quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Graça e os "labirintos das páginas impressas"...

 


Graça: um modo bem particular de ser...

Cristina Maria Rosa

 

O que leu Graça Paulino antes de ingressar na Faculdade de Letras? O que conta desse tempo? Antes de ingressar, com seu repertório de textos, na Faculdade de Letras, o que imaginava?

Por ter dado “início bem cedo à tarefa gratíssima de circular sem medo pelos labirintos das páginas impressas” e “cercada de livros por todos os lados”, o que revela Graça Paulino (2004) em “Minha vida no mundo da escrita”?

No início do texto, Graça Paulino considera:

 

Cada um de nós se inscreve no universo da língua escrita de um modo bem particular, que depende de uma história específica de vida, com suas experiências, medos, projetos, lembranças, paixões, e tudo o mais (PAULINO, 2004, p. 43).

  

O primeiro texto ouvido, declamado pelo padrasto, foram versos de J. G. de Araújo Jorge:

Ouve esses versos que te dou.

Eu os fiz hoje que sinto o coração contente.

Enquanto teu amor for meu somente,

eu farei versos e serei feliz.

 


O primeiro texto lido, quando aprendeu a “ler escrever de verdade”, com Dona Julieta, “no primeiro ano do que na época se chamava curso primário” foi em uma cartilha. Lá, na escola, “esperava penetrar no universo de livros” que em sua casa não existia:

 

Nasci sem biblioteca, e, aos sete anos, imaginava rapidamente aprender a ler e começar a ter acesso aos livros. Engano bobo: os livros seriam mais difíceis do que eu pensava. Apenas grandes cartazes exibiam para nós a história de Lili. Ah, o livro, esse primeiro e preciosíssimo livro... apenas alguns puderam comprá-lo, e eu não estava entre estes. Dona Julieta, uma santa professora, apesar de muito brava, chegava com as fichas de cartolina manuscritas, todos os dias. Eu achava as historinhas da Lili simplesmente o máximo: Olhem para mim. Eu me chamo Lili. Eu comi muito doce. Vocês gostam de doce? Eu gosto tanto de doce! Se íamos à biblioteca, o que acontecia muito raramente, uma velha e casmurra professora lia para nós em voz alta os preciosos textos, em livros - preciosíssimos livros - que não podíamos tocar. Distantes, eu os desejava cada vez mais, enlouquecia de vontade de ter especialmente um deles, que contava coisas extraordinárias: As mais belas histórias, de Lúcia Casassanta. Era uma antologia de contos infantis do mundo inteiro, narrados com leveza, rapidez e técnica narrativa quase impecável. A biblioteca tinha esse livro, Dona Julieta tinha esse livro, dois colegas ricos tinham esse livro. Mais ninguém. Deviam ser mesmo muito caros os livros em 1955. Assim, virgem de livros, passei os dois primeiros anos da escola. Aqueles dois colegas ricos, muito ricos, milionários, pois éramos todos muito pobres, compraram, no segundo ano, um livro de Ciências e outro de Geografia (PAULINO, 2004, p.50).

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