terça-feira, 10 de agosto de 2021

Pesquisa das relações literatura/escola: Graça Paulino.

 

Tributo à Graça Paulino

Cristina Maria Rosa

Para homenagear Graça Paulino e mantê-la perto, lembrada, amada, nós que a conhecemos e partilhamos sua mesa e alegrias, de vez em quando alguma tristeza, reunimos memórias. Dela e sobre ela.

Como tu sabes, em julho, no dia dois, Rildo me enviou uma cartinha. Ele escreveu:

 

Cristina,

Entrei de férias e resolvi fazer uma limpa em velhas pastas de arquivo. Eis que encontrei este texto que Graça escreveu e não sei se publicou em algum lugar. Talvez lhe interesse, talvez você já o tenha. De qualquer maneira, segue. Abraço, Prof. Rildo Cosson. Programa de Pós-Graduação em Letras – UFPB.

 

Emocionada por ter sido lembrada como destinatária e pela delicadeza de Rildo, publico aqui mais uma parte do presente recebido.

 

A situação de Belo Horizonte na pesquisa das relações literatura/escola

Belo Horizonte apresenta também, desde o início dos anos 80, trabalhos voltados para a questão da recepção literária em seu modo escolarizado. Em 1986, Antonieta Cunha defende sua dissertação de Mestrado, Literatura infantil: a procura do leitor, orientada por Magda Soares, no Curso de Pós-Graduação em Educação da UFMG, tendo por objeto a literatura infantil em suas determinações de poder simbólico No final desse mesmo ano de 1986, no bojo de uma reforma curricular da rede estadual de ensino, Ivete Walty e eu, como professoras de Teoria da Literatura da UFMG, no documento oficial da Secretaria de Estado, propusemos a consideração explícita da leitura literária, distinguindo-a de outros tipos de leitura (PAULINO, WALTY et al. 1987). Muitos professores da escola básica recusaram, na época, essa distinção, por estarem habituados, em conduções típicas dos livros didáticos da época, a usar o texto literário como informativo, ou como pretexto para exercícios gramaticais.

Em 1988, um dos números da revista Ensaios de Semiótica, da Faculdade de Letras da UFMG, teve mais de cem páginas dedicadas à literatura infanto-juvenil, com artigos de Francisca Nóbrega, Ana Clark Perez, Elisa Proença Galo, Luiz Cláudio de Oliveira, Nelly Novais Coelho, Rafael Anderson Santos, Marcus Vinicius de Freitas, Ivete Walty e Graça Paulino. Organizaríamos Ivete e eu, em 1992, uma antologia de artigos de professores do Departamento de Semiótica e Teoria da Literatura da UFMG, intitulada Teoria da Literatura na Escola. Nesse mesmo ano, um grupo de quatro professores do mesmo Departamento, com nossa participação, dariam início a uma pesquisa denominada Problemas intertextuais/interlocutórios no ensino de literatura, que resultaria numa publicação com o mesmo título em 1994 (Coelho et al).

Enquanto isso, na Faculdade de Educação, Magda Soares continuava a orientar trabalhos de Mestrado na área de Educação e Linguagem que tinham como objeto a literatura infantil e sua escolarização. Além do de Antonieta Antunes Cunha, Literatura infantil: a procura do leitor, que depois se tornaria livro, destacam-se:

1.    A trama da escola: revólver sob bombons – uma análise da função da escola pela ótica do teatro, de Alaíde  Gonzalez;

2.    A leitura na escola de 1.o Grau: gerando o desprazer do texto?, de  Therezinha Saad Bedran;

3.    Nem sapo, nem príncipe: uma leitura das leituras produzidas por camadas sociais diferentes, de Heliana Brina Brandão;

4.    Práticas e possibilidades da leitura na escola, Santuza Amorim da Silva;

5.    Fora da escola e dentro dela: a literatura na vida de seus leitores, de Rosa Maria Drumond  Costa

 

Uma tese...

São seis dissertações sobre o tema, defendidas entre 1986 e 1998. No final do ano de 2000, é defendida na FAE, também sob orientação de Magda, a primeira tese de Doutorado que trabalha a escolarização da leitura literária, produzida por Aracy Alves Evangelista: Escolarização da literatura entre ensinamento e mediação cultural: formação e atuação de quatro professoras.

São, pois, mais de vinte anos no Brasil de pesquisas acadêmicas sobre circulação e recepção de literatura por alunos –crianças e jovens- e professores. Levando-se em conta que, na década de 80, o tempo dos cursos de mestrado com sua  escrita de dissertações era muito maior que o de hoje, torna-se evidente que a temática ocupou parte significativa no desenvolvimento das reflexões sobre linguagem e escola. Poder-se-ia lembrar que a professora Magda Soares orientou, durante esse tempo, 60 trabalhos, entre dissertações e teses. Mesmo assim, a temática da literatura infantil preenche mais de 10% desse total.

Destaca-se, nessas pesquisas, a abordagem sociológica do processo de produção e recepção da literatura. E, ao se voltarem para questões relativas ao letramento literário como fato social, as dissertações citadas se colocam na linha de frente dos estudos literários, pois exatamente a Sociologia da Literatura é que daria, de certa forma, origem à denominada Estética da Recepção. Regina Zilberman, em seu livro Estética da Recepção e História da Literatura (1996), faz uma breve história da Sociologia da Leitura, desde 1923, com a obra de Schucking, que contesta a crença na arte autônoma, definindo-a pelos grupos sociais de leitores, assim se antecipando aos trabalhos de Hoggart, na Inglaterra, e aos de Escarpit, na França, pioneiros ainda de uma vertente de pesquisas que depois se fortaleceria com Bourdieu, Chartier, Leenhardt, Darnton. A história da leitura literária é analisada em suas relações com a vida social sem deixar de considerar os sujeitos diretamente envolvidos nas experiências, inclusive os leitores pequenos, marginais, anônimos, religiosos, velhos, dentre outros. Evita-se desse modo o determinismo da abordagem sociológica clássica, que, ortodoxamente, se mostrara cega para com as múltiplas possibilidades de interferência dos sujeitos leitores nas estruturações hegemônicas de mundo e de linguagem.

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