segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Pequeno Glossário: Literatura


Literatura: ser o que se é...
Cristina Maria Rosa


A literatura é uma arte.
Para quem escreve e para quem frui.
A literatura é um fenômeno da criatividade, para Nelly Novaes Coelho (1991).
É um direito ainda não escrito, para Bartolomeu Campos de Queirós.
É a Literatura que nos faz humanos e só a ficção nos salva, disse Tzvetan Todorov (2013) em entrevista a Bruno Garcia (2013).
A literatura integra a cultura escrita, uma de nossas maiores conquistas antropológicas, escreveu ROSA (2017).
A literatura é uma experiência estética, cujo resultado seu criador quer fazer único e inconfundível, com marcas que ele gostaria que fossem percebidas pelo leitor como pegadas no caminho da leitura, de acordo com Maria Antonieta Antunes Cunha (2014).
A literatura pressupõe assumir que a linguagem é uma “faculdade cognitiva exclusiva da espécie humana que permite a cada indivíduo representar e expressar simbolicamente sua experiência de vida” (BAGNO, 2014, p. 192).
A literatura é uma das formas de produzir sentido e pode ser conceituada como “um fenômeno social, uma forma de ação e de interação social”. Assim, “produzir um texto significa dizer algo a alguém, por algum motivo, de algum modo, em determinada situação” (FIAD & VAL, 2014, p. 264).
A literatura exige um “leitor proficiente”, aquele que não só “decodifica as palavras que compõem o texto escrito”, mas, também, “constrói sentidos de acordo com as condições de funcionamento do gênero em foco”. Para tal, mobiliza “um conjunto de saberes sobre a língua”, representado por “outros textos, o gênero textual, o assunto focalizado, o autor do texto, o suporte e os modos de leitura”, de acordo com Da Mata (2014, p. 165).
A literatura e sua fruição demandam um experiente da espécie que, ao exercer o ofício de mediador, “crie as condições para fazer com que seja possível que um livro e um leitor se encontrem”, em “rituais, momentos e atmosferas propícias” (REYES, 2014, p.213).
A leitura de literatura oportuniza o contato com o texto literário que, apesar do tempo e do mediador, mantém-se inalterado, com o léxico, a estrutura textual e as escolhas poéticas, filosóficas, éticas – todas – do autor. Neste caso, é preservada a experiência estética com o texto produzido, única para cada sujeito leitor ou ouvinte, para Cristina Maria Rosa (2017)
A literatura é uma experiência estética literária como a soma da percepção/apreensão inicial de uma criação literária e das muitas reações (emocionais, intelectuais ou outras) que esta suscita (...) para Maria Antonieta Antunes Cunha (2014).
A leitura de literatura é um “modo muito singular de construir sentidos”. Oportuniza uma “intensidade” de interação com “a palavra que é só palavra” e uma experiência “libertária de ser e viver”, de acordo com Rildo Cosson (2014, p. 185).
A escrita literária tem três características fundamentais: “ela é coisa na/da linguagem, aquilo que na/da linguagem não é discurso, mas silêncio”, a escrita ou a leitura de um texto literário “é uma actividade que rompe (no sentido violento) o laço social” e, esta ruptura “tem um alcance e um valor sexuais”, de acordo com Cristina Álvares (2004, p. 1).
A leitura de literatura é uma  experiência rigorosamente pessoal para o leitor quanto a criação é para seu autor Maria Antonieta Antunes Cunha (2014).
 “Prática cultural de natureza artística”, para Paulino (2014, p. 177), a leitura do texto literário se diferencia por oportunizar contato com “outros mundos, em que nascem seres diversos, com suas ações, pensamentos, emoções”.

Nas palavras de Todorov (2013): “A importância da Literatura não é o método ou teoria coma qual a estudamos, mas é a própria Literatura. Porque ela fala de nós mesmos, da condição humana, da nossa sociedade. Ela nos permite compreender melhor o mundo. Quando lemos um livro, está lá o que é mais importante”. 

Ler...
Ler é diferente de contar.
Não é mais, nem menos. É diferente. Na escola, a criança – aprendiz da espécie humana que através da fala e pela escrita aprende a organizar o pensamento – acessa, com a audição de histórias lidas, contatos e aprimoramentos das relações com a cultura escrita, uma de nossas maiores conquistas antropológicas. Ler para os pequenos desde tenra infância, então, é inseri-los no que de melhor produzimos como “sapiens”: a escrita autoral ou, um modo particular de ver/sentir/narrar o mundo e, um bom mediador, dá nome a quem de direito: ao autor, a autoria; ao mediador, os sentimentos todos que encontrou ali e quer perpetuar, divulgar, evidenciar.
 No texto Experiência e Pobreza, o filósofo Walter Benjamin (1933), disserta sobre a perda da capacidade de contar histórias – e de, com elas, dar ensinamentos morais através do intercâmbio de experiências –, ocasionada pela dissolução dos vínculos familiares e pelo empobrecimento de experiências comunicáveis da população.

Para concluir...
Gustavo Bernardo elaborou o seu “conceito de literatura” e o publicou, com outros pesquisadores, na obra Introdução aos termos literários, organizada por José Luis JOBIM e publicada pela Editora 34 em 2002. Leia:

"A ficção, a literatura, fazem mais do que ampliar as nossas perspectivas, ao mapearem a realidade, anunciando territórios inexplorados e desconhecidos; a ficção e a literatura nos permitem viver o que de outro modo talvez não fosse possível, ou seja, nos permitem ser outros (os personagens) e adquirir, ainda que momentaneamente, a perspectiva destes outros – para, adiante, termos uma chance de cumprir o primado categórico de todas as éticas, de tão difícil realização: ser o que se é".

Nota: A entrevista de Todorov pode ser encontrada em: http://www.academia.edu/8584274/Entrevista_com_Tzvetan_Todorov

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Pequeno Glossário: Leitura

Pequeno Glossário: Leitura
Cristina Maria Rosa

Resumo: A leitura é um fenômeno que ocorre em quatro dimensões: anterior à decodificação do sistema de escrita alfabético, concomitante a sua aprendizagem e posterior a suas descobertas. É ainda, um fenômeno de dimensão imensurável, inimaginável e magnífico, especialmente pela sua capacidade inventiva.

Leitura: um fenômeno em quatro dimensões
Entendo a leitura como um fenômeno que extrapola os sujeitos em relação (leitor e texto). Por isso a descrevo como não restrita ao ato de decodificar letras, sílabas e construções frasais utilizados em gêneros textuais dos mais diversos tipos e a conceituo como não circunscrita ao ato de relacionar sons e sinais gráficos inventados historicamente pela humanidade, capazes de produzir compreensão, interpretação, conotação ou suposição de intenções.
Penso que a leitura antecede a primeira relação preconizada na escola – compreender o sistema alfabético, suas regras e manifestações. E, por isso, é um fenômeno e não apenas uma habilidade.
E argumento: ao nascer em uma sociedade leitora, cada humano recebe, desta e como herança cultural a ser apreendida – incorporada, cultuada, rejeitada, acentuada, ampliada ou simplesmente ignorada –, um rol de saberes sobre o que é, qual a importância, valor e função da escrita e como é possível conhecê-la e utilizá-la. Assim, pode ser entendida como um fenômeno cultural que ocorre no tempo – na história de cada de leitor – e no espaço, geográfico, mas também social, para o qual concorrem muitos elementos.
As quatro dimensões
A leitura é um fenômeno que ocorre em quatro dimensões: anterior, concomitante e posterior ao ato de decodificar e que produz a quarta dimensão, a inventiva. Produzida pelo sentido profundo do ler o escrito, a dimensão inventiva é mais difícil de ser observada, mas oferece indícios quando das comunicações orais ou escritas (discursos, uso do léxico, composições e elucubrações) por seus usuários.
1. A leitura é um fenômeno anterior à compreensão do sistema de escrita alfabético justamente pelos saberes que circulam acerca do valor social da leitura. Assim, é possível afirmar que é uma faculdade a ser adquirida. E é uma capacidade que ocorre processualmente, por toda a vida que antecede o conhecimento de letras e suas combinações. Posso afirmar que esses saberes prévios antecipam, aprimorando ou prejudicando a compreensão do sistema alfabético.
2. A leitura é um fenômeno concomitante à compreensão do sistema de escrita alfabético exatamente por que, enquanto se lê é que ocorre a compreensão da escrita em si, seu valor gramatical, gráfico, correspondente, representativo, posicional e conceitual. Conhecer e compreender o sistema de escrita alfabética é condição para a leitura, mas não se restringe a ela.
3. A leitura é um fenômeno posterior, pelo poder que possui de reverberar sentidos e significados na vida do leitor. E é um fenômeno que produz uma dimensão imensurável – a inventiva – quando do contato com a escrita literária, uma vez que esta agrega ao produto da escrita convencional, o valor da arte do escrito. Para Arthur Schopenhauer, “a experiência pessoal é a condição indispensável, necessária para a compreensão tanto da poesia quanto da história, pois é, por assim dizer, o dicionário da língua falada por ambas” (Metafísica do Belo. UNESP, 2003, p. 205).

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Anna Claudia Ramos e a Lagoa dos Patos

Pontal da Barra. Lagoa dos Patos. Pelotas, RS
Anna Claudia na Lagoa
Revelo como foi conhecer Anna Claudia Ramos, escritora e quase amiga, agora. E relato como partilhamos momentos de estudo e de alegria., visitando a Lagoa dos Patos e não encontrando nenhum pato, tomando café sem açúcar e falando dos filhos que nos legaram contos.
Foi mais ou menos assim:
Em novembro e durante a Feira do Livro, mais precisamente no dia 04, tive o privilégio de conhecer a escritora Anna Claudia Ramos. Autora de muitas obras para gentes de todos os tamanhos e dona de um site muuuuiiiito bacana: http://annaclaudiaramos.com.br/.
A Livraria Vanguarda, que havia organizado o evento “Ler é transformar”, um diálogo sobre a arte de escrever e ler literatura com os escritores Anna Claudia Ramos e Luís Dill durante a Feira do Livro, me convidou para mediar o “papo” com o público. Imediatamente, fiz um inventário do que tinha lido dos dois e tratei de saber mais sobre cada um deles. Passei na Livraria e, diante de alguns livros separados pela Beti, me preparei para conversar...
O dia 04/11 chegou...
Eu, Cristina, ali na Biblioteca Pública Pelotense, entre dois escritores que admiro, com a responsabilidade de ser ponte entre eles, seus livros lidos por mim, meus alunos e demais convidados.
E foi uma festa literária o papo com todos ali presentes!
Dill, já conhecido de outas aventuras vividas, estávamos à vontade e nosso tom de voz e conexão indicou que ainda temos muito a viver literariamente. Que bom!
Anna Claudia, eu conheceria ali. Nossa: que pessoa agradável. Simples, bronzeada, carioca, ciclista, remadora, mãe de duas incríveis pessoas, filha de mãe e pai amorosos... Quantas qualidades. E papo reto. Português claro, como digo. Gostei.
O que li dela?
Sim, é isso que mais interessa.
Para me preparar para o diálogo, fui presenteada pela Vanguarda com os livros: A gente pode... A gente não pode, que eu já conhecia, pois tenho a coleção completa e mais os seguintes: Aquilo que ninguém vê,  Lendas urbanas: a loura do banheiro e outras histórias, Nos bastidores do imaginário: criação e literatura infantil e juvenil, Petra do Coração de pedra e Quatro histórias de desejos. A seguir, faço um pequeno release de cada um, para te convidar a ler também...

1.                 A gente pode... A gente não pode, de Anna Claudia Ramos e Ana Raquel. Resultado de uma pesquisa com crianças nas escolas, Ana apresenta respostas inusitadas a questões cotidianas sobre o que cada um pode fazer com a idade que tem. Integra uma coleção, pois crianças de muitas idades responderam. Imperdível!
2.                  Aquilo que ninguém vê, de Andrea Taubman e Anna Claudia Ramos. Narrativa longa (120 páginas) é para pessoas corajosas e destemidas. Revela “uma dura saga familiar” iniciada com a vinda de Sange, uma mulher “trazida para o Brasil como escrava”, passando por Anália Franco, a mulher que revolucionou a educação no Brasil quando “a cor da pele ditava quem era cidadão ou não”. É uma emocionante narrativa sobre a “vida de mulheres corajosas” e, ao mesmo tempo, sobre nosso berço ou “a história de todos os brasileiros”. Emocionante!
3.                 Lendas urbanas: a loura do banheiro e outras histórias. Com imagens de Guto Lins, Lendas Urbanas reúne quatro narrativas “contadas com sabor de mistério” em vários cantos do país. É assim mesmo que nascem e se disseminam as lendas, de boca em boca, oralmente, ao “sabor de quem conta um conto”, aumenta ou inventa um ponto. Entre elas, Maria Degolada, que, diz a lenda, ocorreu “de verdade” por volta de 1899, aqui no Rio Grande do Sul. Leia todas, são de arrepiar!
4.                 Nos bastidores do imaginário: criação e literatura infantil e juvenil. Fruto da Dissertação de Mestrado da autora, o livro possui 222 páginas, um sumário riquíssimo além de preciosidades. Como essa:
Mar e literatura. Ambos misteriosos, silenciosos, mas ao mesmo tempo, capazes de suscitar sentimentos dos mais variados, desde uma visão de liberdade interior até um inquietamento que muitas vezes não sabemos identificar de imediato, mas que nos traz um renascer, como se abríssemos dentro de nós novos possíveis horizontes. (RAMOS, 2006, p. 131).

5.                 Petra do Coração de pedra. Com mapa desenhado a mão, como os que fazíamos quando ainda nem imaginaríamos que o GPS nos conectaria, Petra é “um dos mais libertadores textos para leitores de qualquer idade” que Anna escreveu, de acordo com Susanna Florissi. Especialmente daquela idade “em que começamos a nos indagar mais profundamente e a questionar as opiniões” de outros a nosso respeito. Esse livro em formato original (19 X 19 cm) e 140 páginas, parece uma saga. Como a de Harry Potter. Mas, confesso, ainda não terminei. Quando o fizer, opino...
6.                 Quatro histórias de desejos. Livro que “nasceu de um bate-papo”, trata de jovens que não querem “ficar” ou “perder” a virgindade só porque já cresceram. Eu li um dos contos, O que é isso, menina? Tá doida?, para um grupo de mulheres no salão de beleza. E confesso: impressionei-me com a reação delas: aplaudiram o conto, as atitudes do protagonista e, por consequência, a Anna Claudia Ramos. Colorido, com quatro contos leves e divertidos, dá conta do recado. A linguagem é para adolescentes, mas, que delícia!
Ela, a Anna, prometeu que volta. Na próxima Feira do Livro. Não perco por nada!

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Dill no Museu do Doce: uma tarde encantadora!

No domingo, dia 04 de novembro, em mais uma Feira do Livro, o escritor Luís Dill esteve em Pelotas. A convite do GELL – Grupo de estudos em Leitura literária – o jornalista e escritor veio para conversar com leitores, visitar escolas, lançar livros e divulgar a Casa 29, sua Editora. Os dois recentes livros por ela editados são: "Guri do Cimento" e “Minha camisa amarela de flanela”, que estavam disponíveis no local.
Escrito em versos livres, “Minha camisa amarela de flanela”, é uma divertida “narrativa com rima” que apresenta memórias de parte da infância do autor. As preferências, as teimas, as brincadeiras e um amor extremado por um objeto que deixou saudade, une a infância de todos e de qualquer um, com humor e um pouco de melancolia.
"Guri do Cimento", por sua vez, é um genial produto da observação apurada de Dill sobre os meninos que circulam em abandono pelos espaços urbanos de nossa capital. Os adultos ali presentes, somos todos nós, em algum momento de nossas vidas
A apresentação dos livros se fez acompanhar de “leitura literária" para as crianças presentes, pela Coordenadora do GELL, professora Cristina Rosa. Em homenagem e por amizade ao autor. A Ana, o Tom e o Miguel, adoraram!
Além disso, após o primeiro momento, Dill conversou com as duas professoras que, com suas turmas de sétimos anos escolares, desenvolveram trabalhos literários prévios para recebê-lo: Cristina Pinto de Almeida, do CMP - Colégio Municipal Pelotense e Ellem Rudijane Moraes de Borba, da EMEF Francisco Caruccio.
Acompanhados de sua professora Ellem Rudijane, as  meninas Fernanda Fernandes (15 anos) e Maria Helena Rodrigues (16 anos) que estudam no 7º Ano C da Escola Municipal Francisco Caruccio, ofertaram ao escritor uma lembrança preparada pela turma e cantaram o RAP composto a partir da leitura de Minha Camisa amarela de flanela (Dill, 2018). Conheça aqui a letra do RAP criado pela turma:
.
Minha camisa amarela de flanela
Música inspirada na obra: Minha camisa amarela de flanela, de Luis Dill

Minha camisa amarela de flanela,
Ah! Como eu me lembro da minha camisa amarela.
Tão bela era ela, de mangas compridas
E lindos botões de aquarela!
Hei! How!
Na frente dois bolsos,
Um de cada lado,
E sempre amarelo. Pode crer! Tá ligado!
Quente frio, só ela ia vestir.
E não adiantava minha mãe insistir.
Festa; aula; jogar bola;
Era só com ela que eu queria ir pra escola.
Hei! How! Hei! How!
Ninguém poderia me impedir,
Era só com ela que eu queria dormir
E não faltava alguém pra me dizer:
Esse menino ta maluco!
Háa! Nada a ver!
Hei! How! Hei!
Minha camisa amare de flanela...
Sem aviso: pimba! cresci!
Sério?! Nem percebi.
Quando eu vi até ela eu perdi.
Hei! How! Hei! How!
Minha camisa amarela de flanela...

Exposição no Museu do Doce
Outro presente ao escritor Luis Dill pela sua presença entre nós foi a exposição de Esculturas do Alex Nunes. Além de encantar aos presentes, elas foram uma homenagem do escultor aos professores, pela data comemorada em outubro.


Serviço:
Evento: Apresentação da Editora Casa 29, lançamento dos novos livros de Luís Dill e diálogo com o público.
 Onde? Auditório do Museu do Doce
 Quando? Dia 04 de novembro entra as 16 às 18 horas.
 Quem recebeu? GELL- Grupo de Estudos em Leitura Literária da UFPel