segunda-feira, 24 de outubro de 2022

A infância passa rapidinho...

 

Ambiente infantil na Cirkula, em PoA.

Infância na Cirkula: livros...

Cristina Maria Rosa

 

Na sexta-feira, dia 21 de outubro, entrei na Cirkula para conhecer o acervo dedicado às crianças. É uma “livraria de calçada”, quase uma raridade no século XXI. Não na insistente Porto Alegre. Na capital dos gaúchos, uma das tradições é frequentar uma boa livraria de calçada. Em alguns casos, nem “de calçada” precisa ser. Conheces um lugar que vende livros em uma das tantas salas de um edifício comercial? A mim contaram de uma que se localiza na Rua Uruguai, ali no Centro. Atulhada de livros, duas ou três grandes janelas pelas quais o sol entra e um senhor, leitor, disponível para diálogos. Nas estantes, Porto Alegre, como um dos temas.

Cirkula

Nunca gostei do nome desta livraria. Tenho preconceito com o uso de letras que não integram nosso abecedário em títulos de livros, nomes de pessoas, denominação de estabelecimentos.

Bobagem minha, mas...

O que interessa, na Cirkula, não é o nome e o que ele denota ou se propõe a indicar.

O que realmente importa é o acervo. E, as relações que os proprietários têm com os visitantes e compradores de livros e como exercem seu papel na famosa e desconhecida “cadeia do livro”. Pois foi um diálogo que escutei lá que me inspirou a escrever o que estás lendo. Conto em outra ocasião.


A rotina

Como trabalho?

Tenho uma rotina que aprendi fazendo e, ao perceber os resultados nesses 27 anos de pesquisa com livros para crianças, organizei como método. Os procedimentos são indicados para acervos aleatórios, nem sempre organizados, como bibliotecas de amigas, livrarias, bancas em feiras e até catálogos de editoras.

O que fazer?

Depende do teu objetivo.

O meu é, sempre, conhecer o acervo em termos de quantidade, variedade e tendência temática. O literário desse acervo é minha maior curiosidade pois, sim, há muitos livro sendo produzidos que se restringem ao projeto de "educar". Me interessa também e muito, ver se há autores brasileiros, mais especialmente do Rio Grande do Sul, entre os títulos expostos.

Minha rotina (método de trabalho) inclui:

ü Ler a capa (o título, em especial) e observar autora/autor;

ü Separar os interessantes;

ü Ao fim de um tempo ou diante de uma pilha de uns trinta ou quarenta, parar;

ü Depois, sentar, ler um por um e separar novamente os mais instigantes entre os lidos, para reler ao final;

Ao fim de cada um desses 30 ou 40 livros lidos parcialmente, volto às estantes e reinicio, até terminar o acervo. Ou o tempo disponível para a pesquisa...

A livraria

Há, na Cirkula, um acervo de aproximadamente mil e quatrocentos títulos infantis. Eu fiz um cálculo a partir da contagem de uma das estantes. Quer saber como faço? Me pergunta que te ensino. A proprietária não sabia me informar, então, foi necessário.

Mil e quatrocentos títulos no setor infantil, em uma livraria não especializada nessa parcela de público, é uma quantidade relevante. Por isso, valeu a pesquisa. É uma amostra bastante impactante para garimpar títulos para uma lista ideal, ou seja, uma lista com "os melhores".

O foco da livraria visitada por mim em outubro de 2022 é a venda de livros, embora ocorra lá eventos em torno de lançamentos e diálogos com autores. A Cirkula também é uma Editora e seus proprietários se aventuram no mundo da escrita além de editarem outros autores. Leitores, ambos conhecem a Universidade, ou seja, os ritos que autorizam a produzir conhecimento. Usufruem disso mantendo um diálogo especializado caso o visitante demostre interesse. São solícitos, bem humorados, tem paixão pelo que fazem. Na Feira do Livro, explicitam sua posição política: integram a “Feira fora da Feira”.

Diário da Visita

Ao entrar – eram 13 horas de uma sexta-feira – ninguém ali ainda havia almoçado. Nem eu. Mas algo me dizia que no café da Cirkula eu encontraria o que comer, caso desejasse. Saída da UFRGS – a Cirkula fica bem pertinho, o que sempre é uma vantagem para quem vende e compra livros, eu buscava uma experiência com um acervo novo.

Encontrei.

Dirigida pela funcionária e tendo como trilha sonora as negociações do proprietário com autores que visitarão Porto Alegre na Feira do Livro, me senti “em casa”. Quase. O acervo é bem mais atual que o meu, embora não seja muito maior em termos de quantidade. E era justamente isso que eu buscava: atualidade.

Meu foco? Dirigido a minha pesquisa de pós-doutoramento, buscava títulos que pudessem ser indicados por mim para Professoras, Pedagogas, Bibliotecárias e Gestoras escolares que desejem abordar os direitos das crianças. Estes títulos que busco devem ter sido publicados a partir de 1990, ano do decreto e sancionamento do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 13 de julho de 1990).

Separei para ler, em diferentes grupos, em torno de 40 a 50 livros.

Na escolha, lia a capa e mais algumas informações como a biografia do autor/autora ou a orelha e a introdução ou, ainda, a última capa. Fiz isso para obter uma quantidade de obras a serem lidas na integralidade. escolher implica descartar e, só pelo título, forma deixados nas estantes três vezes mais ou, em torno de 500 livros.

Em certo momento, recebi a curadoria da proprietária. Conhecedora do acervo, “jogou” no meu colo uma quantidade de outros títulos que estavam em um armário de portas envidraçadas que eu não ousara abrir. Foi um momento ótimo!

Após esta coleta inicial em que 159 títulos do acervo foram manipulados e lidos parcialmente, a primeira triagem teve fim. Logo iniciei a leitura integral destes e uma parcela, ou seja, em torno de 44 livros, se mantiveram firmes, para a próxima seleção. 

O grupo que resultou da segunda leitura em que todos tiveram suas capas e mais algumas páginas fotografadas e inseridas em meu arquivo de imagens, foi formado por 19 livros. Eu queria comprar todos, mas, após ler novamente cada um deles, escolhi três para adquirir. Estes integram a minha "lista dos melhores" e podem ser apresentados a crianças e também a profissionais quando o foco é a defesa de alguns dos direitos que estão no ECA: à vida e à saúde (prescrita no capítulo I), à liberdade, ao respeito e à dignidade (capítulo II) e à convivência familiar e comunitária (III).  


Os três livros escolhidos

Uma família é uma família é uma família, escrito por Sarah O’Leary e ilustrado por Qin Leng, foi traduzido do inglês por Gilda de Aquino em 2017. Foi um dos primeiros que vi, em cima de uma das mesinhas para crianças bem pequenas que há na Cirkula. Lido, resistiu até o fim na pilha dos “separados para segunda leitura” e, ao fim do estudo, veio para casa com os outros dois. Esse livro, recomendo como adequado para abordar o tema do direito à convivência familiar.

O segundo escolhido – Quem sou eu? – foi escrito e ilustrado por Philip Bunting, um inglês que atualmente vive na Austrália. Há, no mercado editorial, muitas publicações que abordam o tema “identidade”. Entre elas, o de Gianni Rodari (jornalista, escritor e poeta italiano especializado em livros de literatura infantil), publicado pela Salamandra em 2005. Pela similitude do tema, quase que fica entre os demais que, após uma ou duas leituras, foram deixados nas estantes da livraria.

Por que adquiriQuem sou eu?”? O inusitado das respostas à pergunta que dá título ao livro, publicado originalmente na Austrália em 2021, me convenceu. E ele é um potente instrumento a ser acionado quando o desejo é abordar o direito à vida e à saúde.

O terceiro escolhido estava fechado em papel filme. Diante dessas situações, sempre tenho o desejo de rasgar, abrir, ler. Penso que se está fechado, ou é muito bom e não pode estragar, ou é descuido da livraria e eu devo abrir. Posso pedir que abram, mas aí, me sinto no dever de comprar. Bobagem minha?

Eu quero um amigo é seu título e afirmo: é simplório. O título, não o conteúdo. Anete Bley – escultora, autora e ilustradora – foi traduzida do alemão para o português por Hedi Gnädinger. Reconheço que a ilustração supera o texto, mas, o texto convence. A presença de personagens incomuns – velhos, gordos, trabalhadores rurais, entre outros – e em situações corriqueiras (acidentados, dorminhocos, preguiçosos, invejosos, fofoqueiros, entre outros), tornou a aquisição necessária.

Eu quero um amigo integrou minha lista como um dos títulos em que o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade pode ser encontrado. Recomendo sua leitura para crianças e adultos. 

Coincidência...

Autores estrangeiros, todos impressos no século XXI e a Editora que os selecionou e imprimiu os torna comuns.

A editora Brinque-Book não está brincando!

Brinque-Book.

Novamente um nome que não me agrada.

Mas... É bobagem minha.

Leia para suas crianças. A infância delas está passando rapidinho!


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