domingo, 15 de setembro de 2019

Critérios para a Alfabetização Literária


Critérios para a Alfabetização Literária
Cristina Maria Rosa

Há obras literárias indicadas a serem lidas para bebês entre zero e quatro anos? Se sim, como as escolher? Quais os critérios que indicam obras para essa idade geracional?
A primeira infância é uma fase muito importante para o crescimento da criança e, quanto melhores forem, as circunstâncias de vida durante este período, maiores serão as probabilidades de que ela se torne um adulto mais equilibrado, produtivo e realizado.
A alfabetização literária pode ser entendida como um processo de “apresentação da literatura  a todos” e, de acordo com ROSA (2019), significa que a formação do gosto por ler literatura é um processo que não pode ser aleatório, eventual e desprovido de critérios.
Para Debus (2015), os critérios de seleção de livros literários destinados a crianças “levam em consideração, na maioria das vezes, os estágios de desenvolvimento infantil, obedecendo à faixa etária ou à faixa escolar do leitor”. A pesquisadora informa que, quando se trata de crianças pequenas, entre zero e seis anos de idade, “existem algumas especificidades nos critérios que orientam o acesso e a escolha dos livros” e que eles são importantes por dois motivos: a maior parte das crianças ainda não está no espaço escolar e é uma leitora em formação.
Para Abramovich (1997), a literatura tem linguagem fluida e aborda os problemas de modo discursivo e indica critérios a serem adotados quando da escolha de obras, entre eles, ter como princípio que a formação do leitor inicia pela audição de muitas histórias, escolher inicialmente histórias curtas e bem humoradas, inteligentes, criativas, que surpreendem e investir na escolha de obras a serem lidas pelos leitores, observar de forma crítica como os personagens são representados nas ilustrações, especialmente os pobres, as mulheres, os indígenas, japoneses e negros, as mães, tias e professoras. Além disso, considera importante priorizar a presença de humor, o deboche saudável, a ironia, o nonsense, a presença de personagens nada comuns e preferir obras com presença da lógica da criança. Abramovich também argumenta pela inserção da poesia “boa, bem escrita, que mexe com a emoção, que nos aguça, que nos deixa um pouco diferente depois de cada verso”, propor obras que oferecem informação e verdade, pois “entender o processo de como nascemos até quando morremos faz parte natural da curiosidade da criança” e ler integralmente os “Contos de Fadas” pela abordagem do amor em todos os seus prismas: descoberta, encanto, possibilidade, entrega, plenitude, sofrimento, angústia, injustiça, tristeza, obstáculos, dúvidas, identidade, rejeição, perdas, esquecimentos, revelações de sexualidade, da vida e da morte.
Para Nelly Novaes Coelho (1993) a categoria leitora está vinculada a três fatores: “idade cronológica, nível de amadurecimento biopsíquico-afetivo-intelectual e grau ou nível de conhecimento/domínio do mecanismo da leitura”. Assim, indica compor um acervo a partir da seguinte divisão: 1) pré-leitor (primeira infância que inclui bebês dos 15/17 meses aos 3 anos e, segunda infância, com crianças a partir dos 2/3 anos); 2) Leitor iniciante ou crianças a partir dos 6/7 anos; 3) Leitor em processo ou crianças a partir dos 8/9 anos; 4) leitor fluente ou criança a partir dos 10/11 anos e 5) leitor crítico, já um pré-adolescente a partir dos 12/13 anos.
Para Maria Betty Coelho Silva (1991), devem ser respeitadas as peculiaridades e os estágios emocionais das crianças na escolha dos livros. “Alimento da imaginação”, as histórias precisam respeitar a “estrutura cerebral” infantil. A autora faz um quadro demonstrativo de interesses, no qual divide os leitores em pré-escolares e escolares. E divide os pré-escolares em duas fases: a pré-mágica (crianças até três anos) e a mágica (crianças de três a seis anos). Aconselha para os primeiros, histórias de bichinhos, brinquedos, objetos, seres da natureza (humanizados), história de crianças. Para os demais, histórias de repetição e acumulativas, além de histórias de fadas.

Leitores do Século XXI
Pouco estudados no século XX, esse grupo de leitores em formação (bebês em sua maioria não escolarizados) eram pouco visados pelas políticas públicas e pela indústria do livro. O comum é que Editoras criassem brinquedos que imitavam livros como os de pano, de borracha, de plástico e outros materiais resistentes ao tato, ao gosto, à água, à falta de traquejo das mãos infantis. Em fins do século XX e início do XXI, a presença intensa de bebês nos berçários e escolas infantis desencadeou estudos com o intuito de prescrever quais seriam os livros que poderiam ser utilizados na alfabetização literária dessas crianças. Para Abramovich (1989), Coelho (1993) e Silva (1991), deveriam ser livros lidos por adultos para as crianças, ilustrados, bem humorados, poéticos. E deveriam conter histórias sobre bichos, brinquedos, objetos, seres da natureza, histórias de repetição e acumulativas. Obras com predomínio da fantasia como contos de fadas, mitos, lendas e fábulas e atitudes como o desenvolvimento da apreciação critica da leitura são recomendados. Pouco texto, muita gravura, cor e, em alguns casos, sons também foram sugeridos e apareceram no mercado. Livros de panos, livros-brinquedos e somente de imagens aparecem com frequência nos catálogos de Editoras, indicando que o mercado é eficaz em enganar o consumidor.
Rosa (2019) argumenta que a criança pequena não pode ser subestimada e sugere que a leitura pode ter início assim que ela ficar ereta, sentada no colo do adulto, na cadeirinha ou no “bebê-conforto”. Para tal, o leitor (mãe, irmão mais velho, professora, cuidadora) deve escolher um excelente texto que pode ou não ser ilustrado. A autora defende que durante a leitura do texto escolhido, o som da voz e os ritos da leitura (escolher, abrir folhear, indicar imagens, fechar, guardar) são formadores desse leitor em potencial, tornando a leitura “de verdade” e não apenas imitação ou distração. Para a autora, o livro não é um brinquedo: é o artefato mais importante da cultura escrita e a leitura seus atributos e sentidos podem ser adquiridos desde tenra idade.

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Alfabeteando...

Um "Alfabeto à parte" foi criado em setembro de 2008 e tem como objetivo discutir a leitura e a literatura na escola. Nele disponibilizo o que penso, estudos sobre documentos raros e meus contos, além de uma lista do que gosto de ler. Alguns momentos importantes estão aqui. 2013 – Publicação dos estudos sobre o Abecedário Ilustrado Meu ABC, de Erico Verissimo, publicado pelas Oficinas Gráficas da Livraria do Globo em 1936; 2015 – Inauguração da Sala de Leitura Erico Verissimo, na FaE/UFPel; 2016 – Restauro e ambientação da Biblioteca na Escola Fernando Treptow, inaugurada em 25 de novembro; 2017 – Escrita da Biografia literária de João Bez Batti, a partir de relatos pessoais. Bilíngue – português e italiano – tornou-se um E-Book; 2018 – Feira do Livro com Anna Claudia Ramos (http://annaclaudiaramos.com.br/). 2019 – Produção de Íris e a Beterraba, um livro digital ilustrado por crianças; 2020 – Produção de Uma quarentena de Receitas, um livro criado para comemorar a vida; 2021 – Ruas Rosas e Um abraço e um chá, duas produções com a UNAPI; 2022 – Inicio de Pesquisa de Pós-Doutorado em acervos universitários. Foco: Há livros literários para crianças que abordem o ECA? 2023 – Tragicamente obsoletos: Publicação de um catálogo com livros para a infância.

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