quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Eu me orgulhava muito do bordado a lápis...

Uma leitora chamada Graça...

Cristina Maria Rosa

 

Inspirada na leitura de “MINHA VIDA NO MUNDO DA ESCRITA”, de Graça Paulino, texto que integra um livreto organizado por Hilda Lontra na UNB, em 2004, decidi organizar alguns excertos para indicar como Graça observou – e registrou – sua inscrição “no universo da língua escrita”. O texto chegou a minhas mãos pela generosidade de Micheline que, hoje, trabalha como professora universitária em Goiás. Agradecida, amiga!

De um “modo bem particular” e com suas “experiências, medos, projetos, lembranças, paixões, e tudo o mais”, Graça nomeou cada um dos passos que a fizeram migrar de um mundo de matutos para a cidade, construída de jornais, revistas, livros, folhetos, cartazes, placas, cartas, bulas, receitas, rótulos, anúncios.

Exemplo

Considerando-se “melhor exemplo das estranhezas que das experiências comuns”, Graça revela em palavras imperdíveis, sua “história pessoal de leitora”. Leia:


# Nasci numa família de camponeses e operários analfabetos, que migrou do interior de Minas para a capital, Belo Horizonte, em 1949;


# Na roça, só o rádio garantia algumas notícias do mundo;


# Quando eu tinha quatro anos, minha mãe me arranjou o padrasto ideal: além de ser bonito e doce, o Quim tinha estudado até o quarto ano de grupo. Sua letra era linda, e ainda gostava também de desenhar. Lembro-me tão bem como se fosse hoje: uma vez pedi a ele que lesse para mim o que escrevera numa foto sua que minha mãe guardava. Ele leu;


# Na cidade grande, viver sem saber ler era muito mais difícil;


# Quando entrei na escola, aos sete anos, carregava uma responsabilidade enorme, que era a de introduzir oficialmente meu grupo de parentesco no mundo letrado;


# Confesso que, quando cheguei à escola pela primeira vez, já sabia desenhar meu nome completo. Ensinara-me isso minha madrinha, que tinha trabalhado como professora de escola rural, onde deve ter sido essa a sua função;


# Eu me orgulhava muito do bordado a lápis, embora não fizesse sentido algum;


# Queria era saber ler e escrever de verdade, o que me ensinou Dona Julieta, no primeiro ano do que na época se chamava curso primário;


# Minha mãe foi quem se empenhou no meu sucesso no mundo da escrita de modo mais insistente: queria que eu tivesse todas as condições favoráveis para participar desse mundo novo, no qual ela mesma nem assumia tentar entrar;


Hoje, doutora em Letras, sinto como se fosse em boa parte de minha mãe o título.

 

ü 

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