O
primeiro narrador verdadeiro é e continua sendo o de contos de fada. Esse conto
sabia dar um bom conselho quando ele era difícil de obter, e era o primeiro a
ajudar em caso de emergência. Essa emergência era a emergência provocada pelo
mito (BENJAMIN, 1994).
A violência
contra mulheres e meninas – representada por maus tratos emocionais ou
violência psicológica – também está presente nas narrativas literárias,
especialmente nos contos clássicos. Neles, também, a morte
se apresenta, por via das dúvidas. Traidora, sua presença é sempre temida – o
mal maior. Mas, enquanto ela não chega, por que não um sofrimentozinho?
O artigo surgiu de um convite a explorar o tema no Seminário Educação em Sexualidade e Gênero, ofertado peka Drª Jane Felçipe aos mestrandos e doutorandos em Educação – PPGEducção da FACED/UFRGS –, o que ocorreu na manhã do dia 10 de outubro de 2014.
O conceito:
Maus tratos emocionais
ou violência psicológica pode ser compreendido como um fenômeno caracterizado por um constante e reiterado desrespeito à
mulheres. Muitas vezes sutil, se manifesta pelo desprezo, desqualificação ou depreciação de gostos, escolhas e competências da ou das mulheres. Integra o fenômeno falas,
comentários ou mesmo argumentações que ridicularizam, desabonam e desacreditam a imagem da mulher ou das mulheres de
forma direta ou indireta, publicamente, na presença e mesmo na ausência da ou das envolvidas. É uma violência que, em parte considerável das vezes, abre portas para outras manifestações e formas de violência como violência
física, moral, patrimonial, sexual). Na elaboração desse "conceito", busquei conhecer pesquisas, artigos e palestras desenvolvidas por pesquisadores na área.
A leitura do relatório final relativo ao Seminário Educação em Sexualidasde e Relações de Gênero na Formação Inicial Docente no Ensino Superior, ocorrido em outubro de 2013 na Fundação Carlos Chagas em São Paulo, foi preponderante para a elaboração do texto. O texto, integral, publicado em 2014 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura está disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0023/002331/233142por.pdf
As obras
Se
observarmos obras como Chapeuzinho Vermelho, Pele de Asno, Barba Azul,
Cinderela, A Bela e a Fera, Branca de Neve, Rapunzel, João e Maria, O Patinho
Feio, A pequena Vendedora de Fósforos e A princesa e a Ervilha, só para
mencionarmos alguns clássicos, perceberemos que, em cada uma delas, há um longo
e programado sofrimento infligido a personagens frágeis, especialmente crianças
e meninas ou mocinhas às vésperas de descobrirem-se mulheres. Nessas obras, a
morte é uma ameaça presente, quase uma promessa.
Arrebatadora,
a morte nos contos maravilhosos
é iminente e não são vicissitudes (fome, doença, terremoto, inundações) que a
apresentam aos personagens. Não. Quem apresenta a morte aos pequenos, às
meninas, às mocinhas, são mães, pais, madrastas, madrinhas, irmãs, vizinhas...
Em
uma obra interessante – interface entre a psicanálise e a literatura –
intitulada Fadas no Divã, Diana e
Mário Corso (2006) avaliaram o impacto que parte significativa dos contos
clássicos produziram e produzem em nossa psique,
em nossa constituição como sujeitos. Ao proporem interpretações sobre
personagens e tramas, lançam mão de conceitos psicanalíticos
para alicerçar hipóteses e, através de metáforas como “Expulsos do paraíso”, “Um
lobo no caminho”, “A mãe possessiva”, “O despertar de uma mulher”, “O pai
incestuoso”, “A mãe, a madrasta, a madrinha”, “Histórias de amor I: quem ama o
feio, bonito lhe parece” e “Histórias de Amor III: Finais infelizes”, entre
outras, o casal de autores realiza agrupamentos de narrativas nas quais esses
fenômenos aparecem.
O que
se pode depreender, a partir da contribuição do casal Corso, é que há, nas
narrativas, intensa presença de atitudes que hoje denominamos maus tratos emocionais, abandono e desmando
de adultos sobre os infantes – A menina
dos fósforos, João e Maria e O patinho Feio são exemplos imbatíveis
nesse critério; Ameaça de violência sexual – especialmente em Pele de Asno, mas também em Chapeuzinho Vermelho; Desterro e Violência
(de pai/marido/monstro) em Barba Azul, A Bela e a Fera e Pele de Asno, por exemplo. Observa-se também, que há, em algumas
das narrativas, a presença de “violência benévola”, embora essa expressão não
seja utilizada na obra. Representada pela competição entre mulheres e
explicitada em narrativas como A princesa
e a Ervilha, Barba Azul, Branca de
Neve, Chapeuzinho Vermelho e Cinderela, a violência se localiza na
“moral”, implícita ou explícita, ofertada pelo desfecho. Nas entrelinhas, no
epílogo ou posterior ao fim da narrativa, o leitor compreende que “só uma princesa
merece o amor de alguém”, “a curiosidade mata”, “é perigoso ser bela”, “mulheres
‘fáceis’ é que são abordadas por lobos” e para casar é necessário um rol de
virtudes: ser bela, ter paciência, humildade, delicadeza...
Além
disso, percebe-se a presença de maus tratos quando há punições exemplares como
em Rapunzel, que ousa relacionar-se
sexualmente apesar do isolamento na torre e merece o desterro em um lugar
deserto no qual dá à luz seus filhos. Ao “príncipe” que preteriu a Bruxa, coube
a cegueira e errar pelo mundo como castigo. São punições aos “desvios de
caráter” que tornaram esses contos educativos, moralizantes, exemplares. Neles,
assim como nas fábulas, inveja, soberba, ganância, gula, apetite sexual são
desaconselhados em desfechos mal sucedidos.
E qual
seria a intenção desses contos? De acordo com Darnton (1996), um dos autores estudados
e mencionados pelos psicanalistas, o objetivo das narrativas – e a presença de violência
nelas – não era o de prevenir as
crianças a respeito da desobediência aos pais e nem mesmo de protegê-las do
contato precoce com a sexualidade adulta. Por não serem destinadas
especificamente a crianças, essas narrativas retratavam um mundo de brutalidade
nua e crua e, desse modo, aparentemente, apenas ajudavam os habitantes de
aldeias camponesas a atravessar as longas noites de inverno. Sua matéria? Os perigos
do mundo, a crueldade, a morte, a fome, a violência dos homens e da natureza.
Nas
palavras dos psicanalistas, “os contos populares, pré-modernos, talvez fizessem
pouco mais do que nomear os medos presentes no coração de todos, adultos e
crianças, que se reuniam em volta do fogo enquanto os lobos uivavam lá fora, o
frio recrudescia, a fome era um espectro capaz de ceifar a vida dos mais
frágeis, mês a mês” (KEHL, 2006, p. 16). Walter Benjamin (1994), no entanto,
pensa que os contos eram capazes de “dar um bom conselho quando ele era difícil
de obter” e podem ser considerados como ajuda preciosa “em caso de emergência”.
Complementa: “Essa emergência era a emergência provocada pelo mito (BENJAMIN, 1994,
p. 232,).
Nomear
medos, oferecer ajuda ou mesmo prevenir comportamentos são hipóteses que buscam
responder a presença desses contos ainda hoje entre nós, de seu impacto no
imaginário infantil, mas não só. Ao observar a presença de maus tratos
emocionais e violência “benévola” em narrativas literárias, podemos escolher
se, como e quando ler. Para nós mesmos e para os demais. Para nossas crianças?
Narrativas clássicas
As
narrativas orais – forma milenar de transmissão do conhecimento – são
consideradas “técnicas de transmissão oral” que “apelam ao poder imaginativo
dos pequenos ouvintes” e são capazes de conectá-las ao “elemento maravilhoso” e
“à multiplicidade de sentidos que caracterizam o mito
em todas as culturas e em todas as épocas, formando um “acervo comum de
histórias, através do qual a humanidade reconhece a si mesma (KEHL, 2006, p.
16).
Para
Benjamin (1994, p. 221), “contar história sempre foi a arte de contá-la de
novo” e “quanto mais o ouvinte se esquece de si mesmo, mais profundamente se
grava nele o que é ouvido”. O pesquisador acredita que é assim que “se teceu a
rede em que está guardado o dom narrativo”. Do oral, as histórias migraram para
a forma escrita e, também por isso, produziram sua longevidade em nossa memória
cultural.
Mas, quais são os “nossos”
clássicos?
Quais os contos que nos ajudam a “atravessar as longas noites de inverno”? Qual
é o “acervo comum de histórias” que conhecemos e partilhamos?
Pica Pau?Como
adultos brasileiros, temos uma infância mediada pela escola,
que se utilizou desse acervo comum de narrativas que circulavam oralmente em
todas as culturas, tornando-o também o nosso acervo clássico, ou seja,
incorporando e disseminando o que já se conhecia na Europa desde 1697 – a obra
de Charles Perrault, primeiro a dar acabamento
literário ao que hoje conhecemos como Contos
Maravilhosos, de Fadas ou de Encantamento. Mesmo nosso maior escritor de
literatura para crianças – Monteiro Lobato – bebeu nessa fonte e, ao ler as
aventuras contidas no Sítio do Picapau
Amarelo, imediatamente nos conectamos com o “universal”.
Mas, o que é um clássico?
Para
Sergius Gonzaga (2011), que busca circunscrever
alguns “traços definidores do que hoje se considera um texto clássico”, a primeira
característica é a atemporalidade,
ou seja, clássica é uma obra que ultrapassa “o seu tempo, persistindo de alguma
maneira na memória coletiva e sendo atualizada por sucessivas leituras, no
transcurso da história”.
Outra das
características mencionadas por Gonzaga em seu texto é a presença, nos
clássicos, de “paixões humanas de maneira intensa, original e múltipla” e serem
obras que “registram e simultaneamente inventam a complexidade de seu tempo. A linguagem é outra das características
marcantes e definidoras de uma obra clássica, de acordo com Gonzaga. Para ele,
nas obras clássicas há a presença de “formas de expressão inusitadas,
originais e de grande repercussão na própria história literária.
Por serem “obras de
reconhecido valor histórico ou documental, mesmo não alcançando a
universalidade inconteste”, autores nacionais
ou mesmo regionais podem ser considerados clássicos e, no Rio grande do Sul,
João Simões Lopes Neto é um deles. Para Gonzaga, ainda, “talvez a
característica fundamental de uma obra clássica seja a sua inesgotabilidade”, ou seja, a capacidade que um livro tem de
permanecer interessante, novo a cada leitura, múltiplo, tendo sempre algo a nos
dizer. Ele cita Calvino (1993) para corroborar sua afirmação: "Um clássico
é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer".
Para o estudioso,
um “clássico é fundamental também pelo efeito que deflagra na consciência
do leitor” e, de acordo com esse olhar, propõe que o consideremos,
“simultaneamente” como “forma única de conhecimento”, “utilização da linguagem
de uma maneira exemplar, original e inesperada” e “um conjunto de revelações,
idéias e sentimentos que têm a propriedade de durar na memória mais do que
outras manifestações artísticas”.
E na
literatura para crianças, o que são considerados clássicos?
Na literatura
escrita para as crianças, atualmente, são reconhecidos como clássicos os Contos
de Fadas, também nomeados Contos Maravilhosos ou Contos
de Encantamento. São as narrativas compiladas da oralidade por Charles
Perrault (1628-1703) e pelos Irmãos Grimm – Jacob (1785-1863) e Wilhelm
(1786-1859) – e as narrativas criadas por Hans Christian Andersen (1805-1875),
preponderantemente.
Quais as
características desses contos maravilhosos que os tornam clássicos? Com
certeza, a longevidade, a presença intensa e concomitante nas infâncias desde
então. São narrativas que persistem na “memória coletiva” e têm sido atualizados
“por sucessivas leituras” e mesmo recontações e reescrituras.
Outra das
características dos contos maravilhosos que os tornam clássicos é a abordagem
de temas humanos, como o amor, e
nele a inveja, o ciúme, as disputas e as violações e o medo – do abandono, da
solidão, da crueldade e da morte,
entre outros. Esses “temas”, tratados “de maneira intensa, original e múltipla”
encantam, produzem o desejo de serem desvendados, desvelados desde tenra idade.
Ao registrar e
simultaneamente inventar “a complexidade de seu tempo”, os contos
maravilhosos revelam a infância que havia em priscas eras, e as
tramas que a ela eram pertinentes. Mesmo tendo se passado trezentos e dezessete
anos de sua primeira grafia conhecida (PERRAULT, 1697), o memorável encontro de
Chapeuzinho Vermelho com o Lobo Mau parece ser absolutamente
passível de acontecer.
Hoje.
Aqui ao lado, em
algum parque...
E é isso que o
torna clássico: indica uma infância possível: ingênua, no limite entre a
curiosidade e o perigo. Um cristal: transparente e prestes a quebrar.
O medo é “uma das
sementes privilegiadas da fantasia e da invenção”, é um “sentimento vital que
nos protege do risco da morte” e as “crianças procuram o medo”, de acordo com
Kehl (2006, p. 17). Ouvir histórias “é um dos recursos de que as crianças
dispõem para desenhar o mapa imaginário que indica seu lugar na família
e no mundo” e contar histórias é o “papel geracional que cabe aos pais frente
aos filhos” (KEHL, 2006, p. 18).
Uma obra, para ser
considerada clássica precisa, também, criar formas de expressão “inusitadas,
originais e de grande repercussão na própria história literária”.
Neste caso, a clássica expressão “Era uma vez...”, que abre grande parte dos
contos, por eternamente original, tem
forte impacto na memória afetiva de gerações, sendo empregada sempre que se
quer anunciar uma leitura ou mesmo o mistério.
Os clássicos –
compilados e/ou inventados pelos autores acima citados – são obras “de
reconhecido valor histórico ou documental”, integrando a história da língua dos
países de origem bem como retratos de um tempo e de um modo de pensar não
apenas a infância. Pela qualidade, diversidade e contribuição à dicionarização
da língua, sua filologia e mesmo memória oral, os contos registrados pelos irmãos
Grimm, por exemplo, foram considerados patrimônio cultural.
Outra importante
razão para os contos de encantamento serem considerados clássicos é
sua “inesgotabilidade”, ou seja, é possível fazer diferenciadas e infindáveis
leituras de uma mesma narrativa. Leituras e recontos, vide as inúmeras versões
hoje conhecidas de algumas delas.
Clássicos Infantis Brasileiros
No Brasil, podem-se
considerar clássicas as narrativas de Monteiro Lobato, pois possuem as
características que Ítalo Calvino ressalta como indispensáveis ou mesmo
componentes de um clássico: possuem longevidade, tratam temas humanos com
intensidade, registram e simultaneamente inventam a complexidade de seu tempo,
criam formas de expressão inusitadas, originais e de grande repercussão, têm
valor histórico e documental e oferecem uma possibilidade inesgotável de
leituras...
No entanto,
diferentemente dos clássicos universais, há algumas características que
aparecem preponderantemente em textos literários para a infância e a ingenuidade é a maior das
características. Valor perdido ou mesmo desatualizado na vida adulta, a
ingenuidade é plausível e fundante na literatura para a infância.
Outras das características
presentes que configuram, definem ou mesmo organizam um texto para que ele seja
considerado como pertencente ao campo da arte literária infantil são:
a presença da magia ou elemento mágico, a necessidade da
imaginação ou faz-de-conta, a ancestralidade
ou pertencimento (personagens
interligados familiarmente), a localização geográfica e temporal indefinida (tempo/espaço
inexistente), a literariedade (linguagem
metafórica) e a ludicidade (mentira/verdade).
Assim, textos
literários infantis são textos que estabelecem uma conexão imediata com a
imaginação, com o mundo que existe como desejo, possibilidade. O texto
literário nos remete a situações inusitadas e podemos, através dele,
transgredir (a ordem, as leis, as regras, as idades) ou mesmo só pensar que se
faz isso. Através dele podemos brincar de ser outro, mais novo, mais
velho, com poder, sem nenhum, com muito ouro, com quase nada. Como exemplo,
temos o invencível traço de Eva Furnari e seu Pandolfo: "No reino da
Bestolândia, havia um jovem príncipe chamado Pandolfo. Pandolfo nada entendia
de amor ou amizade...". Pronto, já entrei no reino,
visualizei Pandolfo, ele é jovem, não entende nada de amor ou amizade, o
reino existe e quero saber o que será dito na próxima página. É Eva
Furnari e suas invencionices. Literatura pura, da mais alta qualidade.
Textos literários
infantis são também textos que apresentam vínculo com a ancestralidade,
com nossa condição de humanos em sociedade. O texto literário nos faz
pertencer e nos ensina que, um dia, em torno do fogo, ouvíamos
e contávamos e, desse modo, inventávamos a linguagem...
Textos literários infantis
são os que prevêem a existência de elementos mágicos, fantásticos,
inverossímeis que, na trama, são absolutamente possíveis de existir, como o pó
de pirlimpimpim. São textos caracterizados pela presença de linguagem
metafórica e, em alguns casos, de palavras
ou expressões inventadas, que produzem tamanho efeito no leitor que
ele acaba acreditando nelas, vivendo-as, multipicando-as. Um exemplo?
“Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior
nem menor, com velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam, e
meninos e meninas que nasciam e cresciam” (...). E ela mesma
resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e longo, e não o outro,
encurtoso. Saiu, atrás de suas asas ligeiras, sua sombra também vinha-lhe
correndo, em pós” (ROSA, 1992).
Textos literários
infantis são brinquedos inventados por nós, através de um mecanismo incrível, o
nosso cérebro e nossa imaginação. Não há máquina que imite, é criação pura,
invencionice, bobices e gostosuras, como diz Fanny Abramovich. Doce e útil, a
literatura tem o compromisso de encantar o leitor e, ao mesmo
tempo, torná-lo mais culto, mais perspicaz, mais inteligente, mais
curioso... A obra literária não tem a tarefa de informar, embora possa fazer
isso, não tem a tarefa de educar, apesar de poder. Tem compromisso com a
imaginação, a emoção, a estética...
Simples assim...
Punto e basta,
como diriam meus ancestrais...
Narrativas Modernas
E os
contos infantis modernos? Apresentam “maus tratos emocionais e violência
benévola” em seus roteiros e conteúdos, em suas imagens e desfechos? Se sim,
como podemos nos apropriar desses contos para entender/impedir/minimizar a dor
e o sofrimento causados à infância?
Antes
de tudo, é preciso considerar o que seriam “maus tratos” e “violência” em
narrativas literárias, uma vez que a linguagem literária tem como
característica um não explícito vínculo com o real. Para Todorov (1975), o
texto literário “não entra em uma relação referencial com o ‘mundo’ como o
fazem frequentemente as frases de nosso discurso cotidiano” e ele “não é
representativo de outra coisa senão de si mesmo” (1975, p. 14). Com o desejo de
ser pedagógica, moralizante, ética, a literatura infantil produzida modernamente
tem passado ao largo de questões polêmicas e dolorosas. “Higienizada” a partir
da invenção da infância, grande parte do que conhecemos como literatura
apresenta um “final feliz”, indicando infâncias que não mais se defrontam com o
medo, a crueldade, a morte.
Há,
no entanto, exceções...
Para Todorov
(2012), a literatura tem um poder imenso: ela pode “nos estender a mão quando
estamos profundamente deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos outros
seres humanos que nos cercam, nos fazer compreender melhor o mundo e nos ajudar
a viver” (p. 76). Como a filosofia e as ciências humanas, a literatura é, para
Todorov, “pensamento e conhecimento do mundo psíquico e social em que vivemos”
e a realidade que a literatura aspira compreender é, simplesmente, “a
experiência humana” (p. 77).
A
intenção de produzir prazer e pensamento – quase uma unanimidade entre os
pensadores mais modernos acerca da literatura – é, no entanto, uma raridade
entre os escritos modernos
e, apenas com critérios, leitura intensa e frequente além de delicadeza, é que
teremos as condições de selecionar o que pode ser utilizado para
evidenciar/produzir o desvelamento das abordagens adultas inadequadas à
infância.
Acredito
que a boa literatura tem o dever/poder de nos tirar da “zona de conforto”, rosa
ou azul que escolhemos para representar a infância. Ela veio ao mundo não para
ser objeto de deleite, apenas, de prazer estético.
Literatura
é arte! E, sim, deve fazer pensar sobre a condição humana [12].
Referências:
BENJAMIN, W. 1994. O Narrador. Considerações sobre a obra de Nicolai
Leskov. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios
sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense.
CORSO, D. L. &
CORSO, M. Fadas no Divã: Psicanálise nas
histórias infantis. Porto Alegre: Artmed, 2006.
DARNTON, R. 1996. O grande massacre dos Gatos. Rio de
Janeiro: Graal.
KEHL, M. R. 2016. Prefácio. In: CORSO, D & CORSO, M. Fadas no Divã: Psicanálise nas histórias
infantis. Porto Alegre: Artmed.
LABBÉ, B. & PUECH, M. 2012. A vida e a Morte. São Paulo: Scipione.
MEIRELES, C. 1951. Problemas da Literatura
Infantil. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Educação.
TODOROV, T. 1975. Introdução
à Literatura Fantástica. São Paulo: Perspectiva.
TODOROV, T. 2012. A
literatura em Perigo. Rio de Janeiro: Difel.
A teoria psicanalítica (Sigmund Freud, 1882-1940), pode ser
conhecida em três publicações: Interpretação dos Sonhos (1899), Psicopatologia
da Vida Cotidiana (1901) e Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (1905). Para
a Psicanálise, o sexo está no centro do comportamento humano. Ele motiva sua
realização pessoal e, por outro lado, seus distúrbios emocionais mais
profundos; reina absoluto no inconsciente. Fonte: http://www.infoescola.com/psicologia/psicanalise/
Mito vem da palavra grega mythos. Pode
ser traduzido como discurso ou narrativa. Diferente da Filosofia (discurso
racional que surgiu para se contrapor ao modelo mítico desenvolvido na Grécia
Antiga), mito significa contar, narrar algo para alguém que reconhece o
proferidor do discurso como autoridade sobre aquilo que foi dito. O sentido
original está intimamente ligado à oralidade; as histórias eram passadas de
geração a geração através do canto. Fonte: http://www.brasilescola.com/filosofia/mito-filosofia.htm
[7]
A escola pública, como a conhecemos, existe no Brasil desde 1930 (criação do
Ministério da Educação).
Considerado o principal idealizador das grandes mudanças que marcaram a
educação brasileira no século 20, Anísio Teixeira (1900-1971) foi pioneiro na
implantação de escolas públicas de todos os níveis, que refletiam seu objetivo
de oferecer educação gratuita para todos. Após o Manifesto de 1932
(Pioneiros da Educação), a Constituição de 1934 traça as linhas mestras de uma
política educacional brasileira. Fonte:
http://revistaescola.abril.com.br/formacao/anisio-teixeira-428158.shtml
Há bastante tempo, Cecília Meireles (1951) já se referia a obras adequadas à
infância. Para ela, “um livro de literatura infantil é, antes de mais nada, uma
obra literária. Nem se deveria consentir que as crianças freqüentassem obras
insignificantes, para não perderem tempo e prejudicarem seu gosto”. Sábia
Cecília!
[12] Revisão do Texto: Bitica Rosa