobre Wayne agora? É que dele se originou o convite para compor o grupo de 80 autores da coleção que oferece em torno de 70 bons textos sobre a escrita literária aqui no RS.

Um texto anterior...

Publicado pelo Jornalista Vaz em 07 de março de 2010 (no blog https://velhaguardacarloskluwe.blogspot.com/2010/03/o-pai-da-tete.html), meu texto foi intitulado Um Alfabeto à Parte: Biobibliografia de Pedro Rubens de Freitas Wayne, o Pedro Wayne. Nele eu escrevi:

O escritor Pedro Wayne viveu e escreveu na primeira metade do século XX. Seu livro mais conhecido é “Xarqueada”, uma obra encantadora, repleta de um Rio Grande do Sul que sempre existiu. Nascido em 1904 em Salvador, veio menino para Pelotas. Aqui, viveu entre bailes no Caixeiral, aprendizados nas praças e ruas e estudos, muitos, no Gonzaga e Pelotense. Foi um dos que trabalharam no Banco Pelotense, em Bagé, quando esse, o banco, era uma potência no Brasil.

Em Bagé, Pedro viveu a adultez, casou-se e teve filhos, escreveu muito e influenciou pessoas. É considerado um “animador cultural” por todos os que integraram o “Clube de Bagé”, nome dado a um grupo de desenhistas, gravuristas, pintores e poetas que, influenciados por Danúbio Gonçalves, criaram o “Clube de Gravuras”. A influência exercida sobre os jovens de Bagé é reconhecida pelos laços que Pedro mantinha com os modernistas, de Oswald e Mário de Andrade a Menocci Del Pichia.

O grupo foi denominado “Novos de Bagé” por Clóvis Assumpção: nele, Pedro foi uma figura respeitada, um interlocutor generoso que possibilitou o nascimento organizado da arte de vanguarda. Entre esses “novos” estiveram, entre outros, Glauco Rodrigues, Jacy Maraschin, Glenio Bianchetti, Ernesto Wayne, Fernando Borba, Tarcisio Taborda, Mario Lopes, Paulo Passos, Dr. Bidu e eventualmente o poeta Poty Reis.

Precocemente falecido em 1951, o poeta e romancista foi editado no Rio Grande do Sul (Globo, 1931, 1935, 1943 e 1947) e no Rio de Janeiro (Guanabara, 1937 e Pongetti, 1942). Sua obra é pouco conhecida e muito rara. Entre seus textos inéditos, encontrei um manuscrito que estava entre os guardados familiares: é um interessante livro de literatura infantil escrito por Pedro para “alfabetizar” a filha Ester, à época, com quatro ou cinco anos.

Composto por três manuscritos – “Histórias da Teté”, “Outras Histórias da Teté” e “Continuam as Histórias da Teté” – o conjunto foi conservado por aproximadamente 70 anos entre documentos, fotos, livros e demais lembranças na família de Pedro Wayne. Foi a partir desse legado que pude conhecer – e registrar – a história desse modernista brasileiro, autor de obras valorosas e quase um desconhecido na história da literatura.

Em “Um Alfabeto à Parte: Biobibliografia de Pedro Rubens de Freitas Weyne, o Pedro Wayne” – livro que publiquei em 2009 e dediquei à Leopoldina Almeida Calo Wayne (viúva do escritor), ao gravurista Danúbio Gonçalves e ao poeta e amigo de Pedro, Poty Reis – pude explorar a biografia de Wayne, sua produção, seus amores e seu legado.

Com a obra “Um Alfabeto à Parte...” obtive o reconhecimento de Regina Zilberman, uma das maiores autoridades em Literatura no Brasil, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, através do selo de apoio editorial, e da Editora Praça da Matriz do amigo de Pedro, José Carlos Teixeira Giorgis. Esse reconhecimento se deve, com certeza, a obra de Pedro, a preservação de documentos raros que a família me oportunizou conhecer e, também, ao tratamento que dei a seu legado.

Hoje, “Histórias de Teté” já tem uma edição própria, cuidado que o antropólogo e professor da UFRGS Sérgio Teixeira teve com os originais. Esse cuidado oportunizou que “Histórias da Teté” passassem a integrar a História da Cultura Escrita – em especial a historiografia da literatura infantil.

Ao investigar a importância de “Histórias de Teté” na História dos Métodos de Ensino da Leitura e da Alfabetização no Brasil percebi que ele era mais que um “manual” ou “cartilha” para ensinar a ler. Pelo contrário, poderia ser filiado à literatura infantil emergente à época, representada pela obra de Lobato e, logo depois, Érico Verissimo. Para Zilberman (2009) a criação do livro indica a sensibilidade de Wayne, pois, segundo a estudiosa, “ainda que no âmbito privado e sem pretensões de torná-lo público, Pedro Wayne pode “dar vazão a um texto inteiramente revolucionário que, passados quase setenta anos de sua elaboração, mostra-se ainda novo e inovador, como se tivesse vindo à luz há muito pouco tempo”.

 

Uma resenha para apresentar a Literatura aqui do Sul

Pensando em dar continuidade a essa história, uma vez que há que contar, organizei, em linhas bem ligeiras, uma pequena resenha da coleção. Te apresento aqui, o rascunho...

 

Que a literatura no Rio Grande do sul foi muitas vezes vista como uma unidade, um tanto à parte do conjunto da literatura no Brasil, é coisa sabida.

 

Essas são as primeiras palavras na longa empreitada que resultou na escrita, a muitas mãos, de História da Literatura no Rio Grande do Sul. O resultado – mais de 70 textos partilhados por 80 autores em 2.390 páginas organizadas em seis tempos nomeados – revela um sentimento de pertencimento local, uma identidade gaúcha e um fenômeno cultural descrito e interpretado com espírito crítico e perspectiva historiográfica.

Impossível não se emocionar ao ler!

Impresso às vésperas da 70º Feira do Livro de Porto Alegre – quando foi entregue ao público pela Coragem e Editora da FURG –, desde capas em tons pastéis, com imagens que endereçam a imaginação para as icônicas paisagens rural e urbanas daqui, o grupo de livros vai dos momentos preambulares, registrados por João Pinto da Silva em História da Literatura do Rio Grande do Sul (1924), à produção literária atemporal.  Este último tomo – Longas durações – é dedicado à produção literária de três das grandes etnias que formam o Estado e à literatura de autoria feminina e ao romance histórico, não ignorando a longa tradição de traduções, o memorialismo e a poética do samba e dos gêneros carnavalescos. Houve tempo e lugar para todos os que amam ler e escrever, na coleção.

Abraçada desde 27 de novembro aos seis livros, garimpo, desde então, preciosidades reveladas, condutas e estratégias de escrita das autoras e autores que partilham comigo o privilégio de ali estar. Me tocou escrever sobre Bagé, uma imponente produtora de cultura que abrigou o poeta e romancista Pedro Wayne no início do século XX.

E foi lindo ler a “Introdução geral” de Luis Augusto Fischer em A constelação Romântica, o primeiro dos seis. Nela, o organizador do projeto faz referência à tradição para a dar espaço a “uma nova história para a literatura gaúcha”. Mais. Ler Santa Maria, aos olhos de Orlando Fonseca em O rumo Moderno; Erico Verissimo, por Sergius Gonzaga em A era Erico; A canção urbana gaúcha dos anos 1960 aos 1980, do Arthur de Faria em A Ditadura e ser apresentado à Geração XXI, por Carlos André Moreira em Atualidade, foi delicioso.

Há muito que eu já conhecia em História da Literatura no Rio Grande do Sul. Mas, com certeza, há bem mais que ainda preciso conhecer. E esse é, talvez, o maior talento da obra pensada e organizada com capricho: uma incursão detalhada e cuidadosa pela produção literária aqui do Sul que como cunhas, se infiltram, integrando nosso repertório.

Esta pequena resenha, sei, nem de perto espelha os atributos e as peculiaridades da obra. Assim, intenciono te convidar a ler. Tenho certeza que vais saber andarilhar por autores, textos, livrarias, saraus, bibliotecas, becos, feiras e eventos. E vais te deparar com preciosidades que só aqui, no Sul, se avistam...

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Alfabeteando...

Um "Alfabeto à parte" foi criado em setembro de 2008 e tem como objetivo discutir a leitura e a literatura na escola. Nele disponibilizo o que penso, estudos sobre documentos raros e meus contos, além de uma lista do que gosto de ler. Alguns momentos importantes estão aqui. 2013 – Publicação dos estudos sobre o Abecedário Ilustrado Meu ABC, de Erico Verissimo, publicado pelas Oficinas Gráficas da Livraria do Globo em 1936; 2015 – Inauguração da Sala de Leitura Erico Verissimo, na FaE/UFPel; 2016 – Restauro e ambientação da Biblioteca na Escola Fernando Treptow, inaugurada em 25 de novembro; 2017 – Escrita da Biografia literária de João Bez Batti, a partir de relatos pessoais. Bilíngue – português e italiano – tornou-se um E-Book; 2018 – Feira do Livro com Anna Claudia Ramos (http://annaclaudiaramos.com.br/). 2019 – Produção de Íris e a Beterraba, um livro digital ilustrado por crianças; 2020 – Produção de Uma quarentena de Receitas, um livro criado para comemorar a vida; 2021 – Ruas Rosas e Um abraço e um chá, duas produções com a UNAPI; 2022 – Inicio de Pesquisa de Pós-Doutorado em acervos universitários. Foco: Há livros literários para crianças que abordem o ECA? 2023 – Tragicamente obsoletos: Publicação de um catálogo com livros para a infância.

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