sexta-feira, 25 de junho de 2021

Invadam a Biblioteca Escolar!

 


Parte IV – Agradecendo...

Cristina Maria Rosa

Por que devemos ler literatura para as crianças na escola[1]?

Na Universidade, a formação de leitores ocorre em um processo muito parecido com a formação de leitores na sociedade (com crianças, jovens e adultos e até idosos). Todos aprendendo, todos os dias, a gostar mais de ler.

Então, provavelmente o meu modo de agir com relação ao texto literário e com as pessoas que me cercam, é muito parecido. Embora eu use, obviamente, uma linguagem adequada para cada público.

Ao me dirigir a vocês, colegas de profissão e aos demais professores, colegas de exercício profissional, para dizer a vocês que a leitura é fundamental, primordial, é à base do ensino na escola. E, se soubermos encantar as crianças pela leitura, o restante que é necessário ser aprendido na escola fica muito fácil.

Então não lutem contra vocês mesmos. Não briguem contra o exercício profissional de vocês. Urgente: Se qualifiquem. A biblioteca tem livros! Convidem a diretora, convidem todos os professores da escola, invadam a biblioteca e descubram as preciosidades que lá estão!

Se as crianças de vocês, ao final de um ano escolar conseguirem lembrar de nomes de autores, de tramas de textos, de desfechos e enigmas, de ilustradores destes livros, elas estarão no caminho do letramento literário, expressão tão cara à escola no Brasil. A leitura de bons textos interdita o descaso. O envio de bons textos para as casa das crianças indica aos pais que o dinheiro púbbliuco está sendo bem empregado. Não desistam. Insistam!

Uma leitura...

Escolhi, também, para ler para vocês um texto novo. 

Um misto entre ilustração de altíssima qualidade e texto instigante: ou seja, um exemplar moderníssimo do que vem sendo considerada Literatura para crianças no Século XXI no Brasil. O título é O colecionador de Chuvas e seu autor é André Neves.

E escolhi indicar, também, Roupa de Brincar, de Eliando Rocha e Elma, um livro que trata de tema muito caro e profundo: a morte. Por que não falar nela? Por que não nos qualificarmos para sermos os adultos que consolam e sabem indicar aos pequenos o que fazer quando perdemos um ente querido? Por fim, escolhi ler para vocês Por quer, só por querer, inserido no livro “Como uma carta de amor”, de Marina Colasanti.

Agradecer...

Quero afirmar a vocês que me leem, que estamos no mesmo barco. Todos nós, professores brasileiros, estamos juntos; e o meu saber é para nós. Os nossos saberes são nossos, para as nossas crianças.

Esse Brasil que nós queremos, diferente, mais culto, mais inteligente, passa pelas nossas mãos. Não percam essa oportunidade, não abandonem as crianças. Apresentem a elas o que nós temos de melhor e o que nós temos de melhor, é a nossa Literatura na Escola.

Nosso modo de abraçá-las é apresentando a Literatura, por que ela é de altíssima qualidade. Não deixem de aproveitar essa oportunidade. Um ano sem textos literários, é um ano sem textos literários.

Pode ser um ano com textos literários!

Obrigada!


Para conhecer os demais textos, clique em:

http://crisalfabetoaparte.blogspot.com/2021/06/por-que-ler-literatura.html

http://crisalfabetoaparte.blogspot.com/2021/06/lendo-literatura-diante-das-telas.html

http://crisalfabetoaparte.blogspot.com/2021/06/pessoas-nao-podem-ser-substituidas.html




[1] Texto produzido a partir de Conferência realizada a professores da rede pública municipal a convite do Pedagógico SMED. Pelotas, 13 de maio de 2021. Agradeço à Luzia Helena Brandt Martins pela transcrição.

Convite recebido

 


Prezada Cristina Maria Rosa

Sou Maria Cristina Noguerol Catalan,  trabalho na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo como diretora do Centro de Referência em Educação Mario Covas, que tem entre suas atribuições: Preservar e disponibilizar para consulta o Acervo Histórico da Escola Caetano de Campos; orientar a preservação do ensino público do Estado de São Paulo; planejar, coordenar e disponibilizar de acervo técnico institucional da secretaria da Educação do estado de SP  

Além do Programa "Memória Escolar Educação e Patrimônio" lançado em 2014 que tem como um dos objetivos, oferecer apoio técnico e metodológico para o desenvolvimento de projetos de preservação da memória e do  patrimônio histórico das escolas da rede estadual, em 2021 lançamos a serie Memória Escolar através do Centro de Mídias SP,  com o objetivo de promover um espaço de debates e fomento à pesquisa, para conscientizar a  comunidade e os profissionais da educação, sobre a importância da Preservação da Memória e do Patrimônio Histórico, Artístico e Científico Escolar.

Quinzenalmente, os profissionais da educação tem a oportunidade de conhecer o trabalho de especialistas que desenvolveram pesquisas nesta área e que servirão de subsídios para quem queira desenvolver projetos e ações na sua escola para a reconstrução da história institucional.  

Dentro das ações do CRE também temos a serie Clube de Leitura que também vai ao ar quinzenalmente onde os convidados fazem apresentação de um Clube de Leitura que foi planejado e realizado, no período de distanciamento, utilizando plataformas e outros recursos no formato a distância, que poderão ser aplicados e ou incorporados na pratica profissional mesmo após o retorno presencial 

Mas meu contato com você é para convidá-la para fazer parte de um dos programas da Serie Memória Escolar e falar da sua pesquisa sobre a obra "Onde está Meu ABC, de Erico Verissimo".

No Acervo Histórico da Escola Caetano de Campos, que está sob nossa custódia, também temos alguns exemplares e seria um prazer poder conhecer mais de perto este processo de pesquisa que você realizou. 

Os vídeos são gravados no formato remoto ao vivo, às terças feiras, das 14h às 15h30,  pela plataforma Zoom.  

O público principal são os profissionais da educação pelo aplicativo, mas os vídeos também ficam disponíveis ao público geral no canal do Youtube do Centro de Mídias da Secretaria da Educação   

Estávamos pensando em 06 de julho ou agosto, mas se você tiver disponibilidade podemos marcar uma reunião,  on-line,   para conversamos e  passar mais detalhes.    

Segue abaixo alguns links de alguns programas já gravados para você ter uma ideia e o link do nosso Hotsite

Memória Escolar: O Acervo da Escola Caetano de Campos  como Fonte de Pesquisa - https://www.youtube.com/watch?v=KsKR_-Uar9g

Memória Escolar: Vivências e Práticas Docentes em Narrativas Orais- https://www.youtube.com/watch?v=-LrBaPtJnQQ

Memória Escolar: "Preservação de Objetos de Educação em Ciências"  https://www.youtube.com/watch?v=BE4rjsaE9bo

Clube de leitura na Prática: Descobrindo o Mundo.  https://www.youtube.com/watch?v=1HekSfG921k

Clube de Leitura na Prática: Clube do Audiolivro https://www.youtube.com/watch?v=tqJGhApmDyE

Qualquer dúvida estamos à disposição

Att

quarta-feira, 23 de junho de 2021

Pessoas não podem ser substituídas. Livros podem...


Os livros literários: outra linha de argumentação.

Cristina Maria Rosa

 Por que devemos ler literatura para as crianças na escola[1] ?

Quem é que fornece os livros literários para a escola? Podemos responder que é o Estado. É verdade. Quem é que sustenta o Estado? Nós. As crianças que estão na tua sala de aula. Tu, que estás na tua sala de aula. Eu que estou na minha. Esse valor que pagamos em impostos, se transforma em livros, entre outras coisas...

Mas nós estamos aqui tratando de livros. Portanto, os livros que estão nas escolas, são nossos. São livros teus, professora. Não existe diretora que possa impedir o acesso do professor aos livros. Os livros não são da diretora; são também dela. Os livros não podem ficar guardados nas estantes. Por que eles são materiais considerados não permanentes. Ou seja, o Estado Brasileiro já sabe que aquele livro estraga, então, eles são considerados materiais não permanentes. Material que pode vir a ser substituído.

Pessoas não podem ser substituídas. Livros podem...

Os livros são nossos. São das nossas crianças. São dos processos educativos. Os livros são materiais para uso na escola. Não é para enfeitar estantes. Não precisam permanecer intactos. Não devem ficar em caixas. Não devem ficar naquele plástico bem fininho em volta, que alguns chamam de plástico filme.

Os livros foram impressos para serem abertos. Foram enviados à escola, para serem lidos, manipulados. Eventualmente vão estragar? Sim, eventualmente, vão estragar. E é por isso que todos os anos livros novos podem vir a ser adquiridos pela escola, para que eles sejam conhecidos, lidos, folheados, espiados, conversados, trocados, emprestados, entregues, devolvidos, cuidados, usados.

E o fundamental nestes livros, são as palavras. Nem é a capa, muito menos a imagem, embora isso possa contar muito no processo de alfabetização literária, mas o mais importante nos livros são as palavras.

As palavras é que são a base da educação brasileira. Elas que são à base de toda a escola. Sem palavras, sem plurais, sem conjugações, sem leitura, as crianças não vão aprender a qualidade, a preciosidade que é saber se expressar com competência na nossa língua.

Onde elas aprenderão a falar o português que vocês querem que elas falem? Onde elas aprenderão a ler a beleza de tudo que há escrito na nossa língua, se não na escola, na biblioteca da escola? Onde elas aprenderão a ler?

É contigo professora. Não adianta empurrar para a professora do ano anterior; se ela não fez a parte dela, perdeu o tempo ela. Não perca, tu, o teu tempo.

Não resolve dizermos que, “O professor anterior não soube/não fez/não foi capaz.” Isso eu aprendi lá na universidade, embora eu já imaginasse...

Aprendi quando tive a oportunidade, bem jovem, de trabalhar com a alfabetização de crianças nas escolas. Depois, quando eu tive a oportunidade de trabalhar com jovens e adultos em processos de alfabetização, ou seja, pessoas que inclusive, tinham perdido a autoestima por não saber ler e escrever. Com elas eu aprendi que não resolveria jamais, eu dizer que “O estado não providenciou a alfabetização daquelas pessoas”.

Elas estavam ali, na minha frente, eram pessoas reais, e o Estado realmente estava descomprometido com elas. Então, eu tomei para mim. Eu fiz de conta que também era o Estado. Como professora de uma instituição publica, eu sou o Estado. Eu sou uma partezinha dele. E se eu “fizer de conta” que aquelas pessoas não precisam de conhecimento, eu estou fazendo igualzinho ao estado que eu critico, então eu resolvi fazer. E foi assim que eu me tornei a professora que eu sou.

Eu busco fazer todos os dias na minha sala de aula aquilo para o qual eu me formei, eu me qualifiquei. Quando eu aceito o diploma de Pedagoga, quando eu assinei o meu diploma, lá reitoria da Universidade Federal de Santa Maria em 1990, eu estava recebendo uma licença para exercer um poder. O do conhecimento que a Pedagogia me deu. E isso, para mim, foi uma verdade que eu segui durante toda minha vida profissional. E ainda sigo.

Hoje estou aqui, manifestando a vocês o que penso do Diploma que recebi.

Quando assinei, recebi o direito de trabalhar nesse país. E, recebi o dever de trabalhar nesse país e por esse país.

Ao elegermos prefeitos, governadores e presidentes, ao participarmos de uma eleição, estamos legitimando o sistema democrático. Nesses momentos, concordamos com a existência das eleições, com a existência das regras das eleições. Se para prefeito é assim, para diretor da escola também é. Ao votar e mesmo não votando ou votando em branco, declaramos conivência com o sistema eleitoral que está em curso no país. Se não concordamos, temos argumentos para questionar, quem sabe até, modifica-lo. Mas, quando entramos em uma eleição, sabemos que podemos perder. E perder integra a democracia. Essa é a parte do cidadão e, ter ciência disso é ser adulto.

Agora, não dar aula por que eu perdi as eleições, extrapola – no meu entendimento, óbvio – o que significa democracia. E eu não estou falando de greves, estou falando em não entregar o produto do nosso conhecimento.

Para mim, não dar aula, não é não ir à escola. É ir à escola e não trabalhar. É ir à escola e não usar a biblioteca. É ir à escola e não abrir um livro. É ir à escola e ignorar que a maior parte das crianças brasileiras não conhecem o texto literário.

Penso que, se não apresentarmos o texto literário a elas, as crianças, elas nunca conhecerão. E...

Este é o compromisso de um professor: ensinar as crianças a amar a literatura, a se apaixonar por ela.

A pergunta que sempre retorna...

O professor precisa gostar de ler, para ensinar a gostar de ler?

Sim. Eu tenho certeza que sim.

E sei que se tu não gostas de ler, tu podes vir a aprender a gostar.

Essa é a minha tarefa.

É isso que eu faço na Licenciatura em Pedagogia.

Eu ensino a amar os livros e seus conteúdos...

Queres e podes fazer isso na escola?



[1] Texto produzido a partir de Conferência realizada a professores da rede pública municipal a convite do CETEP/SMED. Pelotas, 13 de maio de 2021. Agradeço à Luzia Helena Brandt Martins pela transcrição.

terça-feira, 22 de junho de 2021

Lendo literatura diante das telas...

 


Lendo via telas: argumentos...

Cristina Maria  Rosa

Por que devemos ler literatura para as crianças mesmo de modo remoto?

O argumento central da minha reflexão [1] é que nós, professores, sabedores da distância que existe entre as crianças que nós educamos e os livros, somos os maiores responsáveis por oferecer, apresentar, indicar, selecionar, ler primeiro e ler de novo, em voz alta na sala de aula, os melhores textos literários que a nossa biblioteca possui.

E somos compelidos a estarmos, sempre, em momentos de formação continuada. É elogiável a busca por educação, qualificação, ampliação, aprimoramento e aprofundamento de nossa condição de leitores.

Eu sou uma professora experiente com a leitura de textos literários na escola. Eu me mantenho estudando, lendo literatura e sobre literatura, exercitando a leitura e a alfabetização literária com diferenciados grupos de leitores e é essa condição que as pessoas ao meu redor reconhecem. A condição de estar vinculada com o tema que estudo, me apropriando das novidades da área mas, ao mesmo tempo, não deixando de reconhecer os valores dos textos mais antigos, que já existem nas nossas bibliotecas. Então, o argumento de que nós não temos livros suficientes para oferecer duzentos textos literários por ano, para as crianças que estão nas escolas, não se sustenta mais. Não se sustenta!

Outro dado é que, desde o dia que nós tivemos que migrar para as telas (celulares, tablets e notebooks), nos comunicar de modo remoto e on-line com nossos alunos, descobrimos “um mundo” de textos disponíveis em bancos literários do país, os textos em domínio público. E foi desse modo que muitos de nós, professores, percebemos o conhecimento literário que não tínhamos, que não partilhávamos.

Paralelo a esse movimento de acesso a bancos de textos – diferenciados acervos literários disponíveis em arquivos e com acesso gratuito de modo online – recebemos várias contribuições de pessoas que passaram a ler ou a indicar o que liam, através de programas como lives, podcast, áudios e vídeos. Algumas dessas pessoas, por serem profissionais das mídias, ofereceram programas em canais no Instagran e no Youtube e/ou programas de áudio com dicas literárias. Pesquisadores e estudiosos também disponibilizaram entrevistas, palestras, leituras e artigos com resultados de pesquisas literárias. Hoje, para além dos livros que nós temos em casa, além de impressos que há nas bibliotecas das escolas, nós já somos mais “craques” no uso de todo esse universo que está disponível através de conexões com as pessoas e seus programas.

Então, por que não utilizá-los? Por que não nos apropriarmos desses modos de fazer? O que é diferente em tudo isso? O diferente é aquilo que é lido, o texto que está nas mãos do professor. Isso é o diferente! É esse texto que vai qualificar o nosso aluno. E é esse texto, professora e professor, que vai te qualificar!

Quando nós entregamos para nossos alunos “qualquer coisa”, nós também ganhamos qualquer coisa como retorno. Porque, ao entrar em contato com o texto "qualquer coisa”, eu também perdi a oportunidade de ler um texto bom. Eu não me livrei da tarefa, eu tive que pensar nela. E se eu selecionei um texto "qualquer coisa” para enviar ao meu aluno, eu perdi tempo. Mais que isso: eu enviei para a casa de um aluno um texto, em meu nome, me representando.

Já imaginaste, professora, se a mãe, a tia, a prima, a amiga daquela família é uma professora que gosta de literatura? Se ela é uma bibliotecária? E se elas lerem esse texto e perguntarem à criança: “Qual é o nome da tua professora e em que escola ela trabalha?”

Corremos o risco de a mãe, o pai, a avó, a tia, a amiga daquele aluno descobrir, professora, que tu mandaste para a casa deles um texto "qualquer coisa”, ao invés de mandar literatura. Tempo perdido. Na verdade, tempo desperdiçado. Envie o melhor. Corra riscos professora! Corra riscos professor!

E a morte?

Sim, é muito forte falar sobre a morte com crianças. Mas, se não falarmos, quem falará? Se não falarmos sobre a morte literariamente, quem falará? Se não abordarmos nossas dores, literariamente, quem fará? A quem é reservado tratar das coisas humanas na escola?

Os pais em casa usam todas as ferramentas que possuem para educar seus filhos. Às vezes, professora, eles não têm as ferramentas que tu tens. Às vezes, os pais têm, mas não sabem usar. Tu aprendeste na Faculdade a usar as ferramentas para educar. Isso é o que caracteriza a nossa profissão. Professor é quem estuda para saber mediar. Essa é nossa profissão!

O processo de formação ocorre quando acessamos um banco de informações que está nas licenciaturas, na Universidade, nas bibliotecas e quando as utilizamos nas salas de aula. O intuito é que as crianças recebam o que é importante.

Quem sabe o que é importante? Tu, professora, tu sabes o que é importante, tu sabes o que é necessário para que uma criança, ao final do 1º ano, seja promovida para o 2º ano. Para um grau mais elevado de conhecimentos, inclusive os literários. Essa é nossa profissão. Nós não podemos atribuir estas tarefas a outra pessoa. Não podemos. Essa tarefa é a nossa tarefa. Não existe outra.

Ao enviar, ao selecionar, ao preparar um exercício a partir de um texto que não é literário, eu estou corrompendo a noção de literário. Além disso, estou negando acesso ao literário.

Tu professora, tu sabes o que é um texto literário. Quando tu ouves um texto literário lido por alguém que admiras ou quando acessas um texto literário na Biblioteca Pública Pelotense, na Biblioteca do Colégio Municipal Pelotense, no CETEP, na Feira do Livro, em uma livraria ou em um sebo, os seus próprios livros ou os livros literários que estão na biblioteca da tua escola, tu sabes diferenciar um texto literário de um texto “qualquer coisa”. E eu não estou considerando que um texto “qualquer coisa”, não tenha valor. Tem. Mas não é literário. Tem valor, qualquer texto tem valor, integra nossa cultura escrita. Não estou desprezando outros formatos, eu estou afirmando que o outro formato não pode ser usado no lugar do texto literário.

A pergunta que fiz...

A situação hipotética que criei, da criança que é perguntada pela professora no sexto ano a respeito de seu conhecimento literário retorna aqui como argumento.

Se uma professora licenciada em Letras quiser apresentar à seus alunos, aos onze ou doze anos, os “Grandes Escritores Brasileiros”, aqueles que precisam ser conhecidos na pré-adolescência e na adolescência e obtiver dela a resposta de que só conhece textos em pedaços, publicados nos livros didáticos, como será a formação literária da criança dali por diante? Por onde deverá começar, a professora de literatura, no sexto ano?

Sabemos que os textos literários aos pedaços, publicados na maior parte dos livros didáticos, representam um projeto de inserção das crianças no mundo da literatura, através do conhecimento de gêneros literários. Isto é insuficiente para formar o gosto pela leitura.

Insuficiente!

Nenhuma criança aprende a gostar e se apaixona pela literatura lendo apenas os livros didáticos e respondendo perguntas irrespondíveis sobre esses textos. Perguntas óbvias, cuja resposta não interessa a ninguém. Isso não é literatura! Isso é corromper a literatura e é roubar das crianças o direito de conhecer literatura na escola.



[1] Texto produzido a partir de Conferência realizada a professores da rede pública municipal a convite do CETEP/SMED. Pelotas, 13 de maio de 2021. Agradeço à Luzia Helena Brandt Martins pela transcrição.


Por que ler literatura?

 


Leitura literária na escola: muito prazer!

Cristina Maria Rosa.

 

Por que devemos ler literatura para as crianças na escola[1]?

O primeiro grande motivo para ler literatura, é por que literatura é muito bom! Muitas vezes, nós, adultos, nos afastamos do convívio familiar, abrimos um espaço no nosso tempo que é muito ocupado para ler em silêncio em algum lugarzinho. E isso significa que nós queremos “ficar a sós”, nós e o livro. Esse hábito – ler em silêncio, ler sozinhos, isolados, afastados dos demais – é um habito de leitores que leem frequentemente; de leitores que priorizam o momento como seu, único, um momento de respeito a si e ao livro.

Na escola, quando muito pequenos, as crianças ainda não conhecem esse modo de cultuar, de cultivar, de aproveitar a leitura. Isso significa que elas precisam aprender. Aprender esse prazer, aprender esse afrontamento com o texto literário. E grande parte das crianças que estão nas nossas escolas, infelizmente, ainda não tem bons livros em casa.

Então, a escola – preparada que foi para educar a todos e, por isso, é nomeada “escola pública” – pode e deve ofertar livros às crianças. O sistema público de ensino, que é “para todos”, foi organizada pelo Estado para que todos adquiram, entrem em contato, se acerquem de um grupo de saberes que são do país. Saberes que o país organizou para que as nossas crianças, todas, conheçam um currículo mínimo, um grupo, um rol de informações que nos tornam “brasileiros”.

Pelo saber, pelo conhecimento, pela informação, pelas metodologias, podemos ser usuários competentes da nossa língua. É para isso que foi criada a escola: para universalizar saberes e competências, que são cruciais para que o Brasil permaneça um país. Para que o Brasil permaneça um lugar onde nós nascemos e podemos viver.

Todos os países do mundo se organizam a partir da sua língua, para disseminar saberes sobre si e os demais, na escola. Nós não somos diferentes dos outros países.

Línguas praticadas...

No Brasil, apesar de termos como língua oficial o Português, temos muitas línguas escritas, gesticuladas, faladas: as línguas indígenas, a Língua Brasileira de Sinais, as línguas estrangeiras praticadas por comunidades como as pomeranas, alemãs, italianas, polonesas, russas, judaicas, holandesas, entre outras. Além disso, a Língua Portuguesa e os outros vários modos de falar (dialetos e/ou modos de cada estado da federação), anunciam a variedade e a pluralidade que indiscutivelmente existe.

Na escola, nós temos apenas uma língua a ser ensinada. Em raríssimas exceções, em alguns lugares do Brasil se ensina uma segunda língua na escola. A prioridade, no entanto, é o conhecimento da língua portuguesa. E se nós observamos a infância, as crianças bem pequenas, podemos perceber que o melhor modo de ensinar a nossa língua, a língua portuguesa, é fazendo uso da Literatura.

Essa frase que acabei de formular – a Literatura é o melhor meio para ensinar a língua – é consenso entre vários educadores do país. No entanto, às vezes, é incompreendida. Por quê?

Porque nós, os professores, pela avidez que temos em ensinar as nossas crianças a falar corretamente o português, a escrever corretamente o português, a ler com fluência os textos que os livros didáticos contêm e outros textos que circulam na sociedade e que integram a cultura escrita de um lugar, de uma cidade, de um estado, de um país, nós, professores atropelamos esse momento: do conhecer e fruir a língua escrita que há nos textos literários.

Por desejo de ensinar tudo logo, imediatamente recorremos à leitura de textos mais duros, mais rígidos, mais formais, mais escolares e, muitas vezes, inclusive, interrompemos um processo de aquisição do mais belo que tem em nossa língua, que é a poesia e a narrativa literária.

Então, eu estou convidando vocês, professoras e professores, para pensar sobre isso. Eu sei que nós, sozinhos na nossa sala de aula, não temos o poder de mudar o currículo escolar. Mas eu sei, por experiência própria, que sozinhos na sala de aula, com os nossos alunos, temos o poder de abrir um livro, uma vez por dia. E ler para nossas crianças, por alguns minutos. Isso é suficiente, isso faz a diferença. E, para não ficar só “blablabando”, eu vou abrir o primeiro livro que separei para vocês...

Ele é uma descoberta recente que fiz, se intitula “Nuno e as Coisas Incríveis” e foi escrito pelo André Neves. O André Neves iniciou-se na vida profissional como ilustrador. Nasceu no Recife, hoje mora em Porto Alegre, se declara apaixonado pelo Rio Grande do Sul. E tem, ele diz, o privilegio de poder desenhar tudo o que ele deseja, porque hoje as pessoas o leem, todos os seus livros são bem vindos: no mercado editorial, nas mãos de quem gosta de ler, entre os braços das avós, das mães que leem para seus filhos. E são bem vindos pelas professoras que acessam o escritor.

Nuno e as Coisas Incríveis”, foi lançado em 2016. Não é um livro novo. Mas é novo em minhas mãos e este é um fenômeno interessante: os livros vivem o que nós vivemos quando nos encontramos com o livro! Quando nós o encontramos, para nós ele é novo, ele é recém feito e parece que foi feito para nós. Em “Nuno e as coisas incríveis”, há desenhos incríveis e poucas palavras. Uma frase, ou duas, a cada duas páginas. Um misto de palavras com ilustrações que tornam o livro único.

Ler todos os dias...

Este argumento que eu acabei de lançar – o livro de literatura pode ser lido todos os dias nas escolas – implica em uma consequênmcia que gosto de ressaltar: se lermos um texto literário por dia, as nossas crianças receberão, terão contato, serão apresentadas, conhecerão, ao final de um ano letivo, duzentos textos literários. Ao final de cinco anos de escolaridade, mil textos literários.

Vocês já pensaram nisso?

Imaginem como seria se as crianças, ao entrarem no sexto ano escolar, diante da pergunta da professora de língua portuguesa e Literatura sobre seus conhecimentos literários pudessem responder: “Eu conheço mil textos literários, porque as minhas professoras do primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto ano, leram para mim todos os dias. De cada duzentos dias letivos, destes anos que estive na escola, um texto literário por dia”.

Já imaginaram?

Vocês, professoras e professores, consideram isso impossível? Eu não!



[1] Primeira parte do texto produzido a partir de Conferência realizada a professores da rede pública municipal a convite do CETEP/SMED. Pelotas, 13 de maio de 2021. Agradeço à Luzia Helena Brandt Martins pela transcrição.

terça-feira, 1 de junho de 2021

Ruas Rosas

 

Ruas Rosas: mais um e-book da turma de Literatura da UNAPI UFPel


Apresentação

Cristina Maria Rosa

Ler e escrever. Um ofício, para mim.

Ler e escrever: um prazer sempre cultivado.

Professora que sou de Literatura, ou melhor, alfabetizadora literária desde sempre, busco, constantemente, bons motivos para incentivar, animar, convidar, convencer meus alunos a ler.

Ler mais.

E...

Escrever.

Um dia desses, lendo o jornal com tempo suficiente a ponto de ler todo, me deparei com crônicas – no sempre excelente Almanaque Gaúcho, de Ricardo Chaves – em que nomes de ruas de Porto Alegre se tornaram literatura.

Ora...

Pelotas é repleta de nomes de nobres figuras em ruas, praças, escolas, pensei.

E, logo depois: por que não inventar sobre o inventado? Afinal, para Lavoisier, “nada se cria...”.

Em breve, aqui, Ruas Rosas.

É o resultado - um e-book - feito por quem topou o desafio.