Tributo à Graça Paulino
Cristina Maria Rosa
Para
homenagear Graça Paulino e mantê-la perto, lembrada, amada, nós que a
conhecemos e partilhamos sua mesa e alegrias, de vez em quando alguma tristeza,
reunimos memórias. Dela e sobre ela.
Como tu
sabes, em julho, no dia dois, Rildo me enviou uma cartinha. Ele escreveu:
Cristina,
Entrei
de férias e resolvi fazer uma limpa em velhas pastas de arquivo. Eis que
encontrei este texto que Graça escreveu e não sei se publicou em algum lugar.
Talvez lhe interesse, talvez você já o tenha. De qualquer maneira, segue.
Abraço, Prof. Rildo Cosson. Programa de Pós-Graduação em Letras – UFPB.
Emocionada
por ter sido lembrada como destinatária e pela delicadeza de Rildo, publico
aqui mais uma parte do presente recebido.
A situação de Belo Horizonte na pesquisa
das relações literatura/escola
Belo
Horizonte apresenta também, desde o início dos anos 80, trabalhos voltados para
a questão da recepção literária em seu modo escolarizado. Em 1986, Antonieta
Cunha defende sua dissertação de Mestrado, Literatura
infantil: a procura do leitor, orientada por Magda Soares, no Curso de
Pós-Graduação em Educação da UFMG, tendo por objeto a literatura infantil em
suas determinações de poder simbólico No final desse mesmo ano de 1986, no bojo
de uma reforma curricular da rede estadual de ensino, Ivete Walty e eu, como
professoras de Teoria da Literatura da UFMG, no documento oficial da Secretaria
de Estado, propusemos a consideração explícita da leitura literária,
distinguindo-a de outros tipos de leitura (PAULINO, WALTY et al. 1987). Muitos
professores da escola básica recusaram, na época, essa distinção, por estarem
habituados, em conduções típicas dos livros didáticos da época, a usar o texto
literário como informativo, ou como pretexto para exercícios gramaticais.
Em
1988, um dos números da revista Ensaios
de Semiótica, da Faculdade de Letras da UFMG, teve mais de cem páginas
dedicadas à literatura infanto-juvenil, com artigos de Francisca Nóbrega, Ana
Clark Perez, Elisa Proença Galo, Luiz Cláudio de Oliveira, Nelly Novais Coelho,
Rafael Anderson Santos, Marcus Vinicius de Freitas, Ivete Walty e Graça
Paulino. Organizaríamos Ivete e eu, em 1992, uma antologia de artigos de
professores do Departamento de Semiótica e Teoria da Literatura da UFMG,
intitulada Teoria da Literatura na
Escola. Nesse mesmo ano, um grupo de quatro professores do mesmo
Departamento, com nossa participação, dariam início a uma pesquisa denominada Problemas intertextuais/interlocutórios no
ensino de literatura, que resultaria numa publicação com o mesmo título em
1994 (Coelho et al).
Enquanto
isso, na Faculdade de Educação, Magda Soares continuava a orientar trabalhos de
Mestrado na área de Educação e Linguagem que tinham como objeto a literatura
infantil e sua escolarização. Além do de Antonieta Antunes Cunha, Literatura infantil: a procura do leitor, que depois se tornaria livro, destacam-se:
1. A trama da escola: revólver sob bombons – uma análise da função da escola
pela ótica do teatro, de Alaíde
Gonzalez;
2. A leitura na escola de 1.o Grau: gerando o
desprazer do texto?, de Therezinha Saad
Bedran;
3. Nem sapo, nem príncipe: uma leitura das
leituras produzidas por camadas sociais diferentes, de
Heliana Brina Brandão;
4. Práticas e possibilidades da leitura na escola, Santuza Amorim da
Silva;
5. Fora da escola e dentro dela: a literatura na vida de seus leitores, de Rosa
Maria Drumond Costa
Uma tese...
São
seis dissertações sobre o tema, defendidas entre 1986 e 1998. No final do ano
de 2000, é defendida na FAE, também sob orientação de Magda, a primeira tese de
Doutorado que trabalha a escolarização da leitura literária, produzida por
Aracy Alves Evangelista: Escolarização da
literatura entre ensinamento e mediação cultural: formação e atuação de quatro
professoras.
São,
pois, mais de vinte anos no Brasil de pesquisas acadêmicas sobre circulação e
recepção de literatura por alunos –crianças e jovens- e professores. Levando-se
em conta que, na década de 80, o tempo dos cursos de mestrado com sua escrita de dissertações era muito maior que o
de hoje, torna-se evidente que a temática ocupou parte significativa no
desenvolvimento das reflexões sobre linguagem e escola. Poder-se-ia lembrar que
a professora Magda Soares orientou, durante esse tempo, 60 trabalhos, entre
dissertações e teses. Mesmo assim, a temática da literatura infantil preenche
mais de 10% desse total.
Destaca-se,
nessas pesquisas, a abordagem sociológica do processo de produção e recepção da
literatura. E, ao se voltarem para questões relativas ao letramento literário
como fato social, as dissertações citadas se colocam na linha de frente dos
estudos literários, pois exatamente a Sociologia da Literatura é que daria, de
certa forma, origem à denominada Estética da Recepção. Regina Zilberman, em seu
livro Estética da Recepção e História da Literatura
(1996), faz uma breve história da Sociologia da Leitura, desde 1923, com a obra
de Schucking, que contesta a crença na arte autônoma, definindo-a pelos grupos
sociais de leitores, assim se antecipando aos trabalhos de Hoggart, na Inglaterra,
e aos de Escarpit, na França, pioneiros ainda de uma vertente de pesquisas que
depois se fortaleceria com Bourdieu, Chartier, Leenhardt, Darnton. A história
da leitura literária é analisada em suas relações com a vida social sem deixar
de considerar os sujeitos diretamente envolvidos nas experiências, inclusive os
leitores pequenos, marginais, anônimos, religiosos, velhos, dentre outros.
Evita-se desse modo o determinismo da abordagem sociológica clássica, que,
ortodoxamente, se mostrara cega para com as múltiplas possibilidades de
interferência dos sujeitos leitores nas estruturações hegemônicas de mundo e de
linguagem.
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