quarta-feira, 23 de junho de 2021

Pessoas não podem ser substituídas. Livros podem...


Os livros literários: outra linha de argumentação.

Cristina Maria Rosa

 Por que devemos ler literatura para as crianças na escola[1] ?

Quem é que fornece os livros literários para a escola? Podemos responder que é o Estado. É verdade. Quem é que sustenta o Estado? Nós. As crianças que estão na tua sala de aula. Tu, que estás na tua sala de aula. Eu que estou na minha. Esse valor que pagamos em impostos, se transforma em livros, entre outras coisas...

Mas nós estamos aqui tratando de livros. Portanto, os livros que estão nas escolas, são nossos. São livros teus, professora. Não existe diretora que possa impedir o acesso do professor aos livros. Os livros não são da diretora; são também dela. Os livros não podem ficar guardados nas estantes. Por que eles são materiais considerados não permanentes. Ou seja, o Estado Brasileiro já sabe que aquele livro estraga, então, eles são considerados materiais não permanentes. Material que pode vir a ser substituído.

Pessoas não podem ser substituídas. Livros podem...

Os livros são nossos. São das nossas crianças. São dos processos educativos. Os livros são materiais para uso na escola. Não é para enfeitar estantes. Não precisam permanecer intactos. Não devem ficar em caixas. Não devem ficar naquele plástico bem fininho em volta, que alguns chamam de plástico filme.

Os livros foram impressos para serem abertos. Foram enviados à escola, para serem lidos, manipulados. Eventualmente vão estragar? Sim, eventualmente, vão estragar. E é por isso que todos os anos livros novos podem vir a ser adquiridos pela escola, para que eles sejam conhecidos, lidos, folheados, espiados, conversados, trocados, emprestados, entregues, devolvidos, cuidados, usados.

E o fundamental nestes livros, são as palavras. Nem é a capa, muito menos a imagem, embora isso possa contar muito no processo de alfabetização literária, mas o mais importante nos livros são as palavras.

As palavras é que são a base da educação brasileira. Elas que são à base de toda a escola. Sem palavras, sem plurais, sem conjugações, sem leitura, as crianças não vão aprender a qualidade, a preciosidade que é saber se expressar com competência na nossa língua.

Onde elas aprenderão a falar o português que vocês querem que elas falem? Onde elas aprenderão a ler a beleza de tudo que há escrito na nossa língua, se não na escola, na biblioteca da escola? Onde elas aprenderão a ler?

É contigo professora. Não adianta empurrar para a professora do ano anterior; se ela não fez a parte dela, perdeu o tempo ela. Não perca, tu, o teu tempo.

Não resolve dizermos que, “O professor anterior não soube/não fez/não foi capaz.” Isso eu aprendi lá na universidade, embora eu já imaginasse...

Aprendi quando tive a oportunidade, bem jovem, de trabalhar com a alfabetização de crianças nas escolas. Depois, quando eu tive a oportunidade de trabalhar com jovens e adultos em processos de alfabetização, ou seja, pessoas que inclusive, tinham perdido a autoestima por não saber ler e escrever. Com elas eu aprendi que não resolveria jamais, eu dizer que “O estado não providenciou a alfabetização daquelas pessoas”.

Elas estavam ali, na minha frente, eram pessoas reais, e o Estado realmente estava descomprometido com elas. Então, eu tomei para mim. Eu fiz de conta que também era o Estado. Como professora de uma instituição publica, eu sou o Estado. Eu sou uma partezinha dele. E se eu “fizer de conta” que aquelas pessoas não precisam de conhecimento, eu estou fazendo igualzinho ao estado que eu critico, então eu resolvi fazer. E foi assim que eu me tornei a professora que eu sou.

Eu busco fazer todos os dias na minha sala de aula aquilo para o qual eu me formei, eu me qualifiquei. Quando eu aceito o diploma de Pedagoga, quando eu assinei o meu diploma, lá reitoria da Universidade Federal de Santa Maria em 1990, eu estava recebendo uma licença para exercer um poder. O do conhecimento que a Pedagogia me deu. E isso, para mim, foi uma verdade que eu segui durante toda minha vida profissional. E ainda sigo.

Hoje estou aqui, manifestando a vocês o que penso do Diploma que recebi.

Quando assinei, recebi o direito de trabalhar nesse país. E, recebi o dever de trabalhar nesse país e por esse país.

Ao elegermos prefeitos, governadores e presidentes, ao participarmos de uma eleição, estamos legitimando o sistema democrático. Nesses momentos, concordamos com a existência das eleições, com a existência das regras das eleições. Se para prefeito é assim, para diretor da escola também é. Ao votar e mesmo não votando ou votando em branco, declaramos conivência com o sistema eleitoral que está em curso no país. Se não concordamos, temos argumentos para questionar, quem sabe até, modifica-lo. Mas, quando entramos em uma eleição, sabemos que podemos perder. E perder integra a democracia. Essa é a parte do cidadão e, ter ciência disso é ser adulto.

Agora, não dar aula por que eu perdi as eleições, extrapola – no meu entendimento, óbvio – o que significa democracia. E eu não estou falando de greves, estou falando em não entregar o produto do nosso conhecimento.

Para mim, não dar aula, não é não ir à escola. É ir à escola e não trabalhar. É ir à escola e não usar a biblioteca. É ir à escola e não abrir um livro. É ir à escola e ignorar que a maior parte das crianças brasileiras não conhecem o texto literário.

Penso que, se não apresentarmos o texto literário a elas, as crianças, elas nunca conhecerão. E...

Este é o compromisso de um professor: ensinar as crianças a amar a literatura, a se apaixonar por ela.

A pergunta que sempre retorna...

O professor precisa gostar de ler, para ensinar a gostar de ler?

Sim. Eu tenho certeza que sim.

E sei que se tu não gostas de ler, tu podes vir a aprender a gostar.

Essa é a minha tarefa.

É isso que eu faço na Licenciatura em Pedagogia.

Eu ensino a amar os livros e seus conteúdos...

Queres e podes fazer isso na escola?



[1] Texto produzido a partir de Conferência realizada a professores da rede pública municipal a convite do CETEP/SMED. Pelotas, 13 de maio de 2021. Agradeço à Luzia Helena Brandt Martins pela transcrição.

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