Um desabafo
Guilherme Moreira - Pedagogo
Sinto-me desrespeitado perante a lei
dos humanos. Se você entende o conceito de empatia, peço que se coloque no meu
lugar e responda às minhas questões, pois estou perdido. Vocês, sociedade em
geral, me julgam, me apontam como agressivo, bravo, e às vezes até
descompassado. Vivem me julgando, me medindo... O que vocês chamam de
"bravo" e "agressivo" é a única forma que encontrei para
exigir respeito, pois sou desrespeitado diariamente e sou obrigado a engolir
calado.
Sou obrigado a respeitar e seguir
uma conduta baseada em leis municipais, estaduais, federais e universais, e
sinceramente, eu me esforço muito para cumprir todas elas. No entanto, quando
necessito de suporte dessas mesmas leis que sigo, parece que elas me faltam.
Sou forçado a cumprir deveres, cada vez mais deveres, enquanto meus direitos
são constantemente negligenciados, mesmo sendo garantidos por lei.
Como funcionário público do
município de Franca, SP, devo respeitar todos os artigos municipais, estaduais
e federais sobre o funcionário público estatutário. Para exercer minha função,
preciso ser respeitado e, atualmente, estou sendo desrespeitado. Sou professor
da educação básica, e o artigo 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Nº 9.394/1996), prevê que a educação é um trabalho conjunto entre
professor, família, estado e sociedade. No entanto, as cobranças e
responsabilidades têm recaído apenas sobre nós, professores públicos, que
respondemos à lei e obedecemos aos mandatos de gestores eleitos. Toda a
responsabilidade está sobre os professores. Eu pergunto: quem lembra de cobrar
a gestão eleita?
Sinto-me desrespeitado, pois a lei
garante tanto ao professor quanto aos estudantes materiais necessários e
adequados para realizar as atividades, de acordo com o Artigo 208, inciso VII
da Constituição Federal de 1988. Na realidade, somos limitados aos materiais
disponibilizados pelos nossos gestores públicos. Muitos de nós, professores,
tiramos dinheiro do próprio salário para conseguir apresentar um trabalho digno
e de qualidade, desrespeitando assim a lei que deveria nos amparar.
Sinto-me desrespeitado ao ter que
cumprir todas as leis educacionais que regem os currículos da educação
brasileira, enquanto sou bombardeado com reclamações de responsáveis quando
solicito algo dos estudantes, como tarefas ou trabalhos. A sensação que tenho é
que estão se esquecendo de sua responsabilidade na educação das crianças, que
também devem acatar as leis estabelecidas (art. 205 da Constituição Federal de
1988). Quando informo indisciplina ou dificuldades na aprendizagem que requerem
atenção especializada, sou confrontado com grosserias por parte de familiares,
desrespeitando a lei que protege os servidores públicos contra agressões (DECRETO-LEI
No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940, Art. 331].
Sinto-me desrespeitado pois, perante
o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990, art. 53), caso um
educador perceba alguma dificuldade na aprendizagem, ele deve informar seus
gestores imediatos, que dão continuidade ao processo. Quando isso ocorre, o
professor faz a demanda à equipe gestora, que notifica as famílias. Cabe então
à família buscar auxílio especializado. A lei também garante que toda pessoa
tem direito a atendimento médico público de qualidade, e que crianças com
quadros de neurodivergência e saúde mental devem ter atendimento ágil e
adequado. Contudo, na minha realidade, em Franca, SP, o processo no SUS é muito
demorado, e a oferta de soluções é insuficiente. Mais uma vez, a
responsabilidade recai sobre a escola e os professores, enquanto os gestores
públicos eleitos, que deveriam ser responsabilizados, são ignorados.
Sinto-me desrespeitado, pois tanta
carga emocional tem deixado nós, professores, doentes, sobrecarregados de
trabalho, e mesmo com ensino superior, nossos salários continuam sendo dos mais
baixos para quem possui esse nível de educação (Constituição Federal de 1988,
art. 206, inciso V). Meu estado emocional e minha psique estão abalados; não só
os meus, mas os de milhares de professores neste país. A lei me garante,
enquanto cidadão e trabalhador, o direito à saúde pública de qualidade, de
acordo com a Constituição Federal de 1988 em seu Artigo 196). Mas, ao buscar os
serviços do SUS, enfrento os mesmos problemas que as crianças: demora, falta de
profissionais e de seguimento dos protocolos médicos.
Sinto-me desrespeitado, pois, apesar
de estar sobrecarregado e com a psique abalada, a lei me garante atendimento
contínuo, seguro e eficiente, especialmente enquanto diagnosticado com
transtorno mental (Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001). No entanto, preciso
realizar exames particulares, pois não são cobertos pelo SUS, e a demora entre
consultas é exasperante. Tenho feito terapia quinzenalmente, com a única
psicóloga disponível para todos os servidores públicos da Prefeitura Municipal
de Franca, oferecida pelo SIAS, que tem me ajudado muito nessas questões.
Sinto-me desrespeitado, pois a lei
garante (Constituição Federal de 1988, art. 5º, inciso XXXIV) que tenho o
direito e o dever de denunciar quando as leis não estão sendo respeitadas. Eu
faço minha parte, encaminhando as demandas para os gestores imediatos e
superiores, protocolando reclamações e buscando ajuda. Contudo, sou deixado à
mercê das vontades dos gestores públicos eleitos. Estou cobrando as leis
daqueles que são responsáveis por executá-las, mas não recebo resposta.
Retomando, sinto-me desrespeitado
perante a lei dos humanos! Tenho que passar por tudo isso, sendo apontado como
agressivo, bravo, e às vezes descompassado. Vocês vivem me julgando, me
medindo... O que chamam de bravo e agressivo é a única forma que encontrei para
ser respeitado, pois sou desrespeitado todos os dias e sou obrigado a engolir
calado. Estou lutando sozinho, como cidadão que necessita da saúde pública,
como professor e funcionário público, sem uma rede de apoio robusta.
Minha rede de apoio é minha fé, que
vive sendo atacada, principalmente por eu ter crenças de matriz africana,
kardecista e outras linhas pouco conhecidas no Brasil (Constituição Federal de
1988, art. 5º, inciso VI). Sinto-me desrespeitado por minha fé. Minha rede de
apoio é minha família, que sofre quando estou desregulado. Eles são os que mais
sofrem, pois não tenho onde recorrer. Os ataques de raiva, frustração e
indignação recaem sobre eles, o que vai contra a própria lei que protege a
família (Constituição Federal de 1988, art. 226).
Eu me sinto desrespeitado, pois,
sempre que fico desregulado, todo o trabalho de qualidade, todo o tempo,
dinheiro, concentração e esforço mental que investi para cumprir minhas
obrigações legais são esquecidos, e só lembram de mim como alguém agressivo,
bravo, encrenqueiro...
Minha questão final é: quanto mais
eu tenho que aguentar? Qual é o limite para ser tão desrespeitado e ter que
ficar quieto, imóvel, esperando as coisas acontecerem? Até quando vou ser
responsabilizado pela falta de direitos garantidos por lei a todo e qualquer
cidadão?