Sobre a Leitura, uma entrevista
Cristina Maria Rosa
A partir de uma pesquisa realizada em Pelotas em março de 2022, cujo tema era a leitura e os leitores, o Diário Popular, através do Jornalista Leon Sanguiné, enviou a mim um e-mail. Nele, um convite a pensar sobre a leitura em Pelotas. Mas, junto da mensagem, uma acurado estudo sobre a leitura e o perfil de leitores em Pelotas.
Após ler suas palavras, decidi escrever a s repostas. Conheça abaixo, na íntegra, o que respondi ao Leon, a quem agradeço a oportunidade de pensar.
O e-mail recebido:
Olá, professora!
Segue o relatório e
as perguntas. A senhora pode também acrescentar o que achar importante para
além delas. Obrigado!
1. O que é possível
tirar de positivo e de preocupante dentro dos dados apresentados?
2. Quais os
principais caminhos para a formação de público leitor em Pelotas?
3. De que forma
esses caminhos foram se alterando com o passar do tempo? Qual a importância da
tecnologia nessa formação de público leitor?
As perguntas e as repostas
DP: O que é possível tirar de positivo dos dados apresentados?
Cristina Maria Rosa: De positivo, primeiro, a pesquisa ter sido feita, com certeza. Tema
sempre mencionado como sinônimo de cultura (de uma pessoa, de uma família, de um
povo), a leitura nem sempre é uma prática onde deveria: em casa, na
escola, na universidade, no trabalho; ou seja: em todos os lugares. Embora deva
ser cultivada, há um lugar em que a leitura tem protagonismo, ou deveria ter:
na escola e desde os primeiros anos de vida. É nela que se aprende o valor da
leitura e as diferenciadas formas e funções da leitura. É na escola que se
aprende a gostar de ler, caso não se adquira esse prazer em casa. É da escola
que se sai apaixonado por escritores, obras, enredos, personagens. É na
escola que adquire-se o valor da leitura para toda a vida e suas nuances no
cotidiano das pessoas.
Um dado interessante
da pesquisa foi a revelação de que a leitura, na
zona rural de Pelotas, também é bastante cultivada. Isso se deve, penso, a
comunidades em que a cultura escrita é importante. Ó o caso de comunidades
religiosas e/ou oriundas de culturas letradas. Na Universidade, algumas
pesquisas revelam que pomeranos, franceses, alemães e italianos trouxeram mais
que ferramentas de trabalho quando aportaram aqui.
Em segundo lugar no gráfico, a leitura
que é feita por pessoas que vivem na zona rural rompe com a ideia de que a
leitura ocorre principalmente na cidade e, considerando que a população é bem
menor, podemos imaginar que mais pessoas leem no interior. Comparando os dados,
essa informação fica explícita:
Zona
rural |
Urbana |
22.082
mil habitantes |
306.193
mil |
59,3%
leem |
68,1%
leem |
Outro dado
interessante é oferecido quando os respondentes indicam as motivações para a
leitura: 46,8% indicaram ler para conhecer, aprender, ter crescimento pessoal,
atualizarem-se profissionalmente. São pessoas que reconhecem o valor da leitura
em suas vidas no sentido pragmático e é inegável que este é um valor.
Para 44,3%, uma
quantidade quase igual à anterior, ler e voltar a ler foi indicado como entretenimento
e prazer. É um grupo de leitores que migra de leitura (tipo de livro, gênero,
editora) desde que convidado a conhecer autores novos, temas instigantes,
sagas, séries. Esse leitor parece ter mais tempo livre ou prioriza tempo para o
seu prazer.
Embora eu pudesse
dizer que ainda poucas pessoas leem, vou me ater ao dado que considero preocupante: o grande grupo
de pessoas (57,3%) que lê entre um e
quatro livros por ano. Por que é
preocupante? Um a quatro livros/ano indica descaso com este modo de
atualizar-se, conhecer, aprimorar saberes e, de mesmo modo, um a quatro livros
lidos é muito pouco para afirmar que tenho um hábito, um gosto, uma predileção.
DP: Quais os principais caminhos para a formação de público leitor em Pelotas?
Cristina Maria Rosa: O “caminho” para a formação de leitores não é árduo, pelo contrário. Se iniciados no tempo certo – a infância – muitos podem vir a se tornar leitores.
O caminho mais seguro,
minhas pesquisas indicam, é a alfabetização literária, um processo de
apresentação do livro e de seu valor ao bebê, ainda no colo dos seus familiares
ou na escola infantil. Esse momento inicial é complementado pelo aprofundamento
do contato com o livro que ocorre quando há leituras dos adultos (pais e
professores) para e com as crianças.
Além disso, o uso
constante e qualificado da biblioteca escolar e a participação em eventos na
cidade como ir a sebos e livrarias, fazer passeios orientados à Feira do Livro,
frequentar a Biblioteca Pública Pelotense e fruir de Saraus de Poesia e Leitura
Literária são complementos na formação do leitor. São esses eventos que indicam
ao novo leitor que ela tem valor, é cultivada na cidade, pode ser encontrada
para além da escola.
A leitura de jornais –
cotidiana ou mesmo apenas nos finais de semana – também é uma prática
importante para a formação do leitor que observa, nas páginas – impressas ou de
modo on-line – a crônica da cidade, seus acontecimentos e opiniões. É um modo
de cultivar o gosto por participar da vida da Cidade, do Estado, do País. Ser
um cidadão atuante significa saber o que ocorre, ter opinião, analisar
conflitos e se posicionar. A leitura de jornais é a maneira mais organizada que
encontramos, como sociedade, para adquirir fluência política, especialmente por
ser uma leitura atualizada e diária.
DP: De que forma esses caminhos foram se alterando com o passar do tempo? Qual a importância da tecnologia nessa formação de público leitor?
Cristina Maria Rosa: Sim, é verdade. Com o passar do tempo e com o advento das redes de comunicação que surgiram a partir do desenvolvimento rápido e profundo da tecnologia representada por computadores pessoais e celulares, mas, fundamentalmente, por produtores de conteúdo (blogueiros, jornalistas, youtubers e intelectuais) e redes de compartilhamento (Face book, WhatsApp, Instagran, entre outras) esses caminhos foram se alterando.
Penso que foram se complexificando, ou seja, aos caminhos anteriormente
aqui descritos – colo dos familiares, escola, eventos na cidade – foram sendo
acrescidas “camadas de valor” ao livro e à leitura. Essas “camadas de valor”
não retiraram do livro seu protagonismo. Penso que inserirem nas práticas de
leitura mais leitores e diferentes leitores.
Os leitores tradicionais – aqueles que cultuam o livro e a prática
prazerosa de ler sempre, não desapareceram. Em suas casas, os novos membros da
família são convidados a partilhar estes hábitos e raros são os que não
usufruem desses modos de viver. É comum, inclusive, famílias perguntarem a
respeito da biblioteca da escola antes de matricularem seus filhos.
No entanto, uma camada significativa da população acessou a leitura de
modo “on-line”, o que significa, quase que rigorosamente, no momento em que o
“fato” está acontecendo. Mas, esse leitor, capturado pela novidade – da fofoca,
da política, da vida de celebridades – passou a querer mais e, editoras e
jornais se estruturaram para oferecer mais.
Hoje há muita leitura disponível nas redes e, se soubermos escolher –
para isso é necessário termos critérios – encontraremos entretenimento,
informações, opiniões, prosa e poesia.
Cristina Maria Rosa é Pedagoga, Doutora em Educação e Docente Titular na Licenciatura em Pedagogia da UFPel. Atua, desde 1993 no campo da formação de leitores (crianças, idosos, professores, pais e bibliotecários). Está nas redes nos seguintes links:
@cristina2020rosa
https://soundcloud.com/minutosliterarios
http://saladeleituraericoverissimoufpel.blogspot.com/
https://soundcloud.com/primeiraspaginas
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