terça-feira, 11 de julho de 2017

Critérios de escolha e de relevância de obras literárias infantis: um estudo

Ao escolhermos uma obra a ser lida para nossas crianças em casa ou na escola, um grupo considerável de critérios precisam ser considerados, entre eles, autoria, gênero, ilustrador, quantidade e qualidade do texto e até temas que podem desencadear indagações e diálogos acalorados.
Critério significa "julgamento" e pode ser entendido como juízo, discernimento ou mesmo a opinião de uma pessoa. É uma condição subjetiva que possibilita optar, escolher e, por isso, por definir nossas escolhas, é considerado um juízo de valor.
Juízos de valor podem ser pessoais, mas não os empregamos apenas no âmbito pessoal. Se os utilizamos para julgamentos de questões que extrapolam nossas vidas privadas, devem ser considerados no tanto que implicam nas vidas dos demais. Assim é com a escolha de um livro a ser lido para crianças, pois os adultos precisam saber defendê-lo, ou seja, evidenciar a relevância de tal obra na formação dos infantes da espécie[1]. No caso da escola, mais aprimorados ainda devem ser os critérios de escolha do que ler aos pequenos.
As escolhas de livros a serem lidos em nossas casas  que envolvem gostos pessoais ou familiares e razões religiosas, éticas e morais  podem ser de qualquer tipo, pois implicam em uma dimensão individual em que, supostamente, apenas o sujeito e sua família será beneficiado ou prejudicado.
As escolhas públicas – na escola e para processos educativos – implicam em uma dimensão para além do indivíduo, ou seja, envolvem os alunos de uma classe inteira e até a escola como um todo, não esquecendo que o conhecimento destas narrativas reverberam nas famílias dos meninos e meninas que frequentam a escola. Atingem desde a criança até a sociedade como um todo, uma vez que estamos todos conectados.
Assim, um juízo de valor externado em uma escolha literária implica em, necessariamente, considerar o impacto de nossas opiniões na vida dos demais em sociedade. Implica em, por isso mesmo, considerar o que os outros pensam a respeito do mesmo assunto, como se posicionam, como manifestam o que pensam...
Obra literária: o conceito
Uma obra literária, para ser considerada como tal, precisa ser, em primeiro lugar, representante da arte. A arte literária.
E o que é arte literária? É a arte da palavra, materializada pela expressão escrita do pensamento do autor/autora. Para Graça Paulino, a arte literária é representada pelo contato – pacto – entre o autor e o leitor. Um pacto do qual se usufrui intensamente. Em suas palavras:

"A leitura se diz literária quando a ação do leitor constitui predominantemente uma prática cultural de natureza artística, estabelecendo com o texto lido uma interação prazerosa. O gosto da leitura acompanha seu desenvolvimento, sem que outros objetivos sejam vivenciados como mais importantes, embora possam também existir. O pacto entre leitor e texto inclui, necessariamente, a dimensão imaginária, em que se destaca a linguagem como foco de atenção, pois através dela se inventam outros mundos, em que nascem seres diversos, com suas ações, pensamentos, emoções" (PAULINO, 2014[2]).

Se a literatura é uma arte e há diferentes autores, obras, gêneros, estilos, como escolher o que é a melhor expressão da artesania humana para os pequenos em casa e na escola?
Os critérios clássicos para escolher uma obra literária infantil são a atemporalidade ou longevidade, a linguagem (expressão inusitada e/ou metafórica), a inesgotabilidade (diferenciadas e infindáveis leituras de uma mesma narrativa), o valor histórico e documental, a magia, o vínculo com a ancestralidade e a capacidade de “fazer pensar”. Essas características integram o grupo de critérios defendidos por Italo Calvino na obra "Por que ler os Clássicos". Editada em 1993 pela Companhia das Letras, é um marco sobre critérios de escolha de um livro a ser lido. Nele, uma frase de Calvino: Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer".
A arte literária para a infância, tem o compromisso, por arte, de unir o lúdico (jogo de deleitar-se) com o útil (jogo de posicionar-se). Como humanos, espécie que através da linguagem se representa, temos essa premência que é simbolizar. Nas palavras de Bagno (2014), a linguagem é uma faculdade cognitiva

“... exclusiva da espécie humana que permite a cada indivíduo representar e expressar simbolicamente sua experiência de vida, assim como adquirir, processar, produzir e transmitir conhecimento. Nós somos seres muito particulares, porque temos precisamente essa capacidade admirável de significar, isto é, de produzir sentido por meio de símbolos, sinais, signos, ícones etc. Nenhum gesto humano é neutro, ingênuo, vazio de sentido: muito pelo contrário, ele é sempre carregado de sentido, nos mais variados graus, e cabe justamente à nossa capacidade de linguagem interpretar o sentido implicado em cada manifestação dos outros membros da nossa espécie" (BAGNO, 2014).

Textos literários infantis: bobices?
Brinquedos inventados por nós, adultos, através de um mecanismo incrível, o nosso cérebro e nossa imaginação, os textos literários têm destino: os nossos infantes. Criação pura, invencionice – bobices e gostosuras, como diz Fanny Abramovich – a arte destinada por nós, os maduros da espécie aos pequenos, deve ser, ao mesmo tempo, doce e útil, pois a literatura tem o compromisso de encantar o leitor e, ao mesmo tempo, torná-lo mais culto, mais perspicaz, mais inteligente, mais curioso.
A liguangem, nesse caso, é o mais importante. E uma regra é não infantilizar a criança, pois a coloquialidade, os diminutivos e as simplificações depreciam o ouvinte e nem sempre são o caminho mais certeiro para capturar os pequenos. Como escreveu Mia Couto, o encanto "no acto da escrita, é surpreender tanto a escrita como a língua em estado de infância" e escrever é "lidar com o idioma como se ele estivesse ainda em fase de construção, do mesmo modo que uma criança converte o mundo todo em um brinquedo (COUTO, 2008, p. 5).

Lembre: uma obra literária não tem a tarefa de informar, embora possa fazer isso; não tem como compromisso educar, apesar de poder. A obra literária tem compromisso com a imaginação, a emoção, a estética. E um pensamentozinho, ora sim, ora também.
Escolhendo obras: uma aula sobre critérios e relevância de obras literárias.
Convidadas a escolher uma obra na estante da livraria, após um primeiro diálogo a respeito do espaço e as evidências ali encontradas a respeito do que o estabelecimento comercial considera infância e livros para a infância[2], minhas alunas escolheram e defenderam suas escolhas. Ao fim da aula, um grupo considerável de razões que nos levariam a levar para casa ou à escola um livro. Vamos conhecer os critérios de escolha e de relevância surgidos dessa experiência?
Argumentos: razões de escolhas
Os argumentos escolhidos para justificar as escolhas de livros para a infância foram a apresentação de tema relevante ou emocionante, autoria conhecida, respeitada e/ou indicada por leitor experiente e a presença de exemplares em que autor e ilustrador são a mesma pessoa. Autores regionais também foram mencionados como importantes.
Outro grupo de argumentos considerou o endereçamento ou a adequação para a idade dos ouvintes ou a presença de um tema que preciso conhecer.
A expressão estética apurada e o livro extrapolar, via linguagem, os conceitos de “livro para infância”, foi valorizado. A ilustração ou ilustrador conhecido foi levado em consideração e alguns escolheram livros que incluíam CD ou DVD.
Foi considerado como interessante os gêneros poesia e reconto e, quando a temática era relacionada à formação da leitora como música e história, foram evidenciadas.
Apresentar linguagem regional, livros para gostar de ler e se tornar leitor, possuir informações prévias, integrar uma coleção, possuir amplo léxico e ter glossário, foi valorizado na defesa das obras escolhidas. Ser a primeira edição ou uma nova edição que manteve o texto original, mas atualizou a ortografia foram elogiados. A presença de sumário, a quantidade e qualidade do texto, ter informações além do texto – paratextos  e conhecer quem organizou também foram ressaltados como importantes argumentos para escolher/ler uma obra.
Foram considerados relevantes livros que possuíam imagens em três dimensões, partituras e notações além da qualidade da capa. Ser colorido, ser um livro brinquedo, ter efeito Pop-up, ser um texto com ritmo, com continuidade e, ter valor acessível, foram mais alguns dos critérios/argumentos para a escolha dos títulos.
Minhas dicas para a escolha de livros: a experiência.

Ler antes de comprar. Sempre. É a dica mais importante;
Conheça o seu público ou para quem você vai ler. Isso ajuda a escolher um gênero, um título, um autor...
Autor: escolha um brasileiro respeitado, indicado por outros leitores, premiado, que as crianças gostam...
Gênero: narrativas, poesia, fábulas, lendas, cordel, história em quadrinhos, terror, biografias, abecedários, recontos...
Editora: Brasileiras que investem em formato, cor, durabilidade, evidência de autoria, qualidade do texto e da imagem, durabilidade do impresso, paratextos de qualidade...
Quem indica: se um conhecedor indicou, se confias em quem leu, se há uma lista que a professora disponibilizou, considere, leve em conta, vá por eles. Quem lê adora indicar livros aos demais, mas não custa nada ler antes...
Valor: entre dois bons livros, escolha aquele que tem custo/benefício mais evidente. Exemplo: Um livro com 92 poemas é mais importante que um livro com apenas uma narrativa se os dois custam a mesma coisa ou têm preços similares;
Ilustração: um livro com um excelente ilustrador tem seu valor. Afinal, a arte literária pode ser acompanhada das artes plásticas...
Apaixonamento: confie em ti. Ao apaixonar-se por um livro, indique, releia, faça circular.

Referências ou para saber mais...
BAGNO, Marcos. Linguagem. Glossário CEALE, 2014. Disponível em: http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/linguagem).
PAULINO, Graça. Leitura Literária. Glossário CEALE, 2014. Disponível em: http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/leitura-literaria
ROSA, Cristina. Critérios de escolha: um passinho de cada vez. Alfabeto à Parte, 26 de março de 2015. Disponível em: http://crisalfabetoaparte.blogspot.com.br/2015/03/criterios-de-escolha-um-passinho-de.html
NÓBREGA, Vitor Augusto. Surgimento das palavras: a explosão vocabular da espécie humana. Jornal da USP, 29/07/2016. Disponível em: http://jornal.usp.br/artigos/surgimento-das-palavras-a-explosao-vocabular-da-especie-humana/





[1] Nascido de pouco, bebê ou mesmo criança, o que caracteriza um infante é a necessidade de cuidados – proteção – sem os quais ele não sobrevive. Na espécie humana, além de cuidados básicos como alimentação, saúde e segurança, os infantes precisam aprender a se comunicar. A comunicação inclui falar, ouvir, ler e escrever, basicamente. Para Vitor Nóbrega, doutorando em Linguística na USP, “um dos caracteres que assinalam a complexidade da faculdade da linguagem é o domínio de um extenso vocabulário que se amplia cotidianamente”. Para ler mais sobre esse tema, clique em: http://jornal.usp.br/artigos/surgimento-das-palavras-a-explosao-vocabular-da-especie-humana/
[2] O estabelecimento comercial evidencia noções de infância que arquitetos, marceneiros, autores, editoras e mesmo comerciantes possuem. Para um determinado grupo societário, a infância pode ser apresentada e representada por um determinado espaço, um grupo de cores, certos projetos gráficos e editoriais e linguagem específica.

Nenhum comentário:

Postar um comentário