Um teimozo
Esse Juca é levado da carepa!
Debalde sempre se lhe recomendava:
- Não brinque com fósforos!
- Não metas cacos de vidro no bolso!
- Não ponhas botões na boca!
Qual! Era o mesmo que nada: lá aparecia ele com cara chamuscada por cauza dos fósforos, com um dedo cortado pingando sangue, engasgado com um caroço ou um botão e até um dia o teimozo quazi que enguliu um alfinete. Agora o Juca teimou em fazer equilíbrio sobre uma cadeira de embalo.
Sobre uma cadeira de embalo! Sim, senhor. Vêja!
Como tive necessidade de sair de casa não sei o que teria acontecido, pois de volta, achei-o na cama, muito pálido, e chorando, das dores que sentia.
-Oh! rapaz, o que é isso? Choramingar não é responder?
Diga-me você o que foi que sucedeu ao teimoso Juca.
Desta vez tomará juízo?
Pode ser, pode ser!
(JSLN, Artinha de Leitura, 1907, p.53-54).
O
que são textos ou obras paradidáticas?
De acordo com os
Parâmetros Curriculares Nacionais, os livros paradidáticos têm a função de
desenvolver valores como bondade, amizade, respeito, honestidade, ecologia,
meio ambiente, poluição, dentre outros. Assim, os “valores humanos” como
convivência e educação, responsabilidade e solidariedade, respeito e mentira e
desprezo são temas recorrentes nestes casos. Para Menezes (2001),
paradidáticos são “livros e materiais que, sem serem propriamente didáticos,
são utilizados para este fim” e são importantes pois utilizam “aspectos mais
lúdicos que os didáticos”, buscando maior eficiência “do ponto de vista
pedagógico”.
De
onde vem essa nomenclatura?
Os livros, textos ou
materiais paradidáticos recebem esse nome porque “são adotados de forma
paralela aos materiais convencionais”, como livros, cartilhas, textos didáticos
utilizados na escola. Estes não os substituem, mas abordam temas que, nem
sempre, os didáticos contempla.
Para Rangel, ao que
tudo indica que “o termo paradidáticos surgiu como adjetivo,
qualificando um tipo de publicação que, a partir da década de 1970, começou a
proliferar na produção editorial brasileira voltada para o uso escolar”.
O intuito foi “distinguir
esses produtos dos livros didáticos tradicionais, sempre associados a
disciplinas, organizados em coleções seriadas e pensados para uso cotidiano”
Principal
diferença
A principal diferença
entre paradidáticos e demais livros em uso na escola consiste na abrangência,
ou seja, os paradidáticos “não pretenderem cobrir a matéria de uma
série nem, muito menos, de todo um segmento do ensino” e fixavam-se, antes, “em
um único tópico de interesse curricular, tratado de forma mais especializada
e/ou aprofundada”, de acordo com Rangel (2014). Paradidáticos é uma expressão
que, desde então, “passou a designar esse tipo de produção editorial; e vem
sendo empregada, desde então, como substantivo”.
É
um gênero?
Pesquisadores do
livro e da leitura, de acordo com Rangel (2014) “têm se perguntado se os paradidáticos constituiriam
um gênero discursivo, a exemplo do que outros investigadores postularam para os
livros didáticos”. Como a “variabilidade desses materiais é bastante ampla”
acredita o pesquisador que este aspecto tem “dificultando a definição de
características que lhes seriam exclusivas”, constituindo assim um gênero. E
completa afimando que “seus muitos usos escolares – sempre complementares e/ou
alternativos aos tradicionalmente associados aos livros didáticos – é que têm
sido decisivos para que certas produções editoriais sejam consideradas
paradidáticas”.
A
LDB e os paradidáticos
A partir da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que estabeleceu os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) e orientou para a abordagem de temas transversais
relacionados ao desenvolvimento da cidadania, livros paradidáticos pulularam
nas editoras brasileiras. Dessa forma, de acordo com Menezes (2001), “abriu-se
espaço para o aumento da produção de obras para serem utilizados em sala de
aula, abordando temas como Ética, Pluralidade Cultural, Trabalho e Consumo,
Saúde e Sexualidade”. Outro incremento para a utilização destes livros na
escola foi o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) e o PNBE.
Literatura?
Se o intuito é
desenvolver valores éticos e morais nos alunos, trazendo discussões acerca de fatos
que acontecem no cotidiano e oportunizando que pensem em atitudes com os
colegas, professores e família, o que há de literários neles? A Literatura
infantil, desde a origem, ofereceu diversão e/ou aprendizado às crianças. Paço
(2009) afirma que se buscava um conteúdo “adequado ao nível da compreensão e
interesse desse peculiar destinatário”. Adulto em miniatura, os primeiros
textos infantis “resultaram de adaptações ou da minimização de textos escritos
para os adultos” e, neste processo, foram “expurgadas as dificuldades de
linguagem, as digressões ou reflexões” que estariam além da compreensão
infantil. Além disso, “ações ou peripécias de caráter aventuroso ou exemplar”
buscavam atingir o pequeno leitor/ouvinte para “participar das diferentes
experiências que a vida pode proporcionar ao nível do real ou do
maravilhoso”. Assim, um texto paradidático, por anos, foi pensado, escrito
e utilizado como se literatura fosse. Em seu âmago, ensinamentos, lições
morais, exemplares, especialmente no trato com o outro: o colega, a família, a
professora, os mais velhos, os que merecem respeito e admiração.
O
exemplo inicial: um conto de João Simões Lopes Neto.
Na IV Parte do Livro
“Artinha de Leitura” de JSLN, às páginas 50 até a 60 há a escrita de quatro
contos morais. Dois deles abordam a teimosia e a curiosidade e os outros dois,
pecados capitais (a gula e a preguiça). Em toda a cartilha composta por 83
páginas, essas dez são as únicas que trazem narrativas. Ilustradas com
figurinhas que apresentam cenas com início, meio e fim, não há nenhuma
inscrição original ou do autor sobre elas. Os textos que as acompanham–
pequenas historietas criadas por Lopes Neto – aparentemente foram escritos a partir
da colagem das figuras em um caderno, base material de seu livro, e não há indicação
de onde foram retiradas. A primeira das historietas é sobre a teimosia e o
personagem central é um menino – Juca – que é “levado da carépa”. Para quem não
sabe, carepa é uma espécie de caspa, ranhuras da madeira, pó sobre frutas secas
ou mesmo penugem de alguns frutos (Houaiss, 2004). Mantida com a grafia
encontrada no original, podemos perceber o uso da linguagem de um século atrás.
Referências:
MENEZES, Ebenezer;
SANTOS, Thais. Verbete Paradidáticos. Dicionário Interativo da
Educação Brasileira. São Paulo: Midiamix, 2001. Disponível em: http://www.educabrasil.com.br/paradidaticos
PACO, Gláucia. O encanto da literatura
infantil no CEMEI Carmem Montes. TCC/Lato Senso. SP/Mesquita,2009.
RANGEL, Egon. Paradidáticos. Glossário CEALE. Belo Horizonte: UFMG/CEALE, 2014.
ROSA, Cristina. Pecados Capitais em JSLN. Disponível em: http://crisalfabetoaparte.blogspot.com.br/2008/11/pecados-capitais-em-jsln.html
Um comentário:
Gostei bastante da pastagem. Bem pertinente.
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